13/06/2010

Público - Plano não pode escolher as lojas da Baixa de Lisboa

Público - Plano não pode escolher as lojas da Baixa de Lisboa

Comércio

Plano não pode escolher as lojas da Baixa de Lisboa

Podemos definir regras de recuperação e preservação arquitectónica, apoiar actividades culturais ou incentivar o mercado de arrendamento. Mas nem o ambicioso Plano de Pormenor da Baixa Pombalina consegue fazer um ordenamento comercial da zona. Por Luís Francisco

O Plano de Pormenor da Baixa Pombalina está em fase de discussão pública e, apesar de a propalada candidatura a património mundial marcar passo, a recuperação e requalificação da área mais nobre da capital é um projecto de enorme amplitude: custará à volta de 700 milhões de euros. Tratando-se de uma zona histórica, naturalmente há pressupostos arquitectónicos a ter em conta. Mas a Baixa de Lisboa é, também, uma enorme zona turística e comercial. A esse nível, o que queremos fazer dela?

A Câmara de Lisboa elaborou uma lista de estabelecimentos (ver caixa) a proteger, na sua arquitectura exterior e interior (nalguns casos). Mas não há em Portugal regulamentos que permitam definir o tipo de comércio que se instala em cada artéria. Fazer o ordenamento comercial de uma zona como a Baixa, agora que se pretende dar-lhe nova vida (nomeadamente combatendo a desertificação à noite), deveria ser uma prioridade?

Sim, responde o historiador António Sérgio Rosa de Carvalho. "Constata-se a invasão de um certo tipo de comércio que se estendeu do Martim Moniz e que bloqueia agora qualquer tipo de ordenamento comercial. Se falamos de eixos prioritários [para revitalizar a Baixa], temos de saber o que queremos ter lá em termos de comércio."

É que, apesar de existirem na zona abrangida pelo plano de pormenor "cerca de 1600 espaços comerciais", como salienta Vasco de Melo, presidente da União das Associações de Comércio e Serviços, e, portanto, "haver espaço para tudo", ter uma estratégia poderia fazer a diferença. No entanto, conforme nota Jorge Catarino Tavares, director municipal de Conservação e Reabilitação Urbana, não existe uma interdição à mudança de actividade. "As condicionantes são sempre no sentido de se salvaguardar o património arquitectónico. Ou seja são admitidas mudanças de ramo de actividade mas, consoante cada caso, existem elementos arquitectónicos, decorativos ou estruturais que terão de ser preservados."

Uma volta pelas ruas e praças criadas pela vontade política do Marquês de Pombal após o terramoto de 1755 mostra uma clara proliferação de estabelecimentos comerciais que não são propriamente típicos de zonas urbanas nobres. Sim, estamos em pleno Mundial de futebol, mas a profusão de camisolas de Cristiano Ronaldo ou cachecóis da selecção à porta de muitas lojas não é um contágio vindo da África do Sul. Na verdade, durante o resto do ano, o jogador está na mesma em exposição, só que o seu nome aparece na camisola branca do Real Madrid. Os espaços comerciais que se dedicam à venda de recuerdos turísticos e ícones da cultura popular proliferam na Baixa.

Deviam estar lá? Ou, pelo menos, na mesma quantidade? Vasco de Melo diz que não, mais não seja porque "estas lojas têm métodos de funcionamento que andam "fora-da-lei"", pelos horários de trabalho, pela qualificação do pessoal ou pela lógica "nómada" da sua actividade...

Mas, corporativismos à parte, há uma questão de imagem que também conta, quando se fala do bilhete postal de uma cidade que aposta cada vez mais na sua dimensão de destino turístico. "Devia haver um mapa das actividades nos eixos prioritários. Mas será possível?", interroga-se Rosa de Carvalho. Em todo o caso, há que ultrapassar o desconforto da generalização do termo "loja dos chineses"... "Isto não tem nada a ver com questões racistas. Há estabelecimentos orientais belíssimos", diz o historiador. E que só ficam bem numa cidade que foi, durante um período da história da Humanidade, o epicentro da globalização.

Jorge Catarino Tavares admite que algumas actividades, por via de condicionantes de intervenção no edificado, "tenham dificuldades em se instalar." Mas opina: "Penso que qualquer tipo de comércio, desde que a sua instalação obedeça aos princípios de qualidade e de rigor no seu projecto, terá lugar na Baixa."

Mobilidade e habitação

O plano da Baixa vai muito para além da questão comercial. Mas muitos dos pontos que aborda estão interligados. Como a mobilidade, por exemplo. "Há que ter em conta a questão do transporte individual. Os grandes centros comerciais têm bons transportes, mas as pessoas vão de automóvel. Este é um dado adquirido, temos de lidar com ele", sentencia Vasco de Melo.

Do outro lado da barricada, parece estar António Rosa de Carvalho: "Continuamos a ter do carro uma cultura de "vaca sagrada"", desabafa, criticando a ideia de ser possível construir garagens na Baixa, algo que considera "incompatível com as características dos edifícios" da zona, nomeadamente a famosa gaiola pombalina, a construção anti-sísmica assente em estacaria que concede a esta zona de Lisboa muita da sua identidade única. Mas o historiador está mais preocupado com o automóvel enquanto condição incontornável para se morar na Baixa. Para quem vem às compras, aceita a existência de parques ou, até, de silos.

Porque é um local de passagem que se quer bonito e funcional. Mas é também um coração desertificado, um local onde muitos estabelecimentos fecham a porta ao fim da tarde, altura em que as ruas ficam vazias. Ninguém mora na Baixa. E uma das ideias do plano de pormenor é também criar condições para que haja uma população residente nesta zona nobre da cidade. E isso também pode influenciar o tipo de comércio que ali prospera.

Apoiar a iniciativa privada

Não há regras, mas há opiniões. Quando questionado sobre o tipo de comércio que deve existir na Baixa, Vasco de Melo evita dar uma opinião taxativa. Mas deixa ideias: "As ourivesarias e vestuário estão muito bem representadas. Parece-me uma boa ideia a que foi avançada pelo vereador Fontão de Carvalho (PCP), no sentido de concentrar os pequenos artesãos de ourivesaria, formando um cluster desta actividade. Ou apostar em espaços mais temáticos, como acontece na Rua da Conceição, onde há grande concentração de retrosarias. Proteger o que existe e assegurar a mobilidade e a segurança são as formas de garantir a viabilidade de quem investe."

E tem de ser o investimento privado a alimentar o processo. Apesar de considerar a recuperação da Baixa "um desígnio nacional", António Rosa de Carvalho também acha que são as pessoas quem tem de assumir a tarefa. À máquina pública cabe ser acessível. Porque "os regulamentos existem, resta saber com que velocidade e com que rigor serão aplicados".

Para já, eles incidem sobre a arquitectura das lojas e edifícios. Não haverá marquises; os estores exteriores têm de ser aprovados pela câmara; as portas de lagarta e grades metálicas só poderão ser montadas do lado de dentro das lojas; aparelhos de ar condicionado, cabos e condutas terão de sair das fachadas principais; estão proibidas as esplanadas fechadas; só as farmácias poderão ter anúncios electrónicos; fica interdita a instalação de painéis, mupis ou colunas e mastros de publicidade.

A Baixa como a conhecemos pode estar em vias de ser "purificada". Se conseguirá manter alguma identidade comercial, isso é difícil de prever. "Isto é um grande momento urbanístico. A questão é: estaremos à altura?", questiona Rosa de Carvalho.

1 comentário:

Anónimo disse...

Uma clamorosa falta de ideias.
Onde andam os gurus, que sabiam tudo?
Brunos Soares e companhia?
Não faltam exemplos bem sucedidos?
Porque motivo os planos que se fazem neste país só apresentam encargos?