29/05/2010

REPÚBLICA DE FACHADA: Calçada da Estrela 129

Esta obra, que visa a manutenção do uso habitacional, recebeu da CML licença para demolir integralmente o miolo do edifício a fachada tardoz e as duas empenas (Vereador Manuel Salgado, 2007). Motivos? Dizem que apresentava um medíocre estado de conservação geral. Afirmam que a empena lateral apresentava ausência total de tinta. E dizem ainda que no interior, já adulterado, havia fendas, manchas negras de humidade e tectos com zonas de estuque caído, etc.. Mas a razão central para esta opção pela demolição em vez da reabilitação autêntica é outra já bem conhecida: o modelo de mobilidade insustentável que o Estado, Câmaras e sociedade em geral continuam a alimentar cegamente. Porque afinal foi também aprovada pela CML a ampliação da área de implantação do edifício sobre o logradouro para permitir o habitual estacionamento subterrâneo para as viaturas de transporte individual. Por essa razão será mantido apenas uma parcela permeável do logradouro. E no alçado principal uma porta original dará lugar a esse simbolo ainda tão adorado, o "portão de garagem". De que vale então ser um imóvel em "Zona Histórica Habitacional" e em "Núcleo de Interesse Histórico" (PDM) e ainda estar na "Área de Protecção especial" de um "Monumento Nacional" (Palácio de S. Bento)? Em Portugal esta pergunta tem quase sempre a mesma resposta: «Fachada». Este será mais uma construção nova em Lisboa com uma máscara antiga.

8 comentários:

Helder Guerreiro disse...

Perdoem-me a insistência. Mas não consigo compreender a indignação que parece transpirar nestes posts. Já fiz a pergunta que se segue aqui e aqui.

Sinceramente, se o resultado não for um prédio cyborg e se a reconstrução respeitar a volumetria e aspecto original, de que forma vai uma reconstrução afectar a cidade, ou a qualidade de vida dos que cá vivem, ou qualquer outra variável mensurável?

Eu julgo que esta questão é importante dado que temos de dar as melhores condições a quem investe. Se dá mais retorno reconstruir em vez de recuperar, é nisso que as pessoas quererão gastar o respectivo dinheiro. Como a cidade está literalmente a cair, julgo que deveria haver alguma elasticidade neste aspecto.

É claro, neste caso concreto, não concordo, por principio, que seja acrescentada uma porta de garagem.

Anónimo disse...

vamos ser razoáveis. antes estacionamento subterrâneo e portas de garagem que a vergonha que é o estacionamento nos dois passeios na Rua dos Ferreiros e na Rua Teófilo de Braga na zona onde este edifício está.

Julio Amorim disse...

"Se dá mais retorno reconstruir em vez de recuperar, é nisso que as pessoas quererão gastar o respectivo dinheiro"...

E creio que dará mais ainda em retorno....demolindo também a fachada (se é essa a prioridade)??

Helder Guerreiro disse...

P/ Julio Amorim

É isso! Mais vale demolir a fachada.

O que eu gostaria de ver explicado (afinal de contas estas discussões servem para pudermos apreciar vários pontos de vista) é porque motivo a construção original é vista por alguns como tão sagrada.

Eu não concordo com os tais prédios cyborg no meio de bairros históricos. Mas não me choca que a fachada seja demolida se for reproduzida tal e qual como estava feita originalmente, mantendo o volume original, etc...

Como parece que ninguém está disposto a responder a esta questão, tentei pesquisar. Há de facto algumas razões válidas para a reabilitação, por exemplo descobri opiniões que defendem ser mais ecológico fazer a reabilitação (por uma questão de balanços energéticos, se bem que não esteja muito convencido). Excelente gostaria de ter acesso a estudos que confirmem ou desmintam isto.

Outro motivo parece ser o mesmo que guia o coleccionador de automóveis antigos que procura peças originais por meio mundo, ou seja um motivo estético, um medo de se retirar a alma ao imóvel... Compreendo que este motivo seja tão válido como outro qualquer, apesar de na minha opinião dever ser relegado para segundo plano face à ruína generalizada desta cidade.

Há mais razões a considerar?

Já agora, eu faço estas perguntas todas por duas razões, em primeiro lugar quero aprender alguma coisa, em segundo lugar receio ver esta cidade destruída por inacção. Se eu assumir que se deve de reabilitar tudo, como pudemos esperar apoios generalizados se não se explica o motivo? Entretanto vão caindo os prédios...

Julio Amorim disse...

Caro hgg ! Leia estes três documentos...acredite que vale a pena.

http://www.international.icomos.org/charters/venice_e.htm

http://www.international.icomos.org/charters/towns_e.htm

http://www.international.icomos.org/charters/structures_e.htm

Anónimo disse...

É mesmo muito lamentável que o Estado, as Câmaras e a sociedade em geral (onde estão as elites intelectuais? porque estão caladas?), terem deixado instalar-se esta pseudo-lógica que diz que não vale a pena, não tem valor, reabilitar os interiores dos prédios com tecnologias construtivas anteriores à do betão armado. Devemos ser a única nação antiga da Europa que defende tais "lógicas"! Vejam o exemplo de Itália, observem os bairros históricos de Paris!

Helder Guerreiro disse...

P/ Julio Amorim

Li com atenção os documentos que enviou. Incito toda a gente a ler dado que enunciam um conjunto de princípios simples e fáceis de entender que em muito iriam melhorar os nossos centros históricos e áreas classificadas se fossem seguidos pelo estado e autarquias. (Os docs estão disponíveis tb em francês, basta mudar o 'e' para 'f' nos links fornecidos.)

Se há este nível de acordo entre os especialistas quanto à preservação do património mostrado nestes docs, então apenas temos um trabalho que é definir exactamente o que é de interesse preservar e as áreas onde isso tem de ser feito. E depois seguir essas regras.

É claro que tem de haver censo comum, uma coisa é falarmos dos Jerónimos (que por acaso é uma reconstrução, mas mesmo assim), outra é falarmos da fachada de um prédio. Além disso as áreas envolventes não podem 'infectar' outras áreas adjacentes, etc. Uma 'cidade histórica' é por exemplo Monsaraz ou a baixa de Lisboa, não pudemos (em termos de censo comum e de economia pura) considerar toda a Lisboa pelo mesmo standard de exigência. Nem todo o edifício com mais de 50 anos é um marco civilizacional, nem representa um desenvolvimento significativo ou testemunha um evento histórico.

Assim, tenho mais segurança em reafirmar em relação ao prédio discutido neste post, que não me chocaria se a fachada fosse feita de novo. Isto ainda é mais verdade se o miolo foi destruído.

Finalmente temos que, com a humildade devida, lembrar-nos o que é este país onde vivemos e as capacidades que tem. Nos últimos 900 anos a qualidade de vida dos habitantes médios nunca fez inveja a ninguém (nos países civilizados) - talvez seja por isso que temos tantos atrasos estruturais. Não temos pura e simplesmente capacidade para fazer o que outros países fazem a nível de preservação. O resultado líquido disto, e é inegável, é termos uma cidade como Lisboa a ruir. Se continuarmos assim daqui a uns anos temos de dizer aos turistas que ainda estamos a recuperar do terramoto de 1755...

Já agora, para o anónimo que fala em pseudo-lógica, agradecia a amabilidade de apontar as falhas a nível de lógica ou a falta de razoabilidade do que aqui foi dito...

Julio Amorim disse...

.."onde estão as elites intelectuais? "

É uma pergunta interessante....sim senhor.

Talvez...as "elites intelectuais" da actualidade vivam bem estando caladas..!?