18/06/2011

Se um piquenique seduz muita gente, na Av. da Liberdade incomoda muito mais


Fardos de palha, girassóis e legumes tomaram conta de uma das principais artérias da cidade. Quem ficou preso no trânsito desesperou. Mas o cheiro no ar ficou diferente ( in Publico por Ana Henriques e Marisa Soares )
Primeiro Ricardo Silva irritou-se. Ia entregar uns documentos a um escritório da Avenida da Liberdade e ficou preso no trânsito que estava um caos, por causa da preparação do grande piquenique que hoje ali deverá juntar 80 mil pessoas. Resolveu enfiar o Volkswagen no estacionamento dos Restauradores e subir a pé. “Foi aí que a minha percepção das coisas mudou”, admite este engenheiro. “Em vez de cheirar a poluição, cheirava bem, a ervas aromáticas! Foi uma experiência diferente.”

As contrapartidas “valem mais de 100 mil euros”, garante o vereador Sá Fernandes

Para muitos dos que entre terçafeira à noite e ontem tiveram de subir ou descer de automóvel e autocarro a avenida, a experiência pode ter-se assemelhado a um martírio. Com as faixas centrais cortadas a maior parte do tempo, restaram as laterais para escoar o trânsito de uma das principais artérias lisboetas. Há relatos de quem tenha ficado preso mais de uma hora. O engarrafamento durou praticamente três dias, agravando-se à hora de ponta. Ontem os taxistas ameaçaram mesmo bloquear a avenida.

“Com tantos outros sítios para fazer isto, por que é que foi logo na Avenida da Liberdade?”, interroga um dos porteiros do hotel de cinco estrelas Sofitel, repetindo uma crítica que se ouviu um pouco por todo o lado. “Isto” são dezenas de canteiros com pepinos e legumes, fardos de palha e vedações de madeira mais próprias de uma pastagem do que de uma rua alcatroada. Tudo por conta da cadeia de supermercados Continente, do grupo Sonae (proprietário do PÚBLICO), que patrocina um evento cujo cabeça de cartaz é o cantor Tony Carreira e que se destina a promover os produtos nacionais e a agricultura urbana. Com o apoio da autarquia, a iniciativa tem também um cariz social: amanhã vão ser entregues cinco toneladas de produtos frescos a 13 instituições de solidariedade de Lisboa.

Em troca da cedência do espaço pelo município, a Sonae pagou o arranjo dos jardins da avenida e a criação de uma horta comunitária em Campolide. “Tudo junto vale mais de 100 mil euros”, garante o vereador do Espaço Público, José Sá Fernandes, sem explicar se houve mais contrapartidas. “Só a festa vale dezenas de milhares de euros.” E, sem o patrocínio, “não havia dinheiro para organizar isto”, reconhece o presidente da câmara, António Costa, para quem as críticas “não fazem nenhum sentido”.

Quanto a montar a quinta num local mais apropriado, como o Parque da Bela Vista, o autarca diz que não era a mesma coisa: o impacto seria menor. “Estamos aqui nos nossos Campos Elísios”, afirma, comparando o evento a um semelhante organizado em Paris no ano passado e a um outro que decorre em Lyon também neste fim-de-semana. Além disso, o elevado número de camiões TIR necessários à montagem não eram compatíveis com uma zona verde como a Bela Vista, acrescenta Sá Fernandes.
WC à frente da Hugo Boss

Quem não ficou convencido foram os escassos moradores da avenida e imediações. “Houve sobretudo falta de consideração da câmara pelos habitantes, a quem tiraram estacionamento sem sequer um pré-aviso”, indigna-se uma residente da Travessa do Fala-Só. “Disseram-nos que iam colocar no local o estacionamento VIP do piquenique.” Nas lojas de luxo também há um certo desconforto. “Os nossos clientes não virão ao estabelecimento no dia do piquenique, de forma alguma”, lamenta uma empregada da Hugo Boss, apontando, desolada, os sanitários portáteis montados mesmo defronte da montra com fatos a 900 euros e T-shirts a 50 euros.

As couves e as abóboras levadas para a sombra das árvores frondosas da avenida geraram uma batalha de argumentos entre várias entidades. De um dos lados da trincheira, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal diz que o evento é “altamente prejudicial à actividade económica” da cidade. A Associação de Dinamização da Baixa Pombalina alinha pelo mesmo diapasão, afirmando que a zona “precisa de eventos, mas não com a dimensão deste”. Além disso, “a publicidade na avenida vale muito mais que 100 mil euros”.

Também o Bloco de Esquerda está contra a “privatização” do espaço público. Considera que a escolha, por parte da câmara, da Avenida da Liberdade é um “atentado ao interesse público”.

Do lado oposto da barricada está a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, que considera a ideia benéfica para Lisboa, desvalorizando os prejuízos que possa causar aos comerciantes. A Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta também está a favor: o fecho da avenida é uma “medida altamente positiva para fomentar comportamentos sustentáveis que evitem os custos sociais, ambientais e económicos inerentes à dependência excessiva do uso do automóvel e das energias fósseis”.

O piquenique é bem visto pela associação ambientalista Quercus, embora com ressalvas. “Achamos que tem um conceito interessante e positivo, em que refere temáticas importantes sobre a agricultura em Portugal e o consumo de produtos naturais”, referiu Paulo Daniel, presidente do núcleo de Lisboa. Sobre a pegada ecológica resultante da preparação do piquenique o ambientalista avisa: “É preciso ter um certo cuidado. Antes e durante o evento deve haver uma prevenção a nível dos impactos de poluição e resíduos.” Salienta que essa tarefa deve ser “da responsabilidade da Câmara de Lisboa”. com Lusa
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E que tal estender e alargar este conceito tão apurado de sustentabilidade ao Património Arquitectónico ?
Se a Avenida, como diz António Costa, é comparável aos Campos Elísios porque estão a destruí-la ?
Porque estão António Costa e Manuel Salgado a destruir o que resta do Património Arquitectónico das Avenidas ?
Lisboa Capital Europeia das Demolições ?
António Sérgio Rosa de Carvalho

12 comentários:

Anónimo disse...

Lisboa aluga-se.

Rosa disse...

Eu acho tudo aquilo miserável, Mega-miserável. Custa-me ver a cidade tão mal vendida e com tão pouca dignidade. É triste.

Anónimo disse...

tive de ir ao tivoli hoje e fui de taxi pois estava a par do evento. não houve problema nenhum. portanto se os taxistas ameaçaram bloquear a avenida ficaram pelas ameaças. taxis não faltavam.

Anónimo disse...

para a formula 1 , ainda que por menos dias, ninguem refilou

Anónimo disse...

A Associação Lisboa Verde sempre defendeu o regresso do Campo á Cidade, pelo que consideramos positiva esta iniciativa.
De todo o modo, da leitura atenta do presente artigo, destacamos por inusitados, os comentários do Sr. Vereador dos Espaços Verdes da CML, José Sá Fernandes, Quando diz quanto a montar a Quinta no Parque da Bela Vista: " O elevado número de camiões TIR necessários à montagem não eram compatíveis com uma zona verde como a Bela Vista".
É que, o Sr. Vereador deve ter-se esquecido da movimentação de camiões e utra maquinaria pesada que periódicamente, desde 2006, e durante vários dias, massacram aquele espaço verde para a montagem e desmontagem de mega espectáculos musicais dos quais o mais conhecido e deletério é o Rock-in-Rio.
Parece que há pessoas que sobre a mesma matéria têm dois pesos e duas medidas.
Pinto Soares.

P Figueiredo disse...

Bastaria que qualquer um dos críticos se tivesse dado ao trabalho de passar pelo local para se ter apercebido do entusiasmo com que as dezenas de milhar de participantes acolheram a iniciativa.
Claro está que haviam referências comercias ao supermercado, mas o que motivou e justificou a adesão dos visitantes terão sido tão só os animais e os talhões expostos na avenida.
Se a prioridade é a de trazer as populações (e não só as de Lisboa) ao centro da cidade, qual o problema de se imporem os condicionamentos de trânsito?
Não me peçam para me condoer com a hora perdida por todos aqueles que desde há muito que já deveriam ter percebido que se querem chegar à avenida da liberdade em horário de expediente o deverão fazer em transporte público, de preferência de metropolitano. Ou será que desta vez o vosso discurso anti viatura própria nos centros urbanos já não se aplica?
E, já agora, qual é a preocupação perante a proximidade do sanitário público à montra da Hugo Boss? Se não houvesse sanitário seria melhor? ou se este se localizasse defronte de uma outra loja que vendesse as t-shirts a 10€ já não teria importância?
Vale a pena perguntar: quem serão os grandes parolos desta história? se os que participaram no mega pic-nic, se os outros.

Anónimo disse...

Houve muito entusiamo dos que lá foram? E então dos que lá não puseram os pés, quem mediu o entusiasmo desses?

Anónimo disse...

Tem muita razao o Pinto Soares no que à bela vista se refere. Lisboa é assim e esta incoerência é uma marca bem visível de JSF. Nem sou contra a iniciativa mas Lisboa está mesmo à venda, sem pudor.E nem é preciso pgar muito para encher a cidade de publicidade.

Anónimo disse...

Vergonhoso, é triste ver a Cidade de Lisboa a se prostituir desta maneira.
Por motivos profissionais estive neste fim de semana em Lisboa e no Porto, ambas as cidades com alterações complexas para eventos.
No Porto, foi impossivel arranjar um quarto em Lisboa, tive que abandonar o quarto e escolher outro hotel.

Anónimo disse...

Oposição a esta gestão municipal, existe? Entrou de férias permanentes?

A.lourenço disse...

Concordo inteiramente com as palavras do SR.Vereador mas também com as do Pinto Soares em relação ao Rock in Rio.Carregado de razão .
Mas podemos falar tambem em Monsanto e no festival Delta Tejo que nos últimos anos fez passar por cima dos terrenos de Monsanto centenas de camiões , escavadoras, fez terraplanagens, tudo num terreno que devia ser protegido e que foi completamente adulterado apenas para se adaptar ao festival.

Isabel Marques disse...

nem sonham o que me aconteceu por causa do piquenique: moro numa transversal à Avenida, e nessa rua estaciono o meu carro. Na sexta chego a casa ao final da tarde e deparo que o meu carro tinha desaparecido! No local onde o deixei estavam camiões de equipamento televisivo! Pensei: roubaram-me o carro! Mas o que aconteceu foi mais delirante: basicamente a polícia municipal pegou no carro e foi estacioná-lo num outro local! Lindo!? Agora a polícia pode pegar aliatoriamente em propriedade privada e mudá-la de sitio sem dar cavaco ao proprietário! Tudo pelo bom nome do Continente!