30/06/2021

Protesto por Licenciamento de obra de alterações em prédio oitocentista da Rua das Pretas

Exmo. Senhor Vereador
Eng. Ricardo Veludo


CC. PCML, AML e DGPC

Tomámos conhecimento do despacho de deferimento exarado por V. Exa. em 12 de Fevereiro de 2021, sobre o licenciamento de obras de ampliação com alterações a realizar em edifício "pombalino tardio" (curiosidade referida na memória descritiva do projecto), sito nos nº 8-24 da Rua das Pretas (processo nº 2068/EDI/2017), cujo promotor é a empresa Splendimension, S.A.

Entretanto iniciaram-se as respectivas sondagens de estruturas, sendo possível observar desde a rua o estado calamitoso em que agora se encontram os interiores dos pisos das lojas (com fabuloso pé-direito) e 1º andar deste imponente edifício do século XIX, eventualmente já como consequências dessas sondagens, e onde existem ainda, respectivamente, um sistema estrutural de colunas de ferro altas originais, e alguns bons estuques, azulejos e cantaria.

Serve o presente, portanto, para apresentarmos o nosso protesto a V. Exa. e aos Serviços que tutela por, mais uma vez:

-Estimularem o esventramento de um prédio, ainda praticamente original, de uma Lisboa oitocentista, em vez de obrigarem a que os promotores recuperem os imóveis, respeitando os materiais e a compartimentação dos interiores, o que, manifestamente não é assegurado na memória descritiva do projecto, na qual, ao mesmo que se propõe a recuperação dos estuques e a retirada dos azulejos para recuperação e recolocação, se propõe uma nova compartimentação dos apartamentos;
- Não promoverem uma implantação mais inteligente do elevador - ao aprovarem a ocupação simplista na caixa das escadas que em nada contribui para a salvaguarda das qualidades espaciais da escadaria (já foram testadas outras soluções, em reabilitação de prédios desta época, ao se instalar o elevador numa zona adjacente à caixa de escada).
- Distorcerem o espírito do Plano de Urbanização da Zona Envolvente da Avenida da Liberdade, tornando-o num mero instrumento de manutenção de fachadas e alinhamento de cérceas empobrecendo progressivamente o património da cidade enquanto promotores milionários vão somando lucros crescentes;
- Não garantirem sequer a integridade da composição da fachada ao permitirem a destruição de um dos vãos em arco do piso térreo para dar lugar a uma nova porta de entrada de viaturas automóveis o que vai interromper a elegante métrica e composição da fachada principal.
- Aceitarem uma proposta de estacionamento para viaturas automóveis no logradouro que implicará a supressão integral do alçado a tardoz do piso das lojas (incluindo a demolição de parte dele), ficando os novos espaços comerciais sem janelas para o logradouro (que desaparece) ou com porta/janela a abrir directamente para o estacionamento - perguntamos como é possível que os serviços aprovem este tipo de propostas que nada mais são que o resultado de se forçarem os edifícios a receber programas que vão contra a natureza do imóvel.
- Violarem o espírito do Plano Director Municipal em vigor, incentivando a impermeabilização do solo, ao aprovarem a construção de estacionamento ocupando 100% do logradouro, aumentando ainda mais a propensão a cheias numa zona já ciclicamente fustigada por elas, em vez de obrigarem ao desmantelamento dos anexos existentes no logradouro para libertação do mesmo e assim se possibilitar a permeabilização dos solos.

Compreendemos que a CML, dada a já habitual ausência de pronunciamento capaz por parte da DGPC em termos de defesa do conjunto classificado da Avenida da Liberdade (CIP), não queira fazer o que, por lei, não lhe compete em termos de salvaguarda do Património Cultural de Interesse Público, na circunstância o edificado no século XIX, facto que em muito empobrece a cidade; mas continuamos sem compreender a razão por que a CML insiste em praticar o contrário do que defende em teoria no PDM, mais precisamente em matéria de percentagens mínimas obrigatórias de superfície de logradouro permeável e de ratio de estacionamento por habitante/apartamento, até porque se essas percentagens já eram obsoletas aquando da entrada em vigor do PDM, em 2012, muito mais o serão à luz do Urbanismo do século XXI.

Continuamos, pois, a aguardar pela respectiva actualização do PDM, nessa e noutras matérias, em prol de uma capital europeia defensora do Ambiente e do Património.

Finalmente, questionamo-nos sobre o destino a dar à farmácia Galénica, que ainda possui mobiliário e todo um programa decorativo do século XIX in situ, uma loja, refira-se, plena de história.

Com os melhores cumprimentos

Paulo Ferrero, Bernardo Ferreira de Carvalho, fernando Jorge, Miguel de Sepúlveda Velloso, Jorge Santos Silva, Nuno Caiado, Júlio Amorim, Maria Teresa Goulão, Martim Galamba, Helena Espvall, Pedro Fonseca, Eurico de Barros, Sofia de Vasconcelos Casimiro, Carlos Boavida, Gonçalo Cornélio da Silva, Gustavo da Cunha, Virgílio Marques, António Araújo, Miguel Jorge, Pedro Jordão, João Oliveira Leonardo, Maria Ramalho, Beatriz Empis, Pedro Machado, José Maria Amador, Teresa Silva Carvalho, Maria do Rosário Reiche (30.6.2021)

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Resposta da CML (16.7.2021)

«Exmos. Senhores,

Em resposta à exposição apresentada ao Senhor Vereador Ricardo Veludo, a propósito da obra licenciada para o imóvel sito na Rua das Pretas, 8-24 cumpre-nos esclarecer os propósitos da decisão fundamentada que a Câmara Municipal tomou sobre o projeto, relativo ao processo n.º 2068/EDI/2017.

A operação urbanística em análise refere-se a uma obra de reabilitação com ampliação de um edifício com uso misto, adaptando-o ao uso predominantemente habitacional (20 fogos e 3 frações de uso terciário no piso térreo), incluindo a criação de lugares de estacionamento, com recurso a sistema de arrumação por meios mecânicos, num total de 15 lugares.

O imóvel localiza-se em área abrangida pelo Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade e Zona Envolvente (PUALZE), em Área Histórica Habitacional do Sector B.

A intervenção estrutural identificada no projeto tem como princípio base a preservação da identidade construtiva e estrutural do edifício, corrigindo danos existentes e melhorando o seu desempenho estrutural face às atuais exigências normativas e de utilização.

Será privilegiada a adoção de materiais compatíveis com os existentes (madeiras e argamassas à base de calou bastardas), limitando o uso de novos materiais como o aço e o betão às situações estritamente necessárias. As alterações decorrentes da nova arquitetura permitem manter na generalidade a tipologia estruturas existente, prevendo-se reparações e reforços estruturais de diversa natureza, inclusivamente para resistência anti-sísmica. Estas ações encontram-se detalhadamente descritas no Relatório de Intervenção Estrutural proposta, anexo à Memória Descritivo do projeto.

Do ponto de vista patrimonial será de realçar que, antecedente a este projeto, decorreu a apreciação do processo 272/EDI/2017, no âmbito do qual foi emitido um parecer desfavorável da Direção-Geral do Património Cultural porque:
“Os representantes da DGPC consideraram não ser possível uma apreciação completa do pedido de licenciamento atendendo a que:
O relatório prévio, elaborado nos termos do Decreto-Lei n.º 140/2009, de 15-6 e da portaria de classificação da Avenida da Liberdade, deverá incluir um estudo mais profundo da condição estrutural do imóvel, indicando qual a metodologia para resolução das anomalias e para implementação das soluções propostas pelo projeto de arquitetura;
O relatório fotográfico dos interiores deverá ser sistemático e não seletivo e a impressão desse relatório deverá apresentar qualidade que permita a sua leitura; Deverá esclarecer-se a solução apontada nos desenhos de revestimento de todas paredes interiores; (…)”

O projeto submetido através do processo 2068/EDI/2017 incluiu alterações e mereceu uma ponderação favorável por parte da DGPC, condicionando ainda assim uma aprovação do projeto à verificação de aspetos de natureza patrimonial: “(…)o projeto é maioritariamente viável, atendendo a que a obra prevista permitirá utilizar o imóvel, mantendo as suas principais características autênticas e a sua contribuição para a singularidade do conjunto classificado. Contudo, importa ainda esclarecer qual o património integrado a preservar e os respetivos métodos de conservação e restauro, incluindo painéis de azulejo, tetos em estuque e pinturas decorativas em paredes. Também deverá ser encontrada solução estrutural de reforço que evite o encamisamento dos pilares metálicos do piso térreo com betão armado.”

No decurso da apreciação do processo, a entidade requerente foi igualmente notificada para esclarecimentos de diversa natureza, incluindo os relativos ao parecer da DGPC, à fundamentação para as demolições projetadas para os efeitos do art. 11º do regulamento do PUALZE, conjugado com o nº 1 do art. 45º do RPDML e à preservação das chaminés e dos tetos em estuque.

Os novos elementos entregues mereceram uma apreciação favorável da Comissão da DGPC que concluiu que o “aditamento em análise refere-se exclusivamente à proposta de restauro ou reconstituição do património integrado.”, e justificaram o enquadramento das demolições preconizadas na alínea d) do n.º 1 do art.º 11º do PUALZE (elementos degradados e sem valor patrimonial relevante).

Do ponto de vista patrimonial salienta-se assim o acompanhamento do projeto pela DGPC, devidamente caracterizado com relatório prévio de contextualização histórico-arqueológica, levantamento fotográfico, análise estrutural e estudo preliminar da estrutura e relatório técnico de conservação e restauro.

Sobre a ocupação do logradouro será de evidenciar a situação pré-existente, com as deficientes condições para a sua fruição pelo facto de os logradouros confinantes se encontrarem ocupados e a cotas superiores em 4 a 6 metros. Foi entendimento dos serviços que a proposta de ocupação do logradouro com estacionamento se enquadra na alínea b) do art.º 26º do PUALZE.

Alçado principal – proposta (peças desenhadas do projeto)

Situação atual – logradouros envolventes (MD do projeto)

Com os melhores cumprimentos.

Rosália Russo
Diretora Municipal do Urbanismo»

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