29/09/2007

Entrevista a Manuel Salgado

DN de hoje

Entrevista a Manuel Salgado (vereador do Urbanismo): "Não deve ser a câmara a fazer obras de reabilitação"


LUÍSA BOTINAS
NATACHA CARDOSO (imagem)


Como é passar de arquitecto a vereador do Urbanismo na Câmara de Lisboa?

Percebe-se bem melhor as dificuldades que os serviços têm e que há muitas falhas fora da câmara. Quando os projectos são apresentados, por vezes não têm a qualidade e o rigor necessários. Todavia, isto não desresponsabiliza os serviços municipais, mas daqui percebe-se porque é que as coisas não funcionam. Também se percebe melhor porque é necessário introduzir ajustamentos para que se consiga ter um município ao serviço da cidade.

Na sua condição de arquitecto, tinha a noção de que esta máquina é muito difícil?

Reconheço que quem está de fora sente que há um tempo perfeitamente injustificável para a tomada de decisões por parte da câmara. Sente decisões perfeitamente arbitrárias e uma certa falta de rigor na definição das regras. O que permite exactamente essa arbitrariedade.

E isso é o que, efectivamente, se passa?

Penso que, em alguns casos, é. Há perdas de tempo inaceitáveis que resultam de procedimentos que não são os mais correctos e que é possível aperfeiçoar. Há disfuncionalidades, momentos em que os processos chegam a pontos de indecisão, porque há opiniões contraditórias e param, em vez de se decidir. Depois, mete-se tudo no mesmo saco, projectos simples com outros muito complexos. Quem tem um empreendimento com 500 fogos, certamente compreenderá que o seu projecto não possa ser aprovado em dois meses. Mas, para quem quer fazer uma pequena remodelação interior em casa, é incompreensível que o tempo de apreciação seja esse.

O que vai ser feito para mudar?

Foi aprovada a nova legislação sobre licenciamento de obras que entrará em vigor em Março de 2008 e que é uma total revolução. Para já, todos os processos deixam de circular em papel e passam para via electrónica. E as obras pequenas deixam de ser objecto de licenciamento, passando a ser objecto de informação. Isto significa maior responsabilização dos técnicos e promotores. A câmara terá de reforçar a sua função de fiscalização por amostragem a posteriori. É uma mudança no paradigma do licenciamento. O que se pretende é que toda a gente tenha conhecimento do processo de uma obra. Isto dá-lhe transparência e torna-o público. Permite também separar as pequenas obras das grandes. O meu objectivo é que as pequenas obras passem a ser despachadas em dois meses.

O município tem estrutura para esta nova forma de trabalhar?

Haverá mudanças no sistema informático. Neste contexto, a primeira decisão que tomámos foi considerar, por um lado, a reabilitação urbana e, por outro, o licenciamento de obra nova. O que significa que vai haver um grande investimento na reabilitação urbana. Como? Criando condições para que os promotores privados optem sobretudo por essa área. Assim, as unidades de projecto vão voltar a ter competência de licenciamento e a área de intervenção destes gabinetes vai aumentar, passando as incluir a cidade histórica e o eixo central Avenida da Liberdade, Fontes Pereira de Melo, Avenida da República e Campo Grande e Avenida Almirante Reis, bem como Marvila e a Alta de Lisboa. Duas zonas recentes mas que têm problemas de reabilitação.

Quanto ao projecto de revisão do PDM.

Estamos a dar seguimento ao Manual do PDM comentado. Artigo a artigo explica-se o que é que cada um quer dizer. É um auxiliar precioso para técnicos municipais e também para os arquitectos. Assim já sabem qual a interpretação que a câmara faz do PDM sobre determinado assunto. Os problemas de ineficácia do PDM colocam-se pontualmente em situações em que ele não se ajusta com a realidade. Desde 1994, surgiram alterações brutais na cidade relativamente ao PDM. E daqui para frente haverá mais, num contexto metropolitano. Vamos ter um novo aeroporto, uma nova ligação à Margem Sul, uma CRIL fechada. Não podemos ser autistas e continuar a fazer um plano a pensar unicamente naquilo que se passa dentro dos limites de Lisboa. Temos de ter em conta algumas das grandes infra-estruturas previstas que vão influenciar a cidade e não só, com o aparecimento de novas centralidades a elas associadas.

Com todo este enquadramento para quando o fecho do processo de revisão do PDM?

É precipitado pretender fechá-lo a curto prazo. Temos de seguir rapidamente com os estudos, fazer avaliações e levantamentos das áreas urbanizadas desde 1994 até agora. Temos de saber quantos metros quadrados novos foram construídos, quantos fogos reabilitados desde aí. A monitorização do PDM não está feita, para podermos perceber o potencial demográfico de Lisboa. Há que ter em conta que o paradigma industrial mudou. Agora florescem as indústrias criativas, de telecomunicações, multimedia, biotecnologia. São indústrias que temos interesse em trazer para o centro da cidade.

Nestes dois anos qual será a ideia para Lisboa. Qual a estratégia e o rumo?

A estratégia será arrumar a casa, resolver as pequenas e grandes coisas e preparar o futuro. Estamos, por isso, a introduzir os pequenos acertos na máquina para fazer de Lisboa uma cidade mais limpa, com espaços públicos animados. Cidade pólo de atracção relativamente a toda a área metropolitana. É preciso também preparar o futuro, programando, negociando, lançando bases. Um dos grandes desafios que estamos a estudar e queremos lançar será a aplicação do modelo da perequação à cidade. E como é que se traduz essa solução? Alocando receitas da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas, a TRIU, e das compensações (que os promotores de empreendimentos devem pagar à autarquia) para a conservação e valorização da cidade. Isto é, estabelece-se um índice médio para a cidade. Quem construir em determinada zona acima desse índice paga, quem construir abaixo beneficia.

Qual a estratégia em termos de urbanismo? Conter a expansão? Repovoar a cidade?

A reabilitação urbana da cidade é um imperativo. Por razões sociais, culturais, económicas e de sustentabilidade da cidade. Em termos de sustentabilidade é muito importante. Reabilita-se, não se constrói de novo, nem se deita abaixo. Não excluo todavia a consolidação da cidade sem ter construção nova. Não pode deixar de ser. Nós já não temos áreas de expansão. Porém, pode haver renovação de usos em determinadas áreas e isso tem de ser equacionado. Por exemplo, em áreas industriais agora obsoletas: Alcântara ou zona oriental.

A reabilitação de bairros consolidados de Lisboa como se deve operar?

Naturalmente. As casas que vão vagando e devem ser ocupadas por pessoas mais novas. Para tal devem ser criadas condições para que voltem a viver em Lisboa. Os jovens e a classe média. Mas para isso tem de haver programas bem articulados para atingir esse objectivo. Mas não é com medidas como as megaempreitadas de reabilitação que foram catastróficas para o município. Não deve ser a câmara a fazer as obras de reabilitação. A câmara tem, sim, de encontrar mecanismos para que sejam os privados a fazê-las. Deve dinamizá-las e licenciar rápido. Deve negociar com o Governo apoios fiscais e incentivos à reabilitação e ainda arranjar uma bolsa de realojamentos. Tem de, acima de tudo, reabilitar primeiro o seu próprio património. E mesmo na reabilitação do seu património deve fazer parcerias com entidades financeiras. Seja em que moldes for. Com a EPUL, com as sociedades de reabilitação urbana ou com fundos de pensões.|

Qual o desfecho futuro para a Feira Popular, enquanto equipamento de diversões, e para os terrenos de Entrecampos?

Lisboa metropolitana necessita de um grande parque de diversões, mas não tem espaço. Um grande parque com 30 hectares, com divertimentos, isso não cabe aqui dentro. Por isso, deve ser um projecto em parceria com outras câmaras. Quanto ao terreno de Entrecampos, é estratégico na cidade. Tem uma localização ímpar, está no eixo central, junto a um interface de transportes. Faz sentido então criar ali uma grande centralidade com ligação pedonal ao Jardim do Campo Grande, inovadora, onde a oferta de estacionamento seja mínima, para obrigar as pessoas a usar o transporte colectivo e a percorrer o espaço público envolvente. Esta opção poderá ser uma oportunidade de melhorar também a Avenida da República ao nível das circulações, criando novos percursos e preenchendo as descontinuidades.

E quanto ao Parque Mayer?

A ideia é fazer um plano de pormenor que inclui o Parque Mayer, o Jardim Botânico, os edifícios da Escola Politécnica e os edifícios da envolvente. A Universidade de Lisboa está interessada em ser parceira desta operação. Optámos por fazer um concurso de ideias e provocar uma discussão em torno do espaço. A partir daí será escolhida a equipa para fazer o plano de pormenor.

Portanto, a solução de Gehry já era?

Existem ideias no seu estudo que podem ser aproveitadas, tal como existem ideias no estudo de Norman Foster que também podem ser aproveitadas. Como existem outras ideias. O problema agora é ver qual é a melhor e a sua viabilidade financeira.

Quanto à Torre de Norman Foster em Santos?

A câmara vai promover, não sei ainda quando, uma verdadeira discussão pública. Não será um acto burocrático do género pôr um edital à espera das reclamações. Será antes um debate, pois é um projecto provocador.

Gosta?

Gosto. É um projecto interessante. Tenho algumas interrogações sobre se aquele é o local indicado para ter uma torre. Mas é da discussão que virá a resposta. Quanto à câmara, cabe-lhe criar condições para ela acontecer e, depois do consenso, ter a palavra final. Não haverá referendos.|

É verdade que tem muitos projectos em Lisboa?

Já trabalho há muitos anos, mas, ao contrário do mito que se criou, eu não tenho muitos projectos em Lisboa. Uma das coisas que o Dr. António Costa sugeriu durante a campanha eleitoral foi que se fizesse um levantamento, uma listagem dos arquitectos com o respectivo número de projectos. Curiosamente eu estou muito aquém daqueles que têm mais projectos em Lisboa.

Elaborou o plano de urbanização da Expo'98. Que balanço faz destes oito anos?

Foi estabelecida uma relação perversa entre índices de edificabilidade e custos. Defendi, por exemplo, que a Avenida dos Oceanos fosse mais larga, o que implicava menos construção. Disseram-me que não podia ser porque havia limites abaixo dos quais não podíamos ir "porque senão isto não se paga". Na realidade não se pagou. Depois houve outro erro. O desleixo total relativamente à criação de equipamentos. Há hoje no Parque das Nações carências inaceitáveis de equipamentos públicos.

Não se sente constrangido por apreciar os projectos dos seus pares?

Não, porque consigo separar claramente a minha função de arquitecto da minha posição de político municipal. Acima de tudo, nestas funções, tenho de zelar pelo cumprimento das normas de gestão urbanística e pela defesa do património da cidade.

Sente-se mais arquitecto ou urbanista?

Estou na fronteira entre os dois. Gosto de fazer arquitectura de grande escala que desenha a cidade. Gosto de pensar a cidade. Mesmo quando estou a trabalhar num edifício os meus paradigmas reproduzem o conceito de cidade e isso pode verificar-se por exemplo no caso do Centro Cultural de Belém.

Trabalhar com António Costa?

É particularmente estimulante. Trabalha muito bem, em equipa, sobre as nossas ideias. Tem capacidade de liderança e particular sensibilidade para as questões da cidade.|


http://dn.sapo.pt/2007/09/29/cidades/entrevista_a_manuel_salgado_vereador.html

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