04/06/2010

A Real Praça do Comércio

Opinião/In Público (4/6/2010)
Por António Sérgio Rosa de Carvalho

«Pronto, finalmente reavemos a Real Praça do Comércio. Reparem que não lhe chamo "Terreiro do Paço"... e isto não acontece por acaso, mas é uma atitude consciente e premeditada... pois esta diferença de denominação ilustra precisamente o erro de perspectiva e de interpretação histórica que levou a todas as "trapalhadas" no antigo projecto, agora sensatamente corrigido.

A Real Praça do Comércio foi concebida por um primeiro-ministro "estrangeirado" que pretendia alcançar uma reforma profundíssima no plano político, social e mercantil do Reino de Portugal, aproveitando um cataclismo natural que, tendo criado uma situação de Tabula rasa no país, oferecia-lhe uma oportunidade única.

Ela foi concebida também seguindo referências eruditas e prestigiantes internacionais da place royale do séc. XVIII Iluminista, e, no caso de todo o plano de reconstrução da Baixa, ela anunciava com grandiosidade uma nova cidade, renascida das cinzas e que iria servir de décor para um novo Portugal reformado, e de contexto e habitação para uma nova burguesia mercantil e iluminada.

Assim, é perfeitamente claro que o conceito do "terreiro" pertencia a um passado pré-terramoto e a um tipo de sociedade que se pretendia reformar radicalmente numa perspectiva iluminista, embora num conceito tão típico para a época de despotismo iluminado.

Visto isto, vale a pena reflectir sobre o facto de que, mais uma vez, se o prazo foi cumprido "sem derrapagens orçamentais", se deve a um factor externo que nos pressionava e obrigava a uma clara deadline... a visita do Papa.

Sem questionar a evidente e prestigiante oportunidade mediática que nos foi oferecida com a visita do Papa, e agora que foi anunciado o Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina, teremos que reconhecer que a imagem que foi oferecida ao Papa e ao mundo não foi a imagem da verdadeira decrepitude em que se encontra a Baixa de Lisboa.

Assim, as intenções e os milhões pretendidos com o anúncio do plano de salvaguarda não podem ser encarados como algo para se "ir fazendo", mas como um dos projectos mais urgentes e indispensáveis para Lisboa, capital de Portugal.

Agora, em plena e profunda crise, que tentamos rever e reanalisar os grandes projectos de obras públicas, aqui temos um grande projecto, urgente, indispensável e verdadeiramente responsável. Ele é credível e responsável, pois os benefícios e resultados estão a priori garantidos.

Trata-se do prestígio e da atractibilidade da nossa imagem exterior e dos dividendos na área do turismo cultural. Trata-se da nossa qualidade de vida no quotidiano. Trata-se da auto-estima e do estímulo que ela transporta para o nosso empreendedorismo. Trata-se de provar à nossa juventude que Portugal está à altura da responsabilidade da salvaguarda do nosso património e portanto tem futuro.

Proponho portanto que o projecto de restauro e salvaguarda da Baixa pombalina seja elevado a desígnio nacional... que seja ligado a uma dimensão capaz de transcender a própria autarquia, e os ciclos políticos inerentes, através da ligação à Presidência da República pela nomeação de um comissário.

Seguindo o exemplo de Amesterdão, onde o presidente da câmara é nomeado pela Coroa como árbitro au dessus de la mêlée, pode cumprir vários mandatos e tem a função de estimular, vigiar e garantir, perante os eleitos políticos, a prioridade e o cumprimento dos projectos verdadeiramente importantes ... assim eu proponho um comissário escolhido pela Presidência da República, instituição suprema da nação portuguesa, que desempenhe este papel de guardião e de garantia de execução deste verdadeiro desígnio nacional.

Chegou a altura de encontrarmos em nós próprios a capacidade de realizar, de cumprir, e não "ir" avançando apenas aos soluços estimulados por factores externos.

Para isso, teremos de compreender, de vez, que estamos reduzidos a este pequeno rectângulo, e deixarmo-nos de fugas, de diásporas e quimeras. É Portugal que tem que ser cumprido!


Historiador de Arquitectura»

3 comentários:

Anónimo disse...

Uma questão...quando houver novo terramoto e se a Praças for abaixo...como é? cheira-me que fazer de novo os Srs. arquitectos não querem. Teríamos uma Baixa "contemporanea"?
Quem tem ideias sobre isto?

Paulo Nunes disse...

Relativamente ao "novo" Terreiro do Paço só tenho a dizer que está melhor do que estava ... quando entaipado.
Perdeu-se sim mais uma oportunidade para devolver qualidade a um espaço ... continuará vazio, abrasador no Verão e desolado no Inverno. Dificilmente uma esplanada sobreviverá sem o abrigo das arcadas.
Para quando assumir que o Terreiro necessita de verde e árvores?
E o transito? Valeu a pena afunilar numa faixa o transito de ligeiros quando junto ao Arco da R. Augusta e na R. do Comércio ficámos atolados em autocarros barulhentos e fumarentos? Sinceramente acho que não.
Para quando o "disfarce" da saída de metro na praça sendo que seria muito bem vinda uma nova entrada do lado do campo das cebolas de modo a evitar o atravessamento da Av. Infante D. Henrique para quem mora em Lisboa. Repito: para quem mora em Lisboa.

Maxwell disse...

A designação de 'Real' Praça do Comércio não caiu com a queda da monarquia? Olhe que acho que sim.
Sim, obra grandiosa para o seu tempo que ainda hoje é imagem de marca da cidade. Se, ao longo das ultimas três décadas a praça tem sido mal tratada não deixou decerto de o ser com esta remodelação. Já foi amplamente divulgado aqui e um pouco por toda a comunicação social a forma dúbia como foi apresentado o projecto e a maneira despreocupada como foi acabada a obra, sem o mínimo de atenção ou ética por parte do arquitecto e empreiteiros.
Pormenores da obra em si aparte, é ridículo propor que, em tempos de crise, um conjunto de obras meramente decorativa e sem beneficio algum para os pais como o projecto de restauro e salvaguarda da Baixa seja elevada a ‘desígnio nacional’. Ao contrário do que o autor diz não se trata ‘da nossa qualidade de vida no quotidiano’ ou ‘da auto-estima e do estímulo que ela transporta para o nosso empreendedorismo’. Trata-se da qualidade de vida e auto-estima DOS LISBOETAS apenas e só.
Como português sinto-me ultrajado por alguém pensar que Portugal é apenas e só Lisboa sem que faça uma apreciação global do que é que O PAÍS PRECISA! Ou será que o senhor Carvalho acha que o habitante de Beja ou de Sines, ou de Santarém, ou de Ceia se importa como está a baixa pombalina? Será que o autor pensa mesmo que este é um projecto vital e de importância nacional? Quando temos aldeias ainda sem água canalizada ou luz eléctrica, quando temos cada vez menos linhas de caminho de ferro para transportar passageiros e carga (remeto á suspensão de circulação na linha do Alentejo, à ‘reestruturação’ da linha do oeste com objectivo de fecho total da linha e a fantochada da linha de alta velocidade), quando temos monumentos nacionais com centénios de existência a cair de podre pelo pais fora e tratados como um qualquer edifício dos anos 70 este senhor vem dizer que planos locais de revitalização da cidade que mais dinheiro gasta aos portugueses é que são importantes e que infra-estruturas básicas como esgotos, agua, luz e locomoção a nível nacional são para segundo plano. Haja respeito pelo resto dos portugueses!