29/11/2015

Ana Sofia Antunes é a primeira secretária de Estado cega....

Foto: Daniel Rocha

Não gosta da expressão invisual, considera-a politicamente correcta. Prefere cega ou deficiente visual. Ana Sofia Antunes, 33 anos, é provedora do cliente da EMEL, presidente da ACAPO – Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal e integrou as listas de candidatos a deputados do PS por Lisboa. Estava em 19.º lugar, posição que em Agosto se considerava elegível, pelo que se pensava que poderia ser a primeira deputada cega a sentar-se no hemiciclo depois das legislativas.
Dizia ter vontade de mudar o que já devia ter sido mudado e não teve medo das palavras: “Um país que não respeita os seus deficientes não tem respeito por si próprio.” Nasceu com deficiência visual, frequentou uma escola especializada nos primeiros anos e depois fez todo o percurso escolar até à faculdade enfrentando e superando as dificuldades que existiam, e existem. Isso fê-la perceber o muito que ainda há por fazer em relação a pessoas com deficiência visual ou outras deficiências. É uma activista, com um longo caminho na ACAPO, de que é presidente desde Janeiro de 2014.

Quando foi convidada para integrar as listas do PS como independente, ficou surpreendida, mas “feliz”. Se tivesse sido eleita seria a primeira deficiente visual a sentar-se no Parlamento como deputada. Seria simbólico mas mesmo assim já vinha tarde, lamentava. “Nós, ao contrário de outros países europeus, nunca tivemos pessoas com deficiência a ocupar cargos como deputados ou no Governo”, nota, considerando que essa lacuna, em termos de representação, “diz muito” sobre a própria sociedade e sobre o país. Por isso, não podia recusar o desafio: “Aceitei com muito orgulho. Mais do que a minha ida para o Parlamento, é uma abertura de portas para as pessoas com deficiência.”

Sabia que o que esperavam dela era que levasse as questões relacionadas com a inclusão e a igualdade para a Assembleia da República. Ainda assim, não pretendia fechar-se “numa espécie de gueto”, com apenas uma causa, uma bandeira. Não se é eleito apenas por um conjunto de cidadãos, mas “por todos”, ressalvou.

Apesar de ter essa ideia presente, quando questionada sobre o que pretendia fazer caso viesse a sentar-se no hemiciclo, Ana Sofia Antunes tinha as respostas todas na ponta da língua. Eram muitas as propostas. Dois exemplos apenas: queria bater-se pelas medidas compensatórias dos custos da deficiência e pela criação de uma lei de bases da vida independente. Terá agora mais poder para o fazer.

Sobre o primeiro ponto, dizia haver “estudos de entidades independentes que demonstram aquilo que é a realidade das pessoas com deficiência e o que significa a mais no orçamento familiar”. “Obviamente que existem algumas medidas a nível fiscal que tentam minorar o impacto a nível do IRS, mas não são suficientes. O que temos é uma dedução à colecta um pouco superior às restantes pessoas”, explicou. E o que Ana Sofia Antunes defendia que deve ser estudado é a existência de “um complemento” que permita fazer face a despesas adicionais.

“Se tenho uma deficiência motora, não tenho culpa de ter nascido com esta característica”, argumentou, acrescentando que apoiar estas pessoas chama-se Estado Social. Se tal não acontece, “é um país que não respeita os seus deficientes”. E um país que não respeita os seus deficientes é “um país que não tem respeito por si próprio”.

Sobre a criação de uma lei de bases da vida independente, explicou que se pretende analisar “de que forma é que as verbas investidas pelo Estado a institucionalizar pessoas podem ser atribuídas directamente à pessoa para viver de uma forma autónoma, na sua habitação”, ou seja, os montantes podiam servir para pagar a assistentes que auxiliassem as pessoas com deficiência em casa.

Ana Sofia Antunes trabalhou na Câmara Municipal de Lisboa entre 2007 e 2013, era então presidente o actual secretário-geral socialista e primeiro-ministro indigitado, António Costa. Licenciada em Direito pela Universidade de Lisboa, fazia assessoria jurídica no departamento da mobilidade. Foi já depois de ter feito estágio, entrado na Ordem dos Advogados e exercido um ano de advocacia que recebeu o convite para ir para a câmara. Lá, começou a mexer-se, a querer fazer mais, a mostrar preocupação com as barreiras arquitectónicas em Lisboa, por exemplo. Fez parte de um grupo pequeno que começou um plano de acessibilidade pedonal na cidade.

In Publico por Maria João Lopes, 25-11-2015

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Parabéns Ana Sofia Antunes !!

Desejo-lhe uma luta sem tréguas para melhorar a mobilidade (e os direitos) de todos os deficientes desta cidade. Um melhoramento para esses....será um melhoramento para todos. Talvez alguns de nós ainda possam vir a assistir a passeios sem obstrução por equipamentos urbanos, carros estacionados nos mesmos, dejectos caninos....e tudo o mais que torna o dia-a-dia dos deficientes desta cidade num verdadeiro calvário.

1 comentário:

Anónimo disse...

Será preciso muita espinha direita e não deixar-se enrolar com a austeridade e com corte de verbas e muitos outros argumentos estafados. Porque quando existem outras prioridades que politicamente se tentam justificar mas que não entram no entendimento da maioria dos cidadãos, é preciso coragem para bater o pé ao Ministro das Finanças ou ao 1º. Ministro.
Mas fundamentalmente na Capital é preciso muito mais que coragem e ousadia para afrontar Manuel Salgado e outros velhos responsáveis na C.M.L. quando nos licenciamentos estiverem em jogo milhares.
As acessibilidades, transportes dedicados, mobilidade, passeios e um sem número de barreiras arquitectónicas que causam a vida negra a um deficiente, não colherão compaixão na hora do visto e da aprovação de projectos que diariamente continuam a ser autorizados e que tornam Lisboa um péssimo exemplo de cidades sustentáveis.
Apoiemos esta Secretária de Estado e acompanhando-a naquilo que for autorizando, percebendo se não lhe passam rasteiras.