Quem desce a Avenida Almirante Reis, em Lisboa, encontra a Portugália do lado direito. Todo o quarteirão que começa na mítica cervejaria, atravessa a fábrica de cerveja em ruínas e termina no centro comercial. Esse último prédio foi casa de pelo menos dois ícones lisboetas: o jornal O Independente e a loja de música Carbono. Acima do solo, ergue-se a 21,75 metros, o que faz dele um dos mais altos da avenida. Agora vai nascer uma outra torre, com o triplo da altura. O Portugália Plaza cresce para 60,20 metros. E, em vez dos atuais cinco, vai ter 16 andares.
O projeto da parcela norte da urbanização está feito, tem parecer positivo do departamento de urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa e em consulta pública até 12 de maio. É obrigatório que assim seja, porque a volumetria do novo quarteirão lisboeta requer estatuto de exceção em relação ao PDM atual. E se é inquestionável que o Portugália Plaza recupera terrenos que estão abandonados há décadas, também é verdade que o empreendimento está longe de ser consensual.
"Isto é pura e simplesmente um absurdo", diz ao DN Ana Jara, arquiteta e vereadora da Câmara de Lisboa pelo PCP. "Não tinha dúvidas de que, num antigo terreno industrial abandonado há décadas, teria de se pensar num novo uso. E nem sou por princípio contra a arquitetura de rutura, como esta é. Mas as exceções têm de servir um propósito público e esta só tem interesse para os investidores privados. Nunca existiu um edifício assim na Avenida Almirante Reis, um eixo essencial e histórico de Lisboa - e abrir este precedente é assumir uma cidade que não serve o interesse dos cidadãos."
O atual estado do Quarteirão da Portugália.© Paulo Spranger/Global ImagensO Portugália Plaza é sobretudo um projeto habitacional, que vai criar 85 novos apartamentos numa das zonas mais apetecíveis da capital portuguesa. Serão cinco fogos T0, 44 fogos T1, 17 fogos T2, 17 fogos T3 e dois T4. Tem, além disso, 16 escritórios e espaços de cowork, mais uma zona comercial no piso térreo, que vai rodear duas praças interiores. Será possível transitar pelo meio do quarteirão entre a Avenida Almirante Reis e a Rua António Pedro, algo que até agora não acontecia.
As obras custam 40 milhões de euros e os investidores preveem que estejam concluídas até ao final do primeiro trimestre de 2016. David Teixeira, o diretor operacional do projeto que agora está em consulta pública, diz que a torre de 16 pisos aposta num novo conceito de habitação urbana: o co-living. "É um conceito inovador focado na convivência, garantindo a privacidade através da oferta de unidades de habitação de tipologias mais pequenas e a partilha de áreas comuns, que potenciam o sentido de pertença através da concretização de eventos inspiradores." Dá um exemplo: "Na praça interior podemos ter sessões de cinema ao ar livre."
David Teixeira trabalha para a Essentia, a empresa que coordena os projetos do Fundo Imobiliário Fechado Sete Colinas. Criada em 2006, o Sete Colinas tem sede no edifício da Caixa Geral de Depósitos mas pertence a um grupo de investimento alemão - que não aparece na maior parte dos registos, segundo a Essentia porque quer "manter um perfil discreto". Têm uma carteira volumosa de investimentos imobiliários na cidade, orçada em 550 milhões de euros, e apostando sobretudo nos setores da hotelaria e dos condomínios de luxo.
A cervejaria Portugália permanecerá como marco da cidade.© Paulo Spranger/Global Imagens
Quem gere este Fundo é a SilVip, gestora imobiliária que conta entre os seus acionistas com José Manuel Pinheiro Espírito Santos Silva, administrador do BES no período de vigência de Ricardo Salgado - que por sua vez é primo de Manuel Salgado, vereador de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa. A operacionalidade dos trabalhos foi, no entanto, sempre assegurada pelo terceiro parceiro. A Essentia abriu inclusivamente um concurso a arquitetos em 2016, depois de uma primeira versão do Portugália Plaza ser rejeitada pelo município.
O concurso de ideias para o quarteirão da Portugália envolveu oito gabinetes de arquitetura e o júri foi presidido por Juhani Pallasmaa, professor e crítico finlandês, figura incontornável da arquitetura e cultura contemporâneas. E, aos seus olhos, o projeto que os irmãos Nuno e José Mateus, da ARX, venceram tem vantagens inquestionáveis: "Esta proposta completa o quarteirão da Portugália de uma forma convincente, equilibrada, enriquecedora e sem esforço", disse na sua avaliação.
Sobre a rutura com o espaço envolvente, foi igualmente claro: "Os novos edifícios propostos ecoam a escala, o grão, o carácter e a coloração do ambiente vizinho, que, conectados com o espaço público ao ar livre, é provável que antecipem a direção do futuro desenvolvimento urbano nesta área de Lisboa."
A praça norte, segundo o projeto.© D.R.
Margarida Martins, presidente da Junta de Freguesia de Arroios, não tem uma opinião formada sobre o edifício, nem quer pronunciar-se sobre a sua volumetria numa altura em que o projeto está em discussão pública. "Era uma lixeira a céu aberto, fico contente que haja finalmente uma intervenção." Mas também analisa o conjunto urbano da freguesia. "Temos um edificado muito estabelecido, é muito difícil encontrarmos novos espaços para construir jardins ou equipamentos desportivos." Uma parte do Portugália Plaza será cedida como equipamento público e as duas praças interiores terão como principais elementos o verde e a água. Os promotores acreditam que "o projeto criará uma nova centralidade em termos de recreio e lazer ao ar livre".
Mas é também em Arroios que se sente o "assalto às habitações da capital", nas palavras de Margarida Martins. Na parte sul da freguesia, a zona do Intendente, vários residentes têm saído para verem as suas casas darem lugar a alojamentos locais. Na parte norte, como a zona da Portugália, verifica-se um aumento brutal de rendas de longa duração, expulsando as classes menos abastadas do centro da cidade. "Em quatro anos, as rendas triplicaram."
A fábrica da cerveja será recuperada.© Paulo Spranger/Global Imagens
"Uma Lisboa saudável tem de ter espaço para todos", diz a presidente da Junta de Freguesia de Arroios. "Arroios sempre foi a zona dos artistas, das classes trabalhadoras, e perdermos essa característica é uma perda para toda a cidade." Exige-se por isso um plano rápido de habitações a preços controlados. O quarteirão da Portugália, no entanto, caminha num sentido diferente. "São 85 apartamentos com layout e design funcionais e contemporâneos, dirigidos a famílias e jovens profissionais portugueses da classe média", diz Diogo Teixeira.
O projeto Portugália Plaza está para consulta pública até 12 de maio, na sede da Junta de Freguesia de Arroios e no centro de documentação DMEM, no edifício da Câmara Municipal de Lisboa no Campo Grande. Aí, os cidadãos podem fazer as suas sugestões ao município. Ana Jara, vereadora comunista, preferia um processo de esclarecimento antes da abertura da consulta. "Uma coisa é certa, vamos discutir isto intensamente na Assembleia Municipal."
Entretanto, já no domingo, a CML decidiu organizar duas reuniões de esclarecimento aos munícipes sobre este projeto - ainda sem data anunciada.»
13 comentários:
Mas será possível que agora só queiram construir prédios horríveis?
Como os terrenos desta avenida vão ficar apetitosos com precedentes destes.
É só esperar pela vaga de demolições que vai aparecer de arrastão. Bem-vindos à nova Av. da República....
Agora há censura neste site. So por fazer um comentário político, a falar de um partido e do projecto, não colocam o comentário? Vergonhoso. Deixo de vir aqui e pronto, resolvo o assunto.
Tanta treta por cause de um predio de 16 pisos!
E mesmo Portugal dos pequeninos...
E melhor construir um predio mais alto e libertar espaco no solo para usufruo da populacao em vez de fechar o quarteirao com predios de 3 pisos!
Seria possivel deicar o link da consulta publica?
Isto sim, um edifício marcante em Lisboa, que combina na perfeição com a volumetria dos edifícios da cidade e que qualquer turista quererá ver e fotografar!!
Até em Badajoz há prédios mais altos que isso.
Alguém sabe quais são os mecanismos à disposição para bloquear isto?
Se a CML já deu parecer favorável imagino que a consulta pública valha de pouco...
A AML poderia bloquear o licenciamento ou a licença depende exclusivamente da CML?
É um projecto de loteamento ou será já de edificação?
Obrigado
Miguel Romão
O grande problema é que não é libertado espaço significativo no solo para usufruto público...
Força, muito bom o projecto. Tanta noticia por causa de um prédio com 16 andares, em plena capital de Portugal. Este poderá ser o primeiro nesta rua. Todas as capitais estão a construir de 40 andares para cima. Em Madrid construíram 3 arranha-céus mais de 70 andares foi muito polémico na altura. Agora toda gente gosta.
Os velho do Restelo, estao contra. Um predizinho com 16 andares na capital.
Não se treta de estar contra a construção em altura, nem contra a qualidade do projeto. O grande problema é a falta de equidade, pois tira-se mais valias, meramente à custa do sacrifício de terceiros. E isso é verdadeiramente anti regulamenta. A CML tem o dever de manter o equilíbrio e a equidade e de não prestar vassalagem à especulação imobiliária.
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