25/03/2012

General, prisioneiros e artistas fazem calçadas há 170 anos


Memorial a John Lennon no Central Park, em Nova Iorque


"E é com um apelo que remata: "Espero que a sensibilidade e entusiasmo dos criadores consigam que o interesse dos produtores não esmoreça. Há que continuar a lutar com a falta de sensibilidade, nomeadamente nas instâncias do poder e nos meios de informação"


Por Carlos Filipe in Público


Foi aos ziguezagues que tudo começou, em 1842, na praça de armas do Castelo de São Jorge, que aquartelava o Batalhão de Caçadores 5 e os prisioneiros do tenente-general Eusébio Furtado. Do militar nasceu a ideia de a calçar com pequenas pedras de formato irregular. Nasceu a calçada portuguesa, com o recurso do trabalho dos reclusos, mão-de-obra barata do tenente-general. Bem diferente do que hoje acontece, quando um trabalho de qualidade, artístico, se faz pagar a 80 euros por m2. Já o vidraço de calcário branco poderá orçar em 20 euros/m2
Existe calçada onde haja portugueses, ou por razões que nada têm a ver com a portugalidade, como é o memorial ao cantor John Lennon, assassinado em Nova Iorque. No Central Park, designers e artistas italianos conceberem em pedra um círculo com a palavra Imagine, título do álbum de 1971 da banda britânica.
E do desenho aos ziguezagues se partiu para o Mar Largo, às ondas, desenhado em 1848 nos 8712 m2 da placa central do Rossio, que depois foi copiada no calçadão de Copacabana, no Rio de Janeiro, aplicada pelo artista Roberto Burle Marx. Orgulhosas do património, as prefeituras do Rio, de Belo Horizonte e de São Paulo têm procurado técnicos especializados para proceder à recuperação daqueles tapetes, tantas têm sido as queixas de munícipes irados com o desconforto actual. Daí as deslocações frequentes de equipas da CML ao Brasil para formar novos calceteiros e, por uma questão de honra, como disse ao PÚBLICO Luísa Dornelas, "fazermos nós próprios alguns troços de calçada."
Muitos artistas aplicaram a sua criatividade em ruas e praças de Lisboa. O pintor Pedro Calapez foi um dos artistas plásticos convidados para realizar uma composição gigante em granito junto à Porta Sul para a Expo"98.
"[A calçada] É um meio sedutor e eficaz para a criação de pavimentos, sejam passeios ou espaços largos de circulação, pedonais ou não, nas cidades onde vivemos ou deambulamos, pois permite inovação e experimentação", disse ao PÚBLICO.
O pintor explica estar ciente da dificuldade de encontrar, hoje, quem faça boa calçada: "Num trabalho recente na Costa da Caparica foi difícil encontrar quem fizesse convenientemente o trabalho. O problema não se circunscreve apenas à calçada, mas de um modo mais geral à criação de pavimentos, que tantas vezes são substituídos por placas de betão cinzento, sem qualquer cuidado visual ou de conforto físico."
E é com um apelo que remata: "Espero que a sensibilidade e entusiasmo dos criadores consigam que o interesse dos produtores não esmoreça. Há que continuar a lutar com a falta de sensibilidade, nomeadamente nas instâncias do poder e nos meios de informação."

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