18/07/2012

Tejo.Navegar é difícil.



Tejo
Navegar é difícil
Por Carlos Filipe in Público
"Havemos de lá chegar, nem que seja de barco." Desde esses românticos tempos idos, do vapor, continuam por explorar outras formas de mobilidade que se complementem, expeditas ou inovadoras. O meio aquático, que tem ainda muito para dar, nalguns casos até pode encurtar distâncias, mas o Tejo teima em resistir à náutica, e falta-lhe velocidade
Em filas compactas de automóveis, pela manhã e ao fim da tarde, sobre a imensa esplanada para o Tejo, vemos passar navios, expressão tão jocosa e popular, quanto apropriada. Sendo aquele estuário, em Lisboa, um dos maiores da Europa, haverá razões (mesmo fortes) para que não sejamos muitos mais a embarcar, em viagens rápidas e ligeiras de cabotagem pela margem de Lisboa? Embora nem todas (muito) plausíveis, elas existem. E rareiam ideias inovadoras, num momento em que quase tudo se pauta pela mobilidade veloz e pela análise económica (não negligenciável), sustentada em estudos do custo/benefício que exorcizam qualquer risco financeiro. Mas também por isso já começámos a navegar ainda mais devagar.
O presidente do Grupo Transtejo, concessionária do transporte fluvial de passageiros no Tejo, anunciou há dias que as travessias serão mais lentas entre o Barreiro e Lisboa, fora das horas de ponta e ao fim-de-semana, expediente que fará a empresa poupar 400 mil euros por ano em carburante. Segundo João Pintassilgo, citado pela agência Lusa, até é admissível que, para eliminar constrangimentos de tão dispendioso serviço público, possa o Estado ponderar que a melhor solução seja mesmo privatizar. Em 2013 saber-se-á qual o propósito do Governo para a abertura da concessão no Tejo de transporte à iniciativa privada, na qual já se mostrou interessado o consórcio Veolia-Transdev Grupo ETE.
A grande dimensão do Tejo é, em si, um obstáculo à rápida mobilidade náutica, e ter nele mais "autocarros" é um problema. Mas também é verdade que a cidade está demasiado acomodada à sua geografia. Com uma frente que já foi quase só de função portuária, e que se une à área metropolitana sul através de centenas de movimentos diários pendulares, pouco mais há para além disso, a não ser rara actividade marítimo-turística, uma diminuta navegação de recreio que se quer incrementar, mais uma prática desportiva que vai conquistando adeptos, e com particular destaque para os concelhos da Margem Sul.
Novidade mesmo é a intenção do transporte de mercadorias em comboios de barcaças até à plataforma logística de Castanheira do Ribatejo (a 40km de Lisboa), que pouparia o ambiente à passagem de centenas de camiões tão ruidosos quanto poluentes.
Para serventia de passageiros, a concavidade do limite meridional de Lisboa pouco ajuda, porquanto qualquer percurso pelo seu interior será sempre mais próximo do que pelo trecho da curva pelo rio e incapaz de competir com a velocidade dos transportes terrestres, sendo que de Algés ao Parque das Nações não faltam carreiras ferroviárias (à superfície e subterrâneas) ou rodoviárias.
Por acréscimo, a Câmara de Lisboa já estudou um conceito de circulação para a frente ribeirinha (2008) que até prevê a continuidade da linha de eléctrico rápido desde a 24 de Julho até Santa Apolónia, ou até ao Parque das Nações. Seria esta a sentença de morte da "hipótese barco", junto à margem, rumo a Oriente, espécie de vaporettos venezianos com múltiplas e rápidas paragens?
Na outra margem, também os recortes do Arco Ribeirinho que percorre os concelhos de Almada, Seixal e Barreiro, com entradas pela Moita e Montijo, não se adequaram à navegação intermunicipal, o que evitaria onerosas deslocações de dezenas de quilómetros. Tarda a expansão da ferrovia ligeira do Metro Sul do Tejo, e aguarda-se a nova ponte rodoferroviária, que atiraria para Lisboa novos magotes de carros, tendência não do agrado do governo da cidade, que vai aplicando paliativos para reduzir fluxos de circulação na Baixa, evitando medidas de fundo impopulares (interdição ou taxação por congestionamento), todavia previstas em plano de melhoria de qualidade do ar.

A Porta do Mar

A Transtejo, concessionária exclusiva do serviço público regular entre as duas margens, também já operou para o Parque das Nações, para a Porta do Mar, durante a realização da Expo"98, e depois desta, entre Março de 2001 e Dezembro de 2005, mas nem sempre com regularidade diária.
Mas tal oferta - Cacilhas-Parque das Nações e Seixal/Barreiro-Parque das Nações - morreu, diz a empresa, por gerar "elevados prejuízos de exploração". Gerou-se um movimento de contestação, foi lançada petição pública pela reposição das carreiras. Tal território sofreu grande transformação desde os tempos da exposição, que é agora grande pólo laboral e residencial e de serviços públicos. Mas já sobram queixas pela sobrelotação dos autocarros e por rarear o estacionamento.
Explica a Transtejo ao PÚBLICO, historiando: "[Após a Expo"98], de Março 2001 a Janeiro 2002, esta ligação realizava-se diariamente e a receita oscilava entre cerca de 12 mil e 24 mil euros/mês, com custos aproximados a 35 mil euros/mês. Durante aquele período, a procura nunca chegou aos 5000 passageiros/mês."
Outra razão apontada pela empresa para não concretizar a expectativa dos utentes está relacionada com uma "longa distância pedonal a percorrer entre o terminal fluvial e as empresas sediadas no território, ou o interface com outros modos de transporte alternativos para a zona".
Foi então que, em 2003, a empresa procedeu à alteração no serviço, e aquelas ligações passaram a realizar-se apenas aos fins-de-semana, alegando baixos níveis de procura registados. Sublinha a empresa que "em um ano de exploração obtiveram-se proveitos de cerca de 40 mil euros, para um volume de custos na ordem dos 236 mil euros". E conclui, projectando o agravamento daqueles resultados: "Em 2006 haveria necessidade de, com obras várias, investir mais 836 mil euros (dragagens, renovação do certificado dos pontões e substituição cobertura do terminal)." Razões que, diz, seriam suficientes para encerrar o serviço.
A pressão dos utentes levou a sociedade Parque das Nações, em finais de 2009, a convidar a Transtejo a reanalisar a situação, pelo que foi encomendado um estudo de viabilidade da reintrodução de serviço. O resultado do mesmo, descreve ainda a Transtejo, é que a viabilidade de tal ligação "não é assegurada com base nas previsões de procura assumidas, porque além da procura de esta ligação ser baixa, ela é ainda captada às outras ligações fluviais existentes". E acrescentou: "Os custos operacionais desta ligação são duas vezes superiores aos benefícios", para além da facilidade de assoreamento, "o que obriga a acções de dragagens dispendiosas", condições que diz serem observáveis a montante do rio, na direcção de Vila Franca, para onde já fez navegação turística.
Fernando Nunes da Silva, especialista em transportes e vereador da Mobilidade na Câmara de Lisboa, estudou aquele assunto e concluiu que as ligações ao longo da margem (norte) do Tejo só teriam alguma viabilidade se inseridas nas diagonais que ligam Belém, Trafaria, Cais do Sodré e Cacilhas, "dado que a velocidade dos barcos é muito inferior à do comboio ou à do metro".

Apenas bife e cerveja

Em táxis pensava Manuel Maria Carrilho, em Maio de 2005, então candidato à presidência da Câmara de Lisboa disputada com Carmona Rodrigues. Citado no jornal Correio da Manhã, Carrilho fez alusão a gosto particular, do qual disse nunca ter encontrado correspondência: o facto de frequentar restaurantes na Trafaria e no Ginjal (Cacilhas) e para tal não existir um serviço de táxi fluvial. Carrilho considerava o Tejo como "um valor idiossincrático" da cidade, enfatizando que "não se pode reduzir a frente ribeirinha à restauração, aos monocórdicos cerveja e bife".
Carmona Rodrigues, especialista em hidráulica, em texto no Boletim de Administração Regional Hidrográfica do Tejo (Maio de 2010), sem se referir ao transporte de passageiros, também defendeu maior navegabilidade do Tejo, considerando que há condições para uma adequada sistematização fluvial, para melhor aproveitamento das potencialidades da bacia.
Há casos em que os trechos navegáveis estão repletos de embarcações pelo incremento da prática de navegação urbana, mas sempre em complemento multimodal, isto é, fazendo coincidir o transporte fluvial com transportes terrestres. O mais eloquente caso talvez seja o de Sydney, onde um percurso de barco é mais vulgar do que uma viagem de autocarro. O recorte físico da cidade a isso se presta.
Exemplos próximos encontram-se em Londres e Paris, com os seus corações urbanos serpenteados pelo Tamisa e pelo Sena, que ou já dispõem de tal serviço fluvial ou vão tê-lo, em 2013, no caso parisiense, o que ajuda a desmistificar a questão da concorrência com os demais transportes públicos, ou a diferente velocidade entre eles.
A linha de Londres vai de periferia a periferia, a de Paris vai ter três percursos no canal de St. Denis. Com embarcações ligeiras, em ziguezague entre margens, apanhando e largando passageiros, a intervalos de 15 minutos. E já existem meios náuticos com propulsão fornecida por energia solar.
Lisboa continua a ver passar navios, os da Volvo Ocean Race, os Tall Ships que no fim-de-semana visitam Lisboa. Mas o Estado e os municípios vão gastando e anunciando mais milhões para a construção de marinas, obedecendo a princípios designados de estratégia turística, para captar o recreio náutico internacional de luxo.

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