23/11/2011

125 anos de tesoura em riste a cortar cabelos


In Diário de Notícias (23/11/2011)
Por Inês Banha

«Barbearia Campos, das mais antigas do País, festejou data com descerrar de placa


É com um brilho no olhar que Joaquim Morais recorda o turista alemão que, depois de pela primeira vez ter cortado o cabelo na Barbearia Campos, prometeu voltar daí a um ano a Lisboa e ao estabelecimento do Largo do Chiado. Funcionário há dez anos na "casa" que ontem festejou 125 anos, já se habituou a atender personalidades de várias áreas... e estrangeiros que não querem perder a oportunidade de experimentar os serviços de um local que já surge na maioria dos roteiros turísticos. Mas que nem por isso deixa de estar ameaçado pela degradação do prédio onde se situa.

"Este é o único edifício do Largo do Chiado que ainda não foi recuperado" lamentou ontem, na cerimónia do descerrar da placa comemorativa da efeméride, José Sá Chaves, lembrando as infiltrações que obrigaram a gestão da Barbearia Campos a optar, há poucos anos, por recuperar o estabelecimento fundado em 1886. A esperança do representante dos herdeiros do fundador é que o esforço feito a título particular tenha agora correspondência na acção da câmara, nomeadamente através da criação de regulamentos que protejam as lojas históricas.

É, aliás, no passado do estabelecimento fundado pelo avô que se refugia para justificar a importância de uma das barbearias mais antigas do País (ver entrevista na última página). Quem ontem não quis perder a cerimónia - que contou com a presença de Catarina Vaz Pinto, vereadora da Cultura da autarquia da capital - comprova.

"Mantém-se igual", avalia Fernando Magalhães, da Associação Portuguesa de Barbearias, Cabeleireiros e Institutos de Beleza de Portugal, que conhece o espaço há mais de 40 anos - quando os homens cortavam o cabelo apenas nos barbeiros e os cabeleireiros estavam reservados às mulheres.

Hoje já não é assim. "Continuam a ser principalmente homens, mas temos algumas senhoras", conta Joaquim Morais. Os clientes, esses, são como se fossem amigos: "Contam-nos segredos que não contam às mulheres."


Foto de Luís Pavão
(Revista do Governo Civil de Lisboa/Set.09)


...

«"Conservamos a barbearia como um dever cívico"


- É hoje [ontem] descerrada a placa de comemoração dos 125 anos da Barbearia Campos, uma das mais antigas do País. Tinha noção de que tinham esse estatuto?

- Tínhamos efectivamente ideia. Temos essa informação pela associação que representa os estabelecimentos e casas deste ramo. O documento que nos esclarecia sobre a data em que a barbearia foi fundada, e que temos em exposição, é a apólice do seguro, que diz que foi fundada em 1886. E é esse documento que usamos para definir a idade.

- É o representante dos herdeiros do fundador. Isso significa que o estabetecimento esteve sempre nas mãos da sua família?

- O estabelecimento foi fundado pelo meu avô [José Augusto de Campos], que certamente era da arte [da barbearia]. E que em conjunto com o sócio o abriu em 1886. Só a apartir de 1910 é que ficou definitivamente nas suas mãos.

- Trabalha nesta barbearia? Tem alguma memória de quando era criança?

- Quando ele morreu, em 1922, foi um funcionário [Artur Ribeiro dos Santos] que ficou a tomar conta da casa e que acabou por casar com uma filha do fundador e estar à frente da casa durante 52 anos. A barbearia tem estado na família, mas nenhum de nós está ligado à profissão, à arte do barbeiro. Eu, por exemplo, sou professor. Conservamos a barbearia como um dever cívico.

- Porque é que o fazem?

- Trata-se de um estabelecimento cultural, por onde passaram, ao longo da sua história - pode ver ali [no expositor] - muitas personalidades da cultura, da política, das artes. E continuam a vir. É um espaço que consideramos ser um local de troca de culturas e de conversa entre as pessoas que aqui vêm e os próprios funcionários. A forma como se relacionam cria um espírito muito próprio.

- Continuam então a ter muitos clientes?

- Hoje em dia, continuamos a ter muita clientela. Nós queremos que, para além de ser uma barbearia, isto seja um local de cultura. Procuramos inclusivamente fazer um atendimento personalizado, o que já não se encontra em muitos sítios.

- É esse o vosso segredo para estarem a comemorar 125 anos de história?

- Sim, é um dos segredos. E, a par de nos virarmos para o futuro, conservamos a parte histórica, com um acervo museológico.

- Acredita que vão conseguir manter-se abertos durante mais quantos anos?

- Dependerá muito do apoio que a Câmara de Lisboa dirigir às lojas históricas, porque as lojas históricas vivem uma situação que não é das mais favoráveis. Dependerá do apoio não económico mas à conservação.

- Economicamente conseguem sobreviver? Necessitam apenas de apoio à conservação?

- Economicamente conseguimos. Não podemos é lutar contra os interesses da especulação imobiliária. Se decidirem deitar o prédio abaixo para construir, não sei... não digo um banco porque estão todos falidos (risos).

- Um hotel, por exemplo?

- Sim, por exemplo. O hotel é útil, mas perde-se um espaço histórico. A câmara deveria proteger os espaços históricos, nomeadamente através de regulamentos.»

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