10/10/2007

UM TRISTE TIGRE


Hoje é dia de banda e foguetório. O palanque que acolherá os altos dignatários já se encontra montado, estrategicamente colocado face ao verdejante parque Oeste

(suficientemente perto para apadrinhar o conceito de uma cidade ecológica, suficientemente longe para ocultar dos media o estado de abandono a que o votou uma descuidada gestão camarária). Longe do Lumiar-passado. Perto da Alta de Lisboa-futuro.



Como sempre num país de festas, a aparência será superior à substância. Todos os olhos criticamente apreciarão os reluzentes vidros/muralhas acústicas, as seis-faixas-seis que permitirão um tão rápido (até ao departamento de trânsito montar mais um radar) escoamento do tráfego suburbano, os iluminados túneis que permitiram poupar um morro ao desgastante deslizar dos automóveis. Poucos ou nenhuns repararão (ou tudo farão para ignorar) nas ligações de esgoto por terminar,

na balbúrdia que ainda se mantém no Lumiar,

no Mercado que falta reconstruir,



nas instalações provisórias esquecidas por uma fiscalização da ASAE,


na ausência de concretização da projectada alteração viária do centro do Lumiar (o que se passa com isto? onde pára o projecto? terá sofrido alterações face à não-expropriação da estação de serviço?).

Os discursos seguirão juntos ao lugar-comum. A Norte-Sul que é uma mais-valia para a cidade de Lisboa. A 2ª Circular que ficará livre de engarrafamentos. Os cidadãos que chegarão num instante ao centro da cidade. A Alta de Lisboa que ficará mais perto do ideal projectado. Publicitado. Prometido.

Será mesmo assim?

Começado a ser projectado há quase 20 anos com a ambição de desviar o trânsito de passagem do centro da cidade, o Eixo Viário Norte-Sul perdeu parte da sua importância com a construção de várias infra-estruturas que lhe foram posteriores em concepção mas que o ultrapassaram em realização. O trânsito regional e nacional passou a ser primeiro dividido e mais tarde quase todo desviado para a ponte Vasco da Gama e, recentemente, para a nova A13 directa a Santarém. A Radial de Benfica permite a ligação directa ao IC19 e – para quando a sua conclusão? – à CRIL.

Do trânsito insuportável de veículos pesados e ligeiros de passagem quanto resta nos tempos de hoje? Não o suficiente para justificar tanta obra, não o suficiente para justificar uma auto-estrada em viaduto sobre uma zona urbana consolidada.

A Norte-Sul é, hoje em dia, uma via suburbana de ligação da cidade aos dormitórios da outra-banda e de Odivelas a Loures. Um modo de chegar mais rapidamente aos engarrafamentos de acesso à Ponte 25 de Abril, à 2ª Circular e à Avenida Padre Cruz.

A partir da sua conclusão o que mudará? Muito pouco. Continuarão as filas na saída para a ponte. Continuarão as filas para a saída da Avenida Padre Cruz (uma vez que a saída em túnel para a mesma desapareceu do projectado). A 2ª Circular passará a estar menos cheia (será?) e o trânsito desviado continuará a parar junto ao acesso à A1. Telheiras verá o centro mais desimpedido.

E a Alta? A Alta verá alterar-se o perfil dos seus engarrafamentos, pelo menos nos primeiros dias. Naturalmente, muitos sentirão a tentação de experimentar o novo acesso, abandonando a problemática ligação por Calvanas, a muito entupida saída pelo parque Europa desde a inauguração do colégio de S. Tomás e as muito caóticas, paradas e sofridas saídas pelo Lumiar e Ameixoeira. A Avenida Krus Abecasis, com as suas duas faixas encher-se-à rapidamente a partir das duas retardadoras rotundas para onde igualmente confluirá o trânsito agora em sentido contrário vindo da Ameixoeira e Lumiar. Trocou-se uma fila por outra. E dado que a Norte-Sul continuará com as mesmas alternativas de ligação ao centro da cidade, os moradores da Alta, mais satisfeitos porque percorreram mais rapidamente os quilómetros iniciais, encontrarão as mesmas filas entediantes de sempre. Mantém-se a filosofia habitual nos acessos da cidade: mais auto-estradas para se chegar mais depressa aos engarrafamentos.

À Alta não bastará a abertura dos três acessos previstos no Plano de Urbanização (Portas Norte e Sul e Ligação ao Eixo Norte-Sul) porque estes conduzirão inevitavelmente, mais quilómetro menos quilómetro, a engarrafamentos. A solução para os moradores da Alta passa pela implementação de uma área de serviços suficientemente atractiva que permita a médio prazo a parte dos seus moradores encontrar trabalho perto da residência e, mais importante, pela implementação de uma rede de transportes públicos rápidos com uma oferta superior à do transporte privado individual. Eléctricos de superfície. Metropolitano. Tudo soluções menos dispendiosas que esta. Tanto a curto quanto a longo prazo.

E quanto ao Lumiar, esse filho esquecido? Ao Lumiar resta-lhe esperar pela conclusão das obras cá em baixo, enquanto as palmas se esbatem, lá em cima.

Ao Lumiar resta-lhe ter esperança que seja – finalmente! – efectuado um rearranjo rodoviário que resolva o problema do duplo cruzamento da Alameda das Linhas de Torres com a Estrada da Torre e com o acesso à Padre Cruz.


Ao Lumiar resta-lhe olhar resignado para o edifício da Junta de Freguesia acachapado sob o mastodôntico viaduto.

Ao Lumiar resta-lhe esperar pela reabilitação do mercado velho já que a verba não sobrou para a construção de um novo mercado com potencial para chamar os novos residentes da Alta (e, tanto quanto sei, não está previsto nenhum para a mesma, para além do Continente do costume a colocar na malha 5) e rezar para que a ASAE não encerre as instalações provisórias.

Ao Lumiar resta-lhe cobrir os ouvidos ao tráfego constante que passará por cima das suas cabeças, fechar aos olhos os viaduto que lhe desvirtuou as vistas

e tapar o nariz ao mau ar que lhe chega dos escapes dos que passam apressados para o engarrafamento seguinte.



E esquecer, esquecer as vistas curtas dos que os governam e que tão pouco pensam na qualidade de vida de alguns dos seus cidadãos.

PS- Já agora uma palavra de apreço para todos os executivos da Junta de Freguesia (do Lumiar, da Alta de Lisboa) que souberam manter um silêncio salomónico durante o processo. Ao longo de todos estes anos, nem uma palavra publicada sobre esta temática, nem uma tomada de posição, nem um protesto pela destruição do centro do Lumiar, nem uma proposta para a requalificação da zona das demolições naqueles boletins de propaganda que chegam tarde e a más-horas às caixas de correio. É obra!


Texto de Pedro Cruz Gomes, publicado no Viver na Alta de Lisboa

4 comentários:

Anónimo disse...

O actual presidente da junta de freguesia diz ser do PSD mas agora parece que se anda a aproximar do PS... São os ventos...
Tanto que nem uma palavra sobre a miséria em que fica o Lumiar sem se saber até quando depois da passagem do eixo Norte Sul.

Anónimo disse...

Adoro, adoro, adoro!
Um dia quando for grande também sonho ter um viaduto destes a atropelar-me a vizinhança...
Pronto, confesso que se passasse a menos de 2 metros da cobertura da minha habitação, isso sim, seria a felicidade suprema!

Confesso que não sei qual é a ocupação do edifício na foto, nem tão pouco conheço bem a zona, mas há coisas que saltam a olhos vistos...

Será que ninguém teve tempo de, ao ver o avanço desta monstruosidade, fazer alguma coisa??? ou remete-mo-nos para o papel de espectador, que assiste, comenta e critica, do conforto do seu sofá?

Quem projecta isto não poderá ter assim tantas diopetrias...Então e quem aprova?
É pura falta de consideração pela cidade e por quem a habita.

mb

Anónimo disse...

Para não ser inconveniente, que belas fotografias!

Zé da Burra o Alentejano

daniel costa-lourenço disse...

parabéns pela crónica.