11/12/2011

Os bairros do mundo vão estar nas fachadas do Bairro Alto


Pedro Costa e Ricardo Lopes vão usar as fachadas do Bairro Alto como montra do mundo.
Por Cláudia Sobral in Público

A exposição Bairros como nós vai mostrar, durante esta semana, pontos de contacto entre uma dezena de cidades do mundo, com espaços vocacionados para a criação artística. O Bairro Alto faz 498 anos e a festa começa hoje em Lisboa.

Uma mulher varre o passeio, à entrada de casa, e há um homem que varre também. Ela tem frio que a manhã é de nevoeiro no Bairro Alto, Lisboa, e ele calça chinelos porque não tem. Ela é de carne e osso, ele fotografia tirada na Vila Madalena, um bairro de São Paulo. Pedro Costa e Ricardo Lopes, andaram por dez cidades do mundo a fotografar Bairros como nós, em exposição no Bairro Alto entre terça-feira e domingo, a propósito da comemoração de mais um aniversário desta zona lisboeta.
Os "bairros altos" do mundo estão naquele homem que varria o passeio, na mulher de rolos na cabeça no interior no cabeleireiro, no rapaz que passa música para a rua da sua janela, no cozinheiro do restaurante que deixa a porta aberta para a rua ou nas campanhas de moradores contra o barulho dos bares à noite. Estas são algumas das fotografias que vão espalhar por 15 fachadas, em jeito de provocação, diz Ricardo Lopes.
"Vão estar coladas nas paredes, o que vai contra esta lógica da limpeza do bairro." Porque o bairro, argumenta Pedro Costa, também assume essa função de "espaço de comunicação em termos artísticos", através de cartazes.
Numa delas, tirada em Londres, lê-se num letreiro amarelo de grandes dimensões: "Please, use toilets provided". A ideia é colarem-na numa daquelas esquinas do bairro que à noite se transformam em urinóis públicos. A ideia é que as fotografias possam funcionar como "espelhos do Bairro Alto", explica Ricardo Lopes.
Os dois fotógrafos e investigadores do Centro de Estudos sobre a Mudança Socio-económica e o Território (Dinâmica-CET), do ISCTE, partiram de outro projecto de investigação, onde compararam espaços de Lisboa, São Paulo e Barcelona, nos quais estavam incluídos os bairros. Desta vez, embora sem a sustentação científica que dois anos de investigação deram ao Creatcity, o projecto anterior, partiram para outras cidades. A escolha dos bairros nem sempre foi a mais óbvia. Já tinham fotografias de algumas, de outras não. Voltaram aos bairros, observaram-nos, fotografaram-nos, aprenderam a sua história.

O que se quer para o bairro

Mas o que há em comum entre o Bairro Alto e Gràcia (Barcelona), Marais (Paris), Kreuzberg (Berlim), Vila Madalena (São Paulo), Beyoglu (Istambul), Oltrarno (Florença), Capitol Hill (Seattle), Indre By e Norrebro (Copenhaga), Haight and Russian Hill (São Francisco) e Brick Lane (Londres)? As dinâmicas de bairro, a diversidade de actividades e de pessoas.
Brick Lane desenvolve-se ao longo de uma rua, Vila Madalena tem passeios irregulares, de socalcos, Beygolu é um dos mais virados para o tradicional, em Kreuzberg há galerias que são atelier e casa ao mesmo tempo, uma parte do Marais, que se caracteriza pelo comércio de luxo, continua a ter uma zona de lojas de chineses.
"O Bairro Alto é o denominador comum, o que faz a ligação entre todos", explica Pedro Costa. E dos problemas de cada um, da forma como vão sendo resolvidos, das políticas dos seus países e cidades e da história e evolução de cada um é possível tirar várias lições para o Bairro Alto. A partir daqui, está aberta a discussão, que também tem um lugar na programação (ver caixa) da semana de comemoração dos 498 anos do Bairro Alto, em que qualquer um pode participar. Na sexta-feira, às 18h, numa conferência na Casa da Imprensa, para além dos fotógrafos, estarão presentes outros investigadores, como Samuel Dias, Cristina Latoeira, Walter Rodrigues, Ricardo Campos e João Seixas.
Também na Casa da Imprensa estarão expostas mais fotografias dos "bairros altos" das dez cidades, agrupadas por séries: cabeleireiros, graffiti, manequins em montras, cozinheiros... Serão uma espécie de bairro construído, a partir de todos os outros, em que o importante não é identificar o local de cada fotografia, explica Ricardo Lopes. Porque cada uma delas "poderia ter sido tirada noutro bairro qualquer".
"Podemos aprender, com a evolução dos outros bairros, que se não fizermos nada o Bairro Alto vai evoluir no sentido de desaparecimento enquanto bairro criativo", conclui Pedro Costa, que reconhece que isso já está a acontecer por causa da "massificação" do bairro. O que, do ponto de vista do investigador, é actualmente o maior perigo para o Bairro Alto. "Não podemos chegar aqui de um dia para o outro e eliminar tudo nem deixar fazer tudo, é uma gestão difícil para tentar manter as características do bairro de forma a não o deixar morrer."
A forma como se gerem os conflitos de uso, característicos destes "bairros altos" será determinante para que evoluam num sentido ou noutro. Também a forma como se "fecha os olhos" a algumas coisas. "Se eu fizer cumprir todos as regras que definem como os bares têm de funcionar também deixo de ter criatividade artística", argumenta. "Se a Galeria Zé dos Bois tivesse de funcionar com todos os requisitos não estaria ali", exemplifica Ricardo Lopes.
O Bairro Alto, reconhecem, está, ainda assim, "mais protegido" do que outros bairros que fotografaram, por restrições impostas pelo plano de pormenor para a zona, por exemplo. "O Bairro Alto pode transformar-se rapidamente num bairro gentrificado, com restaurantes para turistas, lojas, um bocado como as zonas de fronteira como o Príncipe Real e o Chiado", prevê Pedro Costa. Aí as "actividades criativas" terão de se deslocar para outras zonas. Diz não saber para onde por não haver outras com a massa crítica do Bairro Alto.
"Mas quem somos nós para dizer se o bairro deve ser criativo ou não?", questiona-se. "O que interessa para o bairro é que seja um espaço criativo ou então um espaço onde vivam pessoas de classe média-alta com filhos, porque isso é que é a revitalização do espaço urbano."

1 comentário:

Ricardo disse...

Deve ser para ver a bela comparação:
-Bairros dos outros Países da Europa, tudo bem preservado e remodelado e o um comércio tradicional forte.

-Bairros de Lisboa, Tudo uma vergonha autêntica, tudo a ruir e a ser demolido, e tudo a ser transformado em Hotel ou Condomínio fechado para Ricos.