Em 2001, alguns dos meus colegas de faculdade pensaram em fazer a viagem de finalistas à República Dominicana. A opção não se afigurava muito satisfatória para mim e para outro amigo e decidimos ir para outra República, a Checa, da qual tínhamos ouvido falar muito bem mas não sabíamos propriamente o que iríamos encontrar pela frente. Chegámos a Praga em Abril desse ano. De repente um novo mundo se revelou diante dos nossos olhos. Umas vezes chovia e outras ainda nevava, mas fazia sempre muito frio. A arquitectura era bastante diferente da nossa, sobretudo com a quantidade interminável de edifícios Art Noveau e Art Déco e toda a atmosfera medieval que resultava do labirinto de ruas sinuosas do centro histórico e das torres góticas que pontuavam pela cidade. Deambulávamos incessantemente pela ponte Carlos entre Malá Strana e Staré Město. Com frequência, músicos talentosos tocavam na rua música clássica ou música jazz. A gastronomia, praticamente desprovida de peixe, não seria nada de nos fazer invejar mas ainda assim tinham uma série de sabores novos que nos eram dados a conhecer: o famoso goulash, as sopas bem mais condimentadas, o nakládaný hermelín - o queijo do tipo camembert servido com pimentos e cebola, os chlebíčky, as versões locais de canapés, o medovnik, o delicioso bolo de mel e nozes e ainda o vepřové koleno, o saboroso joelho de porco assado servido com mostarda e rábano ralado, tudo isto regado com cerveja de óptima qualidade sempre servida em doses de meio litro. A língua, à altura praticamente incompreensível mas também intrigante e fascinante, tornou-se numa espécie de desafio pessoal. As pessoas deste país da Europa Central tinham obviamente um aspecto bastante diferente de nós e isso acentuou ainda mais o exotismo de toda a experiência. O meu amigo acabou por ir viver para lá e aí constituiu família. Para mim, Praga tornou-se a partir desse momento um destino frequente, em 2004 vivi lá por um período de 5 meses, e voltei com bastante frequência. Por isso o que vos vou descrever a seguir resulta de uma observação repetida ao longo dos últimos 18 anos distribuída por diferentes épocas do ano.
O pavimento que é cada vez mais em calçada e também com padrões artísticos, apresenta um óptimo estado de conservação, é raro encontrar buracos, pedras soltas, altos ou depressões como se vê frequentemente por aqui, mesmo o pavimento que bordeja as caldeiras das árvores encontra-se em boas condições. Ao contrário de Lisboa, em Praga aposta-se na substituição do cimento e alcatrão por calçada, que eles consideram ser mais bonita e que mantém alguma permeabilidade dos solos. Falando sobre pavimentos permitam-me referir uma situação pessoal que considero elucidativa - no dia 13 de Fevereiro de 2019 fiz uma participação à CML a alertar para o mau estado da via na travessia de peões entre a Rua Augusta e o Rossio, as pedras estavam desalinhadas e nos dias de chuva formavam-se largas poças de água; fui notificado sobre a recepção e encaminhamento da reclamação mas a situação permanece inalterada passados 9 meses, ou seja, não só não se faz uma manutenção activa e regular da via pública (veja-se por exemplo o estado lastimável da Rua das Escolas Gerais e Rua dos Cavaleiros) como parece não existir capacidade de se responder em tempo razoável às justas reclamações dos munícipes.
O sistema de transportes em Praga, sob gestão integralmente pública, é de altíssima qualidade. Nunca presenciei uma única avaria do metropolitano, nem atrasos, e a frequência, mesmo a programada, é bastante superior à de Lisboa, em algumas linhas e em determinados horários chegam a ter 20 comboios por hora.
À superfície, a cidade é servida por mais de 20 linhas de eléctrico e por linhas de autocarro complementares. Além disso, a rede de eléctricos funciona durante toda a madrugada, de forma muito abrangente. Mesmo as paragens intermédias têm inscrito em papel os tempos exactos de passagem. Não só a frequência é muito elevada como a pontualidade é quase irrepreensível, dois indicadores que em Lisboa deixam muito a desejar.
Praga está atafulhada de turistas e é por vezes difícil circular em algumas ruas mesmo que exclusivamente pedonais. Também existem carteiristas, infelizmente, o que é muito pouco provável é que seja abordado e importunado no meio da rua para me venderem estupefacientes, falsos ou não.
É muito raro encontrar lixo acumulado nas ruas como infelizmente acontece amiúde em Lisboa.
Ao contrário do que acontece na nossa capital, os prédios devolutos e notoriamente em estado de abandono e degradação são em Praga uma raríssima excepção e não algo que se vê em abundância como na Baixa de Lisboa, ainda que nos últimos anos tenham sido aí recuperados, a acreditar nas fachadas, um número significativo de edifícios.
Por último é com agrado que vejo que em Praga souberam conservar as suas tabernas históricas - parte importante da sua cultura onde a produção e consumo de cerveja ocupa lugar relevante - praticamente iguais ao que eram há várias décadas atrás, das quais são exemplos U Zlateho Tygra, U Hrocha ou U Jelinku. Sobre U Zlateho Tygra conta-se aliás uma história curiosa, que no tempo entre guerras ali se terá sentado o primeiro-ministro de França, Herriot, de forma completamente incógnita e ali terá comido um pescoço de porco enquanto convivia com os demais clientes da taberna, algo impensável nos nossos dias. Em Lisboa infelizmente, temos vindo a perder todas as tabernas uma a uma e a trocá-las por wine bars, tapas, gin, hamburguerias e kebabs.
Praga também tem as suas chagas, claro, o centro está pejado de lojas de souvenirs muito acima do que seria necessário ou sequer razoável, existem muitas casas de câmbio que praticam taxas exacerbadas e os subúrbios são na sua maioria feios e demasiado uniformes.
E é tudo mau na gestão de Lisboa? Certamente que não e nem todos os problemas dependem da administração local. A ampliação de espaços pedonais, a criação de ciclovias e sistema de bicicletas partilhadas e a requalificação de alguns espaços públicos (veja-se o excelente restauro do miradouro de Santa Luzia) contam-se entre alguns passos muito positivos dos últimos anos, mas a comparação com outras cidades mostra-nos que ainda há muito caminho a percorrer.
Certamente que há diferenças de base nas duas cidades que justificam uma maior dificuldade da cidade de Lisboa em ultrapassar alguns problemas. Por exemplo grande parte da rede de eléctrico em Praga funciona em via segregada, algo difícil de implementar na malha urbana mais antiga de Lisboa, mas já a regulação do tráfego é algo em que se pode intervir e tem consequências directas sobre a fluidez do transporte público. A esse propósito convém lembrar o gigantesco investimento de recursos na sub-urbanização da área metropolitana quando o centro de Lisboa literalmente apodrecia dando origem a um movimento pendular diário de 400 mil viaturas entre Lisboa e as periferias, ou seja, uma política de ocupação mais racional do território e um maior investimento em transportes públicos poderiam ter minorado bastante esta tragédia permanente.
O Presidente da República gosta de dizer que somos tão bons como os melhores do mundo, algo que se pode interpretar benevolamente como um estímulo a uma maior auto-estima e capacidade de superação. Lamentavelmente existem ainda muitos domínios em que essas virtudes não se manifestam.
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