Julgo que a carta que José Fonseca e Costa escreve hoje no "Público", diz bem do que está efectivamente em causa no projecto patrocinado pela CML para o Convento dos Inglesinhos:
"Dois historiadores e um arquitecto, "técnicos da Unidade de Projecto do Bairro Alto e Bica" manifestaram a sua estupefacção, a 2 do corrente mês, nas colunas do PÚBLICO pelo facto de haver ainda uma bolsa de moradores das ruas circundantes do Convento dos Inglesinhos, no número dos quais se sabe que estou incluído, incapazes de terem entendido como foi, por eles, defendida encarniçadamente e, como tal, assegurada, a integridade de todas as suas peças.
Fizeram-no de modo magistral ( de "magister"...) , com a "non-chalance" e a arrogância de quem tudo julga saber, não hesitando em ofender aqueles que continuam a opor-se a um projecto que provocará a destruição de uma parte preciosa do conjunto que configura o Convento (ou Colégio...) e a descaracterização do seu corpo principal.
Como o demonstram as peças do projecto de que a seguir daremos conta.
Começam por chamar-nos ignorantes por designarmos por Convento aquilo que, segundo afirmam, sempre foi um Colégio.
Quando começámos, eu e os meus vizinhos e outros cidadãos de Lisboa, a luta pela defesa da integridade desta peça única do nosso património, demo-nos ao cuidado de obter sobre os Inglesinhos toda a informação disponível, entre a qual se inclui alguma da autoria de um dos referidos historiadores, a Senhora Drª Helena Pinto Janeiro.
Dessa tanta informação recolhida consta uma carta ou mapa do Bairro Alto, figurando a implantação dos edifícios, logradouros e jardins em espaço circundado por belos muros, mandada executar por Filipe Folque, onde aparece grafada por cima do edifício principal a designação "Convento dos Inglesinhos".
Este mapa data de 1856.
Como pode o trio de articulistas dizer "... que fique claro, ainda, que os Inglesinhos não são, nem nunca foram, convento algum" quando como tal aparece referenciado em 1856? E que importância tem, para a magnitude do problema que está em questão, o facto de tanto a "vox populi" como o Grupo Amorim persistirem em chamar Convento dos Inglesinhos àquilo que foi um Colégio ? Não é com esse nome e o conhecimento da Câmara Municipal de Lisboa (CML) que o referido grupo está a fazer a promoção do bem imobiliário "apartamentos de luxo, para quem ama Lisboa" que fará donos daquele espaço os "happy few" dotados de capacidade financeira para aí comprarem morada ou fazerem investimento?
Ou será que o vosso parecer é emitido "in abstracto", ou seja, na ignorância do fim a que se destina o bem patrimonial?
Percebe-se, logo a seguir, que o cerne da questão tem a ver com contas a ajustar não exactamente com cidadãos ignaros mas com colegas dos articulistas, porventura colocados um furo acima na hierarquia do funcionalismo público - aqueles que têm assento no Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar).
A coisa é, portanto, entre eles e trata-se de um problema de competências (ou consciências?).
Acusando o Ippar de ter aprovado sempre de cruz tudo o que nas diferentes fases deste projecto ao longo de quatro anos lhe foi submetido pelo Grupo Amorim, os articulistas arvoram a bandeira de rigorosos defensores do património, dizendo, às tantas "... como só pode ser do conhecimento do Ippar, o projecto aprovado para os Inglesinhos garante a salvaguarda inequívoca do edifício do colégio, da igreja e da cerca envolvente... mas não devido à acção do Ippar que aprovou sem pestanejar todas as versões apresentadas pelo Grupo Amorim para o local, incluindo as primeiras, que atentavam gravemente contra os valores histórico-patrimoniais".
Segue-se um rol numerado de denúncia das distracções do Ippar nesta matéria, tendente a colocar em destaque a causa própria e que eu não posso deixar de citar: "Felizmente, essa fase foi ultrapassada por via da acção concertada dos historiadores do pelouro de reabilitação da CML, que se juntaram à historiadora do então Gabinete Local do Bairro Alto (actual UPBAB) nas muitas e duras batalhas pela 'salvação' dos Inglesinhos e que se iniciou em 29/5/01, data da primeira informação desta técnica contra o projecto inicial... Este combate pelos Inglesinhos não foi notícia em nenhum meio de comunicação social: teve lugar numa instituição pública, foi protagonizado por funcionários públicos, em defesa de uma causa pública, que não se sujeitaram à imagem que as pessoas gostam de ter dos 'funcionários públicos'.
E, pasme-se, teve resultados !"
O UPBAB, ao contrário do Ippar a quem acusa de aprovar tudo sem pestanejar, aprovou pestanejando imenso...
Alguns dos resultados são os seguintes:
O logradouro será destruído na sua actual configuração, sendo abatidas as árvores, certamente centenárias, que o compõem; o muro de contenção das terras do jardim existente na Rua Nova do Loureiro, cuja autoria é atribuída a Carlos Mardel, (vd. Helena Pinto Janeiro in "Um Bairro Alto Desconhecido", revista "História" nº 40 de Nov./Dez. 2001) será violentamente deformado, sendo defenestradas os seus vãos e portas cegos e rompidas as duas portas a sul para serviço de entrada e saída de três pisos de garagem a fazer abaixo do solo.
Para lá do muro e arrasando - com o consequente abate de árvores de grande porte - o que resta de um formoso jardim em patamares, vai erguer-se, ao longo de todo o referido muro de Mardel, uma edificação de três andares acima do solo sobre a qual será feito aquilo a que o autor do projecto chama um pátio ajardinado.
Ao corpo do edifício principal, onde existem o Colégio e a Capela de São Pedro e São Paulo, será acrescentado um piso cuja implantação altera a fachada, dando para o Largo dos Inglesinhos, modificando substancialmente o equilíbrio do prédio e criando uma dissonância com os prédios adjacentes, um dos quais é o do Conservatório.
Da capela, a que será dado destino de "apoio social" ao empreendimento, são suprimidos os balcões, integrados no corpo dos apartamentos.
A magnífica cozinha será transformada num dos apartamentos de luxo...
E muito mais haverá para contar se entrarmos no pormenor do projecto com cuja aprovação são poucos os valores patrimoniais que se salvam depois da árdua batalha que os nossos heróis do património afirmam ter travado, ao longo de anos, com a firma imobiliária proprietária do Convento dos Inglesinhos quando, em boa verdade, a única batalha a ganhar seria a da recusa de semelhante intervenção, tendo em conta não só o valor "histórico-patrimonial" do conjunto como, igualmente, o facto de estar implantado na malha urbana do Bairro Alto, de onde vai desaparecer o seu único jardim e logradouro, jardim suspenso virado ao estuário do Tejo e às Colinas sitas a poente da cidade, que devia ser restaurado de acordo com o desenho original, tratado e aberto à fruição de todos os cidadãos.
Os três articulistas saberão de ciência certa o que vai acontecer ao observatório, sobre o qual a Drª Helena Martins Janeiro se pronuncia com as palavras com que termino este esclarecimento: "O quarto piso, com águas furtadas, de construção pombalina já tardia no tempo mas de puro desenho mardeliano, dá acesso a uma adição - sustentada por abóbadas, valorizada por nova e mais elaborada fenestração e rematada por terraço - destinada a observatório astronómico. As invasões francesas terão interrompido as obras do observatório, que, apesar disso continua hoje em dia a ser senhor de uma soberba vista de 360º sobre o casario da cidade, o estuário e a barra do Tejo..."
Quem serão os beneficiários de tão "soberba vista"?
Embora desta vez não venham as invasões francesas salvar os portuguesinhos da des-construção de uma discreta, romântica e belíssima pérola do nosso património incrustada na parte mais alta do Bairro Alto, porventura o seu coração, estranho fado o dos Inglesinhos, cujo licenciamento para execução da "sentença de morte" está assinado ... Napoleão ( ! ) - não já o que ordenou as invasões francesas antes alguém que não hesita em mandar perpetrar estas não menos bárbaras "invasões" com as quais se vai desfigurando e "arrancando a alma" a esta cidade de Lisboa - como o disse uma destas noites na "Ler Devagar" o meu amigo Carlos do Carmo, no decorrer de uma debate sobre o Convento dos Inglesinhos, para o qual foram convidados em boa e devida forma não só a vereadora Napoleão como também os autores do artigo a que ora respondo, Arquitecto Nuno de Morais, historiadores Dr. António Miranda e Drª Helena Pinto Janeiro.
Nenhum deles se dignou comparecer."
PF
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1 comentário:
Interessante.....very interessante, mas meus amigos, aqui fica uma questao para os momentos tranquilos desta quadra; alguém acredita que o Grupo Amorim levaria
este projecto, até onde ele chegou, sem o apoio de
este, aquele ou qualquer outro? nem o Pai Natal conseguia chegar tao longe.
Boas Festas IPPAR !
JA
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