29/01/2007

Condomínios fechados descaracterizam Alcântara

In Diário de Notícias (28/1/2007)
Isaltina Padrão
Tiago Lourenço (Imagem)

«Qualquer dia deixo de ser presidente da Junta de Freguesia para passar a ser presidente dos condomínios de Alcântara." É com a ironia que lhe é conhecida que José Godinho tece duras críticas à forma como "o poder central está a deixar descaracterizar esta zona de Lisboa a uma velocidade acelerada". E o autarca do PCP, que desde 1982, "toma conta" de Alcântara, não perdoa "que tenham destruído toda a riqueza da arqueologia industrial que aqui existiam, para a substituir por condomínios de luxo".

Morador no bairro desde 1962, José Godinho conhece Alcântara como a palma da mão e lamenta o rumo que esta está a levar. "Eu cheguei à junta na era da malta do fato de ganga. Mas, pelo andar da carruagem, qualquer dia é o pessoal do calção e da raqueta de ténis ou do taco de golfe que toma conta disto." O desabafo do autarca surge antecedido de um forte desejo: "Espero já não estar cá quando isso acontecer."

Sem nostalgia, o presidente da junta recorda, no entanto, uma Alcântara industrial entregue à metalurgia, à construção naval e ao fabrico de produtos alimentares. "Havia a Lisnave, a Parry&Son, a CUF, a fábrica dos chocolates Regina e a fábrica dos alfinetes", lembra, acrescentando que também existia e, ainda existe, "uma vizinhança que se preocupa com o próximo".

Uma atitude que José Godinho receia estar em vias de extinção, com a proliferação da construção de condomínios a que se está a assistir, sobretudo os fechados. "Se eu mandasse, não deixava fazer condomínios fechados", deixa bem claro o presidente da junta, para quem estes espaços "mais não são do que uma espécie de apartheid", onde outrora trabalhou gente "a quem agora é vedada a entrada".

É o caso de Ernesto Silva que passou 28 dos seus 53 anos a "dar o litro" na Regina, onde foi erigido o Páteo Sá de Miranda - um espaço onde, segundo José Godinho, nem ele nem o boletim da junta de freguesia entram, sem a devida identificação. "Estes espaços são tão fechados , tão fechados que só a malta da Lacoste e do Channel n.º 5 podem entrar", sublinha, sarcasticamente, o autarca que nada diz ter contra os condomínios abertos, como o Alcântara Rio. Até porque "mantêm o traço de vizinhança que sempre caracterizou a freguesia".

Ao Governo, à autarquia, à Refer (dona de prédios emparedados) solicita - "pela 507.ª vez!" algo que considera mais importante e urgente do que a construção de "guetos de luxo": A requalificação da zona antiga de Alcântara - entre a Rua da Cruz, a Feliciano Sousa e o Bairro do Alvito. "Já alertei para esta situação a todas as instâncias. E nada. Mas vou continuar a pregar aos peixes", conclui José Godinho, com ironia...
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