22/09/2008

Câmara cedeu terreno que foi vendido por dez vezes mais

In Público (20/9/2008)
José António Cerejo

«A venda é justificada pela AECOPS com o facto de a autarquia ter levado 15 anos a aprovar projecto da sede que já não quer construir


Um terreno vendido pela Câmara de Lisboa a uma associação empresarial, apenas para que ali fosse construída a sua sede, foi vendido 18 anos depois, para fazer escritórios, por quase dez vezes o preço total da compra. O município levou 15 anos a aprovar o projecto, mas ao longo desse tempo a parcela cedida cresceu significativamente, a área de construção autorizada quase que duplicou e a câmara teve de contornar o Plano Director Municipal (PDM) para satisfazer os seus compromissos. A associação queixa-se de que foi obrigada a fazer três projectos devido às sucessivas alterações dos planos camarários e diz que quando o último foi aprovado já não se justificava fazer a sede projectada.
Foi em 1989 que a câmara decidiu vender à Associação das Empresas de Construção e Obras Públicas (AECOPS), em condições especiais, um lote situado na ligação da Rua de Campolide à Av. José Malhoa, frente às actuais Twin Towers. A proposta aprovada pelo executivo de Kruz Abecasis justificava o "apoio" municipal à associação com "os objectivos da AECOPS" e com "o trabalho por ela já desenvolvido, em Portugal e no estrangeiro, no interesse de um sector vital para a economia portuguesa". A cedência surgia assim no âmbito de uma política camarária de apoio às mais variadas entidades sem fim lucrativo, que ainda hoje se mantém sem regras nem critérios, e que assenta na disponibilização de terrenos ou imóveis para as suas instalações.
O lote tinha 896 m2 e foi vendido por 69 mil contos (perto de 345.000 euros). As condições definidas na escritura apontavam para a construção de um máximo de 2760 m2 acima do solo e estabeleciam que, em caso de ser autorizada uma área superior, a associação teria de compensar financeiramente o município.
Área de construção duplica
Logo em Janeiro de 1991, a AECOPS apresentou um projecto de sede que previa não 2760, mas sim 3339 m2 acima do solo, em cinco pisos, além de três pisos de estacionamento em subsolo. A elaboração do PDM, entretanto iniciada, levou, já em 1993, a que esse projecto fosse arquivado. O plano determinava a passagem de uma rua pelo local e tornava-se necessário encontrar um espaço alternativo. A solução foi a permuta do lote original por um outro vizinho, de 1018 m2. Não só a área do terreno crescia, como a sua capacidade de construção acima do solo quase que duplicava, passando para 5318 m2.
Nos termos da escritura de permuta celebrada em 1996, já com João Soares na presidência da câmara, a associação, todavia, nada mais teve a pagar. Isto porque o município atribuiu aos lotes permutados o mesmo valor de 69.000 contos. Esta equiparação dos valores, afirma a AECOPS num memorando que facultou ao PÚBLICO, teve origem no facto de ela própria não pretender uma área superior, sendo antes a câmara que entendeu dá-la, por forma a uniformizar as alturas dos edifícios da zona.
Em contrapartida, a escritura estabeleceu que "no caso de a AECOPS vir a dar aproveitamento económico alheio ao seu objecto, nomeadamente a alienação a título oneroso ou o arrendamento comercial, haverá lugar a acerto de preço". O método estipulado para esse acerto foi o do pagamento ao município de um valor actualizável de 50 contos (250 euros) por cada um dos 2558 m2 que o novo lote permitia construir a mais. Entre a escritura inicial e esta desapareceu, assim, a obrigação automática de compensar a câmara em caso de autorização de uma área superior, em favor da sujeição do pagamento dessa compensação à venda ou arrendamento do imóvel a construir.
No ano seguinte, de acordo com o memorando citado, a associação mandou fazer um segundo projecto, adequado ao novo lote, mas não chegou a entregá-lo. Motivo: a câmara estava mais uma vez a rever as suas intenções para o local. Retomadas as negociações, a autarquia comprometeu-se em 2000 a ceder duas parcelas anexas, que compensariam a perda de uma parte do lote que já pertencia à associação, mantendo-se os direitos de construção adquiridos.
Projecto viola o PDM
Entregue no fim de 2000, o terceiro projecto, adaptado à nova implantação, acabou por ser objecto de uma proposta de indeferimento dos serviços camarários, em 2002, atendendo a que não cumpria o PDM, nem os índices de construção entretanto aprovados. Além de exceder em 639 m2 a área de construção permitida e exigir a aquisição de mais 184 m2 ao município, a projectada construção de seis pisos tinha um problema: destinava-se integralmente a escritórios, enquanto o alvará de loteamento da zona, aprovado em 1999, impunha cinco pisos de habitação e apenas autorizava escritórios no rés-de-chão.
Relançada a confusão, a vereadora Eduarda Napoleão, já no mandato de Santana Lopes, dá o seu acordo ao princípio de que "a responsabilidade pela não correspondência do projecto com as condições constantes do alvará de loteamento e do PDM não compete à requerente, mas à câmara", pelo que o indeferimento foi recusado e os serviços encarregues de resolver o imbróglio.
O princípio da solução surgiu em 2003, mediante a aprovação camarária de uma nova proposta de permuta de parcelas no mesmo local e de venda, por 115 mil euros, de uma faixa municipal contígua, com 404 m2, destinada a estacionamento subterrâneo, por forma a que se encaixassem no terreno as áreas de construção pretendidas. Com a escritura que concretizou esta proposta, já em 2005, a AECOPS ficou com 1539 m2 de terra - 404 dos quais têm de deixar passar peões à superfície -, pelos quais pagou um total de 460 mil euros. Quanto ao uso do edifício e às discrepâncias entre o alvará e o tamanho dos lotes, o impasse foi vencido por um aditamento ao alvará assinado por Carmona Rodrigues também em 2003.
Nesse ano ficou finalmente aberta a porta para a construção da sede da associação, com seis pisos de escritórios acima do solo (5337 m2 de construção) e quatro abaixo, um para arquivo e três para estacionamento. O projecto foi aprovado por Eduarda Napoleão em Novembro de 2004 e o licenciamento final da sede da AECOPS coube a Gabriela Seara, em Dezembro de 2005. As obras começaram no terreno durante este Verão, mas o edifíco já não vai ser para a sede da associação empresarial: o terreno foi vendido em Maio à imobiliária Campolide XXI pelo preço de 4,510 milhões de euros.
4,510
Milhões de euros foi o valor da venda do terreno da AECOPS à imobiliária Campolide XXI. Parte dele foi adquirido há 18 anos à câmara por 345 mil euros e a outra parte há quatro anos por mais 115 mil »

1 comentário:

Julio Amorim disse...

A meio do artigo, já estava totalmente baralhado. É óbvio que, um país que (des)funciona desta maneira, será o paraíso dos aldrabões. E parece-me que, o sistema (ou a falta dele), é exactamente para baralhar todo o mundo e, proporcionar boas negociatas. Enfim...tudo na mesma.