Dr. Fernando Medina
Exmo. Senhor Vereador
Eng. Ricardo Veludo
CC. SMC Arquitectos, AML, JF Arroios, DGPC e media
No seguimento do agendamento para a Reunião de CML de amanhã, dia 15 de Abril, da Proposta n.º 136/2021, referente ao processo EDI/2020/641 e à “homologação favorável condicionada do pedido de informação prévia quanto à viabilidade de realizar uma obra de alteração, ampliação e construção de” uma loja Continente na Garagem Liz, Imóvel de Interesse Público desde 1983, e edifício precioso do panorama Modernista na cidade de Lisboa, serve o presente para,
Lamentarmos a oportunidade perdida pela CML para, exercendo o direito de preferência, tornar propriedade da cidade a magnífica Garagem Liz para, depois de convenientemente restaurada, oferecê-la à população como estacionamento para residentes e comerciantes, mantendo, como é natural, os espaços comerciais existentes no rés-do-chão.
Assim sendo, estamos perante um projecto que, sendo uma solução intermédia, meia recuperação, meia adaptação a funções desgastantes e utilitárias, é de facto a solução alternativa à situação de total abandono em que se encontra desde há anos a esta parte, situação, aliás, que não compreendemos ser possível de aceitar pela CML e pela DGPC.
E sendo um projecto que se compromete a recuperar muitos elementos da fachada, há no entanto demasiadas dúvidas que se nos colocam, pelo que alertamos V. Exas. para o carácter demasiado vago da informação dada pelo requerente quanto, por exemplo, às caixilharias do piso térreo onde existiam lojas com abertura directa para a rua.
Salvo falha nossa na análise dos documentos, não compreendemos como um projecto de arquitectura não inclui nem fotos de arquivo do edifício nos seus primeiros anos de vida, nem os desenhos do projecto original.
Estando a Garagem Liz classificada Imóvel de Interesse Público, qualquer intervenção na frente de lojas do piso térreo deve ser guiada pelo desenho presente no projecto original. Como refere, e bem, a DGPC no seu parecer, o imóvel sofreu diversas intervenções ilegais que o desqualificaram muito, precisamente a frente das lojas, pelo que será neste piso que deverá haver mais rigor na reposição dos materiais, desenho, métrica e proporções das caixilharias metálicas, e isso não nos parece que conste do projecto com o nível de pormenorização exigível a um IIP.
É preciso que se mantenham as caixilharias originais, com perfis de metal elegantes, que constituem, recorde-se, um dos elementos mais significativos da identidade dos edifícios deste período histórico.
Assim parece-nos que esta Proposta agora levada a Reunião de CML assenta num projecto claramente insuficiente, que não cumpre com os requisitos de salvaguarda de um IIP, porque afirmar-se na memória descritiva (MD) simplesmente «reformulação da caixilharia térrea com carácter uniformizador e mais próximo da identidade do edifício», não só é vago como deixa margem para interpretação variada e eventuais erros. Qualquer intervenção de reconstrução da frente de lojas do piso térreo tem de assentar em documentação fidedigna nomeadamente os desenhos do projecto original e as fotografias de arquivo. A autenticidade de um imóvel classificado não fica garantida com «reformulações» e «aproximações» ainda que bem intencionadas.
De igual modo, se fala na MD da «pintura global exterior» mas sem se especificar se foram já realizadas sondagens das camadas de tinta originais e que tipo de tinta se pretende usar e a cor. Tudo isso deveria ser previamente pesquisado e os resultados analisados pela DGPC para a emissão do respectivo parecer final, e não a aprovação tout-court, sujeita a condicionantes, que ficam para “mais tarde”.
Outra dúvida diz respeito à rampa original de acesso ao piso superior de estacionamento. Este é um elemento arquitectónico - e de engenharia - que não pode de modo algum ser demolido!
Como é óbvio, estamos perante um imóvel dos primórdios da técnica do betão armado e é nesse contexto que deve ser analisada esta rampa.
Da análise dos desenhos o requerente parece propor a instalação, na fachada principal, de um dispositivo de publicidade standard da marca.
Tal como a Starbuks foi obrigada a fazer na estação do Rossio (igualmente um IIP) também aqui aconselhamos a que os autores do projecto, a CML e a DGPC pensem um dispositivo publicitário verdadeiramente adaptado ao imóvel. Por exemplo, em vez do standartizado dispositivo usado pelo supermercado - uma banal caixa de luz - recorrer a um dispositivo em néon, instalado de preferência atrás dos vãos em vidro, ou num local arquitectonicamente lógico da fachada.
Muito importante também, e não é claro nem na MD nem nos desenhos apresentados, é se a estrutura de betão armado, no seu sistema de pilares e vigas, ficará à vista ou se passamos a ter tectos falsos e outros elementos que vão obstruir visualmente o espaço.
Alertamos V. Exas. para a necessidade de se fazer um levantamento fotográfico exaustivo de todo o interior do imóvel de forma a ser possível saber quais os elementos ainda originais que importa salvaguardar e até eventualmente replicar.
Não podemos aceitar que a aparente falta de rigor nestes pontos queira dizer que se irá fazer uma adaptação da fachada ao nível do piso térreo sem rigor histórico, o que do nosso ponto de vista constituirá uma oportunidade perdida de devolver esta belíssima fachada Modernista à cidade.
Finalmente, reforçamos que é preciso que todos tenhamos a consciência que não é apenas a fachada que está classificada mas sim o edifício como um todo, por ser um testemunho notável de um momento histórico particular, com a sua cuidada proposta estética e técnica plasmada num novo sistema construtivo que se celebrava com orgulho.
Solicitamos, por isso, à CML e aos autores do projecto, Arq. Bruno Santa Marta e Arq. Rui Carreira, para terem em consideração o que aqui expomos, de modo a que a Proposta da CML seja re-apreciada à luz dos esclarecimentos e das correcções que importa assegurar a este projecto, para que a cidade se orgulhe da Garagem Liz e das suas novas funções.
Com os melhores cumprimentos
Paulo Ferrero, Fernando Jorge, Bernardo Ferreira de Carvalho, Júlio Amorim, Virgílio Marques, Beatriz Empis, Pedro Jordão, Luís Carvalho e Rêgo, Vítor Vieira, Paulo Trancoso, Nuno Caiado, Maria do Rosário Reiche, Jorge Pinto, Bruno Palma, Miguel de Sepúlveda Velloso, Ana Alves de Sousa, Filipe e Bárbara Lopes, Gustavo da Cunha, António Araújo, Maria Ramalho
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