08/03/2018

O mono

Por Margarida Saavedra
(in Público, 8/3/2018)


A vereadora Eduarda Napoleão apontou para uma perspectiva que tinha sobre a secretária:

— Que me diz a este projeto de ruptura?

Foi a primeira vez que eu vi o que veio a ser conhecido como “o mono do Rato”.

— Digo que não é ruptura, é esmagamento!

Contei-lhe do projeto que existia para o local onde, à semelhança do que foi feito na intersecção da Braamcamp com a Alexandre Herculano, se projetava um jardim. Neste caso, aduziam-se mais razões: dar enfâse ao Palácio Palmela (hoje sede da PGR) e ao fontanário, testemunho da nossa história recente. Também se considerava que o Largo do Rato comportava uma série de conjuntos a preservar — Palácio dos Marqueses de Praia (sede do PS), convento de S. José e conjunto urbano a Norte, os quais ficariam valorizados pela abertura desse jardim.

— Interessante!

Vi então que o projeto jamais passaria pelo meu departamento. Anos mais tarde, sendo eu vereadora, o presidente António Costa abriu a sessão com ar contristado:

— Trago-vos a aprovação da especialidade dum projeto inquietante aprovado pela vereação PSD ao qual, infelizmente, temos de dar sequência mercê de direitos adquiridos. Eu não o teria aprovado!

Eu tinha analisado o processo e julguei dar-lhe uma grande alegria:

— Sr. Presidente, tenho uma excelente notícia para si: há neste projeto razões de facto e de direito que lhe permitem considerar nulo o deferimento!

Não foi alegria: foi fúria, gritos! Direitos adquiridos (não em caso de anulação por erros e omissões); corre o risco de pagar milhares de euros de indemnização (com erros e omissões?); este processo nem tinha que vir a votação (então porque é que veio?); não vê que não pode votar contra? (não, não vejo)...

A polémica estalou, nos jornais, na praça pública. Um grupo de lisboetas intentou uma ação administrativa especial para pedir a anulação de despacho sobre a qual ainda não foi tomada qualquer decisão. Daí a imensa perplexidade perante as declarações do presidente da câmara no passado dia 1 de Março:

* Se a câmara reconheceu direitos adquiridos (e se recusou a anular o despacho de deferimento) estavam todos de acordo! Por que decorreu um “intenso contencioso jurídico entre os promotores e a câmara”? Salvo erro, o que existe é um contencioso entre lisboetas e a câmara.
* Se, em 2010, a câmara “chegou a acordo com o promotor”, por que esteve o processo parado oito anos? Em termos da legislação aplicável, pode um processo estar “adormecido” oito anos e depois ressuscitar, sem mais nem menos?
* Se, como diz o presidente, houve um acordo, por que é que só agora “podemos tentar um diálogo com o promotor para encontrar uma solução que minore o impacto”? Então o acordo foi sobre o quê? É depois do acordo que se tenta o diálogo?

Sr. presidente: se vai ser o pai do mono não tente insultar os lisboetas com desculpas que não têm pés nem cabeça.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Arquitecta e ex-vereadora do PSD

1 comentário:

J A disse...

"indemnização"....que quase sempre está presente nestas novelas de areia para os olhos significa que, alguém do lado oficial das coisas cometeu erro(s) durante algum processo. Como estes casos se multiplicam ao longo das décadas, porque raio não se envia a cambada de incompetentes para o desemprego uma vez por todas?

Parece então mais lógico, essa tal incompetência infinita....ser deliberada e fazer parte do enredo.