É hoje votado em reunião  pública da Câmara Municipal de Lisboa, às 15h, o plano de pormenor  do Parque Mayer, Jardim Botânico e zona envolvente. A CML diz querer a  participação pública neste processo, o que é de saudar. O que não é de  saudar é fazer o convite em cima do dia e disponibilizar uma ligação ao Plano de Pormenor com 791 MB de dimensão, um download impraticável para a  maior parte das pessoas (demorei 2 horas a fazê-lo; gravo os ficheiros de bom  gosto a quem quiser), sem uma ligação alternativa mais leve. Note-se também a data de  votação: 30 de Junho de 2010. Dia após jogo do Mundial de Futebol que  envolve Portugal. Dia anterior ao início de férias de muitos  portugueses. Dia anterior ao início da entrada em vigor em Portugal dos  novos escalões de IVA. Quer a CML mesmo incentivar a participação  pública e o conhecimento de todos? A mim parece-me um bom dia para  enterrar notícias e assegurar a menor polémica e resistência possível.
O plano em si é profundamente danoso  para os interesses  e missão do Jardim Botânico (JB) enquanto património dos  lisboetas, dos portugueses e do mundo, deixemo-nos de papos na língua  que os valores em causa são demasiado importantes.
Confesso já a minha ligação, profissional e afectiva, ao  Jardim. Tirei o curso de guia do jardim há 3 anos e de Setembro de 2009 a  Maio de 2010 guiei 26 visitas. Destas, 9 foram feitas pro bono e  as restantes encontram-se por pagar que a Universidade de Lisboa não é  de todo imune a problemas financeiros; são estes problemas financeiros  que nos apresentam uma universidade  conivente com este ataque à integridade física do JB. Não me move  qualquer interesse financeiro mas uma enorme paixão por aquele espaço e  pela riqueza há muito desprezada e incompreendida que alberga. E contra os meus próprios interesses falo. Financeiramente, a minha actividade  profissional, enquanto lojista perto do jardim e guia, só tem a ganhar  se forem para a frente as propostas em cima da mesa.
Mas, acima dos meus interesses individuais estão os interesses  colectivos e a integridade física e de missão do JB. Mais pessoas no  jardim? Fantástico. Mas não assim, sacrificando a missão do JB.  E esta missão sairá, no meu entender, comprometida se este Plano de Pormenor avançar.
Muito mais do que a Universidade de  Lisboa, que tutela o JB mas que, assustadoramente, apoia o que é  proposto, tem sido a Liga dos Amigos do Jardim Botânico (LAJB),  organização de que sou sócio, a fazer um trabalho heróico de defesa do  JB. E é através da LAJB que nos surgem os alertas. No blog Amigos do Botânico foi  publicada uma carta,  datada de 27 de Junho de 2010 e enviada a várias entidades, com as  preocupações principais da LAJB em relação ao que se prevê venha a ser  aprovado para o JB. Note-se que desde Junho  de 2008, há mais de 2 anos, que a LAJB expressa as suas  preocupações, por escrito, para a CML e para o atelier Aires Mateus, ao  contrário do que é afirmado hoje publicamente de que estas preocupações  seriam novas. Aliás, existe uma reportagem de televisão com o Arquitecto  Ribeiro Telles a expressar ao Vereador Sá Fernandes publicamente o seu  desacordo ao que se pretende fazer, invocando, por exemplo, o problema  da circulação do ar entre as colinas e a baixa, que será fortemente perturbada. 
Nada disto é novo. Mas, como a  escolha da data indica, o importante para a CML, para a UL e para os  projectistas parece ser marcar golo a qualquer custo e o mais rápido  possível, mesmo se com uma mãozinha dentro da área. Ao contrário do que  afirma o vereador Manuel Salgado na moção a votos hoje, penso não estarem  respeitados todos os preceitos legais. Tanto quanto sei, por exemplo, não  foi ainda a consulta pública a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE)  sobre as profundas alterações que a CML quer para todo o eixo da Avenida  da Liberdade, incluindo as alterações implicadas neste plano de  pormenor. Como escrevi acima, estranho a pressa, estranho a data.
Mas, afinal, quais são as  preocupações da LAJB - e minhas? O que é que está em causa? A ir para a  frente o plano apresentado, a LAJB teme que (coloquei entre aspas excertos da carta da LAJB):
1. Será feira a desafectação  de uma grande área e  demolição de infraestruturas vitais a um Jardim Botânico. "As  estufas de exibição e estufas viveiristas, os herbários e laboratórios e  todas as oficinas de carpintaria, mecânica e armazéns de máquinas e  alfaias (tractores, etc) serão demolidos para darem lugar a novos  imóveis que não servem a missão de um Jardim Botânico. (...)" Note-se  estes novos edifícios serão galerias comerciais e afins.
2. Que a construção do novo  edifício de entrada no Jardim Botânico terá consequências negativas.  "A sua construção, no alinhamento do final da Rua Castilho, ocupa e  impermeabiliza a totalidade da actual área dos viveiros do jardim. O  plano propõe que as "estufas" passem para cima deste edifício. Esta  solução não é viável porque as diferentes estufas de um Jardim Botânico  têm características arquitectónicas e exigências de localização muito  diversas. As estufas de investigação e viveiristas devem estar longe das  entradas e circuitos de visitantes enquanto que as primeiras, de  investigação, devem, também, estar junto dos laboratórios. Já as estufas  de exposição ao público, onde se incluem plantas de grande porte,  precisam de pé direito alto e localização central." 
3. Seja construído um  estacionamento subterrâneo no subsolo do  jardim, em toda a área da entrada sul. Note-se que como não  conseguiram fazer este estacionamento subterrâneo no Jardim do Príncipe  Real atacam agora no Jardim Botânico. "Esta intervenção pesada,  com abertura de caves, implicaria o abate de várias árvores da colecção  viva. Uma impermeabilização destas compromete, também, a viabilidade de  espécimes devido à limitação de desenvolvimento de raízes. A proposta  demolição do edifício da antiga Cantina (1940) é desnecessária (porque  recuperável) e nefasta à colecção contígua de Plantas Xerófitas, onde se  incluem dragoeiros de interesse histórico e a iuca gigante." 
4. Se avance com edifícação  encostada à cerca pombalina do Jardim Botânico. "Esta  intenção resultaria em mais uma impermeabilização maciça e contínua em  quase toda a envolvente de logradouros confinantes com o Jardim Botânico  - isto inviabilizaria as intenções de manter um anel de protecção  ecológica do jardim. Esta zona tampão não pode ser destruída para  garantir o regime hidríco, a saúde do sistema radicular e a circulação  de ar. Esta alteração radical da zona de protecção degradaria  irreversivelmente o ambiente e os exemplares deste Monumento Nacional."
"Apesar de se afirmar que os propostos  edifícios  encostados à cerca pombalina corresponderiam a «um aumento da área do  Jardim Botânico» temos de alertar que um edifício com uma cobertura em  laje de betão revestida de plantas nunca cumprirá a função na ecologia  urbana de um logradouro ou jardim."
5. Que o novo percurso pedonal  que ligaria a Rua da Escola  Politécnica à Rua do Salitre e ao Parque Mayer destrua parte da Cerca  Pombalina e roube área ao jardim. "Esta proposta  implicaria a destruição de largos sectores da Cerca Pombalina e  retiraria áreas de colecção viva. A suposta localização deste percurso  no exterior do Jardim implicaria complexas expropriações de áreas  privadas. A sua eventual construção iria aniquilar a ligação do Jardim  ao seu anel de protecção ecológico. O trecho inical proposto (Alameda  das Palmeiras até ao topo Norte) subtrairia, ainda, um corredor de  jardim, com espécies internacionalmente protegidas, apenas para dar  acesso a uma galeria comercial."
6. Que se avance com o aumento  das  cérceas defendido para vários edifícios na Rua do Salitre.  "Este  problema já se constata nas intervenções mais recentes e a decorrer. A  ser continuamente implementado este aumento das cérceas, o Jardim  passaria a estar limitado por uma frente de edifícios que, devido à  nivelação de todos os prédios pela cota mais alta, terá um efeito de  muro em quase todo o seu perímetro. A circulação de ar ficaria  impossibilitada e a temperatura no interior do jardim aumentaria  significativamente. Esta alteração micro-climática levaria à perda de  espécies, que não suportarão as novas temperaturas, diminuindo a  diversidade do Jardim e o seu efeito amenizador no clima da Lisboa  histórica. Outro efeito negativo seria a destruição do sistema de vistas  entre as colinas de Lisboa e o Jardim."
No seu conjunto, estas medidas  resultarão num jardim mais pequeno, que perde as estufas  originais do século XIX, que não as vê satisfatoriamente  substituídas, que tem de abdicar de áreas de colecção viva para  várias novas edificações e que vê o seu clima profundamente alterado,  com flutuações mais extremas de temperatura e humidade, perdendo  parte do seu espólio vivo, plantas, muitas de grande porte, que não  se conseguirão adaptar às novas circunstâncias.
Só um grande movimento cívico  pode atenuar o que se propõe fazer. Informem-se, divulguem esta  questão. Façam-se sócios da LAJB (por uma anuidade de 10€ têm  acesso gratuito ao Jardim Botânico todo o ano), ajudem a criar uma plataforma  cívica sobre esta questão. A LAJB, um conjunto de pessoas com vidas  profissionais cheias que doam o seu escasso tempo, está a defender o  que é de todos nós, precisa do nosso apoio
Ajudem a travar a violação à  integridade do Jardim Botânico da Politécnica. O JB precisa de ser  melhorado, apoiado, mas não pode ser esquartejado nem usado como moeda  de troca da Universidade de Lisboa para conseguir o apoio da CML à recuperação  do Museu Nacional de História Natural. Este jardim é Património  Nacional. É altura de tratá-lo como tal.PS- se quiser gravar os ficheiros do Plano de Pormenor basta passar na Rua do Monte Olivete, 40, Lisboa, entre as 12h e as 20h durante a semana, 10h-18h ao Sábado e trazer um DVD virgem (791 MB não cabem num CD).

5 comentários:
A ideia de um estacionamento subterrâneo no subsolo do jardim...é o que mais me assusta. A pérola escondida de Lisboa deve ser tratada com luvas de seda...e aqui já há botas cardadas em demasia.
Infelizmente a proposta passou, com os votos a favor do PS e abstenção do PSD...
Temos agora que lutar para minimizar os danos.
O plano não está aprovado, só foi aprovado para continuar o processo, agora para a CCDRLVT. Há faltam diversos passos, incluindo a discussao publica. (http://www.ionline.pt/conteudo/67222-camara-lisboa-aprova-plano-pormenor-o-parque-mayer)
Esta sim, é uma luta legítima contra um atentado contra um movimento especulativo do solo da nossa cidade, que não respeita o património cultural, natural e urbanístico, pois subverte a lógica da encosta toda entre a Avenida e a Sétima Colina. Por isto temos que lutar, folgo em ver que é uma luta com sentido, ao contrário duma tolice teimosa que este movimento levantou recentemente contra o abate de umas árvores decrépitas e de um saibro que faz pó nos sapatos. Recupereram as causas valorosas e podem contar comigo em mais este protesto, assim se mova o povo lisboeta. Aguardamos neste blog a divulgação de formas de protesto.
Força, RPL, e conta comigo!
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