18/04/2012

Quando o aluguer de monumentos ajuda no restauro do património




Por Luís Filipe Sebastião in Público

O aluguer de monumentos ajuda a financiar a sua recuperação, mas é ainda uma fatia muito pequena das receitas. Parques de Sintra quer que ela cresça e assinala o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios


O bisturi raspa com precisão a película que cobre o estuque. O rendilhado decorativo das paredes readquire, aos poucos, a tonalidade branca. O instrumento cirúrgico é manuseado com paciência numa operação destinada a devolver o esplendor aos espaços interiores do Palácio de Monserrate. Sempre à vista dos visitantes do monumento sob tutela da sociedade Parques de Sintra-Monte da Lua (PSML) que, nota a responsável pelo projecto de restauro, "abriu para obras".
O revestimento a estuque sofreu infiltrações com a degradação das coberturas. Após a reparação dos telhados em telha e chumbo, entre 2001 e 2004, a PSML lançou, em 2007, a segunda fase de reabilitação, desta feita no interior. "Mais do que ter um palácio todo recuperado, é importante ver o palácio a ser restaurado", comenta a arquitecta Luísa Cortesão, numa visita técnica para mostrar as intervenções em curso, a repetir hoje (15h), no âmbito do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios.
"É um edifício planeado em conjunto com os jardins", nota Luísa Cortesão, acerca do palacete romântico de traça oriental mandado construir, por volta de 1863, pelo comerciante inglês Francis Cook. O projecto do arquitecto James Knowles aproveitou as ruínas do palácio neogótico de Gerard DeVisme sobre os restos de uma capela.
O sistema de aquecimento a água, alimentado por uma caldeira a lenha, já permite dar uso condigno à sala de música, divisão que permaneceu mais bem conservada ao longo dos muitos anos de abandono do palácio, na posse do Estado desde 1949. A sala indiana já teve metade do tecto espalhado no chão.
No troço norte do corredor, alunos da Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra removem camadas de tinta sobre os motivos decorativos das paredes. É aqui que entra o bisturi e muita delicadeza. O método repete-se na sala de jantar. Auriculares nas orelhas, uma jovem recupera o branco do gesso. Andaimes permitem chegar ao tecto. Nas paredes, explica Carla Pereira, da empresa Samthiago, existia "uma camada de pictórica com mais de um milímetro de espessura, que ocultava o efeito decorativo do estuque".
Após a remoção minuciosa da tinta sobre o estuque, biocidas "tratam" dos fungos. Testes de cor permitem afinar a tonalidade final. Numa parede exibe-se uma amostra de motivos decorativos em dois tons executados a stencil, segundo fotografias antigas. A lareira em mármore italiano apresenta fracturas e faltam três colunas. A empreitada, por 27 mil euros, inclui a recuperação de madeiras e azulejos da copa, assim como do móvel monta-pratos. Os trabalhos ficam concluídos em Maio.
A cozinha, no piso inferior, "abriu" na segunda-feira. A parede exterior teve de ser desmontada para retirar um carvalho que crescera na cobertura. Os elementos corroídos do fogão, do tipo de chama invertida, foram restaurados com base num exemplar semelhante do Museu Nissim de Camondo (Paris). O pavimento da galeria técnica, com as infra-estruturas, foi rebaixado um metro, para facilitar a manutenção.
A biblioteca renasceu da humidade e do caruncho e as estantes aguardam pela reconstituição de parte do espólio vendido em leilão em 1947. Um quiosque electrónico multimédia "Fala Comigo" ajuda os turistas a perceber a história de Monserrate. O boneco Edgar (Smith), à pergunta de "quem és?", apresenta-se: "Sou o mordomo deste palácio"

Aluguer de espaços

O restauro e a conservação têm sido uma aposta da PSML, que nela investe parte das receitas. Entre elas está uma pequena fatia de 1,5% que é assegurada pelo aluguer de espaços a privados. Fazer uma caça ao tesouro no Castelo dos Mouros e fotografar uma sessão de moda no Parque de Monserrate é possível, desde que se pague. Aliás, por 50 euros por pessoa, com o cateringa cargo daPSML, é possível casar no Palácio da Pena, mesmo ao domingo, dia com mais visitantes (4000 no Verão).
O ano passado, a empresa recebeu no património que gere 70 iniciativas, que renderam 135 mil euros. João Lacerda Tavares, administrador da PSML, reconhece que o valor, mais 65% em relação a 2010, é baixo, mas está dentro dos objectivos da empresa. "Não queremos que estes eventos continuem a aumentar sem limites porque isso desgasta a imagem dos próprios monumentos e pode prejudicar a sua fruição pelo visitante, que é a nossa prioridade", disse ao PÚBLICO. Todos os monumentos podem alugar espaços, mas é comum fecharem as portas a eventos que envolvam o uso de fogo ou de água. É habitual receberem jantares, encontros de empresas, conferências, filmagens e sessões fotográficas.
As verbas do aluguer para cinema, televisão e moda não estão incluídas nos 135 mil euros. A negociação é feita caso a caso e as contrapartidas podem não ser só financeiras. Um dia de fotografias para uma produção de moda custa entre 1500 e 3000 euros, mas o acordo pode passar por espaço publicitário. "A administração discute cada pedido porque é o cinema e a televisão que mais podem "gastar" a imagem do património, mas são também eles que mais o podem promover."
Os monumentos da PSML receberam em 2011 mais de um milhão de visitantes, mas o número deve crescer este ano, pois vai gerir os Palácios Nacionais de Sintra e de Queluz, onde poderá organizar concertos ou jantares, desde que não ponha em causa as visitas e os trabalhos de conservação. com Lucinda Canelas

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