28/07/2006

Esplanadas em cena

Fazendo eco da conhecida capacidade inventiva e originalidade lusitanas, eis que os dois principais teatros lisboetas (e nacionais, por sinal), o Teatro Nacional São Carlos e o Teatro Nacional D. Maria II, acabam de descobrir nova forma de produzirem espectáculos sem necessidade de verba do POC, muito menos de gestão por objectivos ou outra coisa do género. Os directores artísticos não têm ideias, só amigos? O Estado não dá orçamentos, só vende? As companhias estão defuntas, ou são mantas de retalhos? Os espectadores estão falidos, ou preferem a bola? Pois bem, a resposta é só uma: abram-se esplanadas ao público! Assim, sempre se arrecadam umas verbas para fundo de maneio dos teatros, quiçá, para pagar ao electricista ou ao amigo que imprime os dépliants da praxe. Em última instância, isso sempre servirá de exemplo aos congéneres estrangeiros do Scala, National Theatre ou Ópera Garnier, coitados, avessos ao "pugresso".

Mas, o que parece ser à partida uma obra de repertório clássico, depressa se torna bufa, se analisada de perto. Assim, e começando pelo S.Carlos constata-se que a sua esplanada não só ocupa quase toda a frente da entrada principal, tapando dois terços dos arcos daquela, como dispôs as mesas e cadeiras a seu bel-prazer, como convive diariamente, imagine-se, com a miserável fonte daquele largo-quadrado inclinado, quase sempre entupida e mal cheirosa. Já na do D.Maria II a coisa é também cómica, pois se esta foi a maneira (pouco imaginativa, diga-se) da gerência do teatro correr com a candonga e a sujidade que há anos habitava sob o alpendre do teatro, a verdade, porém, é que a esplanada não só inviabiliza inexplicavelmente aquela que devia ser a entrada principal do teatro, como reduz a imponência da frontaria do teatro a simples adereço, e, pior, sujeita os pulmões dos incautos clientes a autênticas bombas de monóxido de carbono, tal o gás libertado pelos escapes dos veículos automóveis que circulam no Rossio.

Esplanadas em Lisboa; bem mobiladas, disciplinadas e limpas, sim. À frente dos teatros é que não.

PF

1 comentário:

John le Doe disse...

Que ideia perigosa. Proponho um conjunto de medidas (alguém engendre as acções):

1- Criar uma associação de cidadãos com o objectivo de lutar contra as esplanadas à frente dos teatros;

1.1- As esplanadas à frente dos teatros são más porque:

- trazem pessoas para o centro e algumas podem ter o infeliz desejo de ali viver;
- fortalecem o orçamento dos teatros (pouco, eu sei) o que os pode levar a pensar em programar alguma coisa sem depender do Estado (o que é perigoso porque fomenta a liberdade);
- aproximam algumas pessoas dos teatros e, mais tarde ou mais cedo, acabam por querer ver algum espectáculo;
- ao contribuir, ainda que modestamente, para a sua vitalidade adiam o encerramento ou a mudança para fora da cidade;
- contêm algumas outras ameaças à desvitalização do centro e à morte da cidade;
- pode contaminar, com a ideia, algumas outras instituições moribundas que assim podem resistir mais algum tempo.


Proponho que se faça a primeira reunião na Esplanada do S. Carlos e se convide para a ocasião um par de sem-abrigo (não, não estou a ironizar, alguns deles dão verdadeiras lições de como habitar a cidade, poderá haver é gente que não as queira receber).