21/09/2010

Rua da Conceição agitada pelo novo esquema de trânsito da Baixa lisboeta

In Público (21/9/2010)
Por Carlos Filipe


«Ligação entre a Sé e o Chiado mistura transporte público e particular e tenderá a ficar saturada

Sinalização horizontal vai terde esperar mais alguns meses
Buracos mantêm-se

Está em vigor, desde sábado, a primeira parte de mais um novo esquema de circulação automóvel na Baixa de Lisboa. E com potencial carga polémica. Foi aprovado em sessão camarária de Junho e substitui o que vigorava desde 2009, que gerou discussão sobre os seus méritos e defeitos, contrapondo os argumentos da Câmara Municipal aos do Automóvel Clube de Portugal.

O curioso é que foi o actual vereador, Fernando Nunes da Silva, que propôs o modelo em execução, o subscritor da proposta alternativa da associação de automobilistas. Prevaleceu o projecto camarário, que não gerou consenso.

Para já, a peça-chave do quebra-cabeças é a Rua da Conceição, aberta a transporte público e particular, e que deverá saturar, com frequência, o ar respirável dos (poucos) residentes, a tranquilidade do negócio dos (muitos) comerciantes e a paciência dos automobilistas.

Porém, e para os indefectíveis do carro, atalhar pela Baixa, de colina em colina, da Sé para o Chiado, ainda pode ser a melhor opção.

Logo no segundo dia do novo esquema caiu o "pregão" de António Costa, segundo o qual "aos domingos o Terreiro do Paço é para as pessoas". É verdade que o novo esquema prevê a passagem de veículos particulares, nos dois sentidos, pelo lado sul da praça, junto ao Cais das Colunas. Mas de futuro, também aos domingos? Um cortejo, lentamente, compactou-se até à entrada do Cais do Sodré. Eram 17h, corria (e corre) a Semana da Mobilidade.

Arsenal ou infernal?

Se assim está previsto daqui por diante, então será um dos locais a evitar. Aliás, toda a circulação pelo Cais do Sodré é uma infâmia. Diz-se que assim tem de ser, enquanto não avançar nova messiânica alteração de circulação de transportes públicos, que só entrará na Rua do Arsenal quando deixar a Ribeira das Naus e virar à esquerda para o Corpo Santo.

Por ali há, agora, uma zona expectante que passou a ser de estacionamento (ad hoc). Há um parque de estacionamento de difícil acesso (e que na fila de entrada complica a vida do bus). E há outro previsto, subterrâneo, do lado do rio. Mas isso só quando for requalificada a Ribeira das Naus.

A Rua do Arsenal - que entre os moradores e comerciantes é classificada como infernal - tem no seu acesso, na Bernardino Costa, uma placa de zona 30 (limite máximo de velocidade: 30 km/h). Até ao Corpo Santo convivem todos os tipos de transportes, e a partir daí os veículos da Carris tomam-na para si em possante cavalgada e enchem a rua, que parece tomada por um "rio amarelo" - a cor da Carris, até ao Terreiro do Paço, antes de romper pelas ruas da Prata e da Alfândega.

Voltar ao mesmo

Delfim Santos, de 75 anos, está na Conceição para apanhar o carro da Graça (o eléctrico 28). Foi à Caixa Geral de Depósitos, mesmo nas suas costas, e já vai lamentando a sua vida, pois os carros vêm cheios. Nota diferenças e recorda que por ali já passaram carros nos dois sentidos, que noutra ocasião os automóveis eram desviados para a Rua Nova do Almada e depois seguiam pela de São Julião. Mas também nota que agora é ao contrário, que por São Julião se acede à da Nova do Almada, e que por ali se pode chegar ao Chiado, mas também pela Calçada do Sacramento. O que não se pode é fazer algumas viragens à direita, para entrar na Rua da Prata, por exemplo, via ruas da Madalena e Comércio.

"Isto pode dar sarilho devido às paragens dos eléctricos", nota Delfim Santos. "Olhe, não sei, não sei, o que não podem é tirar daqui o eléctrico, pois se o tiram deixo de poder vir à Baixa", diz e avança, com dificuldade, para o estribo do 28.

Quem não tem dúvidas é o presidente da Junta de São Nicolau, António Manuel, que num comunicado, ainda em Agosto, colocava reservas à eficácia deste sistema. E identificava os problemas na Conceição: volume de tráfego desadequado às suas características; por não salvaguardar a segurança dos peões e dos patrimónios municipal e arqueológico; por degradar seriamente a qualidade do ar. E, em síntese, pedia a suspensão do plano.

Ouvem-se silvos, dos apitos da Polícia Municipal, condescendente para com os automobilistas, que olhando para a sinalização diziam desconhecer as mudanças. A abordagem do jornalista é infrutífera: "Não posso falar sobre esse assunto." Obviamente...

Os turistas desconhecem o que passa. Há-os muitos, ainda, acumulam-se na Rua do Comércio para a viagem panorâmica, ou pelo arco da Rua Augusta acedem ao rio. Ali se deslumbram até se depararem com outra infâmia: o esgoto de Lisboa, que desagua no Tejo. As gaivotas aplaudem.

...

Estava-se a ver que fazer voltar os carros nos 2 sentidos da Rua da Conceição seria um erro crasso. Além do mais, perigoso para os peões, ainda ontem assisti à iminência de um atropelamento grave, uma vez que os srs.condutores que vêm do Chiado e viram à direita na Rua do Ouro fazem-no sem ter em conta que muitas pessoas estão habituadas a atravessar à vontade esta última, desde há vários anos, ainda que fora das passadeiras... Toca a fazer voltar tudo ao que estava, S.F.F.

7 comentários:

Anónimo disse...

Lisboa sofre experiências mandato após mandato.
Porque falta bom senso, aplicar modelos de gestão de trafego numa cidade antiga e troncada pelo rio, têm se revelado um perfeito disparate.
Os argumentos são vários e variados, que começou com a grande estupidez, incuria de técnicos arquitectos, engenheiros e outros na gestão de pontos criticos procurando desta forma levar a sua avante a todo o custo.
1ª estupidez: não considerar a via ao longo do rio com uma avenida marginal devidamente planeada e arborizada
3ª estupidez: projectar enterrar ou recuar a linha do Estoril até Alcantara. Deveria começar a enterrar desde a Cruz Quebrada.
4ª estupidez: A estação fluvial do Cais do Sodré provoca um funil e estrangula o trânsito.
5ª estupidez: Os edificios da Agencia europeia de Navegação e o Observatorio da Toxicodependncia, condicionaram toda a zona e têm implicações graves na resolução do trânsito. Para além de demonstrar um total incapacidade dos arquitectos portugueses em lidar com o passado e a cidade antiga. São de facto os edificios mais feios da cidade.
6ª estupidez: A alteração e desenho do Terreiro do Paço e a interdição e condicionamento da circulação-uma faixa de rodagem e a não circulação na praça.
7ª estupidez: os novos projectos para a frente rio até Santa Apolónia, vão consumir uma oportunidade única. Esta zona é de facto a ultima área passivel de permitir uma renovação sustentavel social e urbana do centro histórico.
8ª estupidez: colocar os mesmo técnicos que realizaram, Chelas (bairros de pobres), Alta do Lumiar (bairro de pobres e assim assim) ou a Parque Expo (Bairro de remediados e de emergentes) demonstra por parte dos nossos governantes uma incapacidade de avaliar o desastre social que ambas as situações provocaram e têm vindo a provocar.

Em resultado destas situações teremos uma cidade adiada, pois estas intervenções serão corrigidas a médio e longo prazo disso os lisboetas estarão certos, é a inevitabilidade do território da cidade de Lisboa.

Filipe Melo Sousa disse...

As pessoas que propõem estes esquemas de circulação já foram ver in loco como esta porcaria está a funcionar? As filas intermináveis de trânsito que isto origina.

Paulo Nunes disse...

Para quem mora na baixa ou junto ao Rio (no meu caso em S. Miguel, Alfama) esta ideia em apostar no Terreiro do Paço sacrificando tudo e todos, de asneira em asneira, é lamentável se não se tornar trágico.

A ideia de reduzir para apenas duas faixas de rodagem a travessia junto ao Rio é tipica de quem está sentado num gabinete e não sente a cidade. O erro já é por demais evidente mas a teimosia parece prevalecer em detrimento da usabilidade da cidade... este plano de circulação é mais um espasmo ... espero que o último.

Afinal temos profissionais à frente da CML ou académicos e curiosos? Onde mora, vive e circula esta gente?

O transito e o ruído não só permanceram (agora quase sempre parados em fila) como foram contaminar outras zonas porventura com maior potencial pedonal.

Sim ... porque razão não se aposta na pedonalização da zona interior desde St. Apolónia ao Mercado da Ribeira (R. Jardim do tabaco, Terreiro do Trigo, Cais de Santarém, Campo das Cebolas, Arsenal)? Nem só de rio vive a cidade.

Aproveitem-se ao menos as obras do terminal de cruzeiros para arrumar a casa e, já agora, colocar uma estação de metro em Alfama onde poucos podem ter ou sequer utilizam carro próprio (julgo que está prevista mas só acredito depois de a ver construida)!

Já agora que falamos de metro ... alguém consegue explicar porque razão no Terreiro do Paço não há uma entrada do lado terra no Campo das Cebolas? Para quem se preocupa com segurança, Obrigar os residentes a atravessar a Infante D. Henrique para utilizar o Metro (à noite é particularmente desafiante) é algo particularmente estranho ... mas deve ter uma explicação, claro.

Filipe Melo Sousa disse...

"O transito e o ruído não só permanceram (agora quase sempre parados em fila) como foram contaminar outras zonas porventura com maior potencial pedonal. "

precisamente

Anónimo disse...

Isto está lindo até FMS protesta!
O rapaz faz-se!

Anónimo disse...

Hoje no DN (porta voz do governo) em chamada de 1ª pagina "Governo Civil de Lisboa alerta sindicato para a concentração de polícias não afectar piso do Terreiro do Paço"

Isto é inacreditável!


http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1668001

Xico205 disse...

Um amigo meu guarda-freio conseguiu demorar uma hora de electrico do T. do Paço ao Cais Sodré e 10 minutos do Cais Sodré a Santo Amaro, espectaculo!!!

O electrico 28 agora regista ainda mais atrasos, 40 minutos para chegar da Sé ao Chiado, com os passageiros todos a reclamar e os turistas com cara de parvos a olhar para toda a gente sem perceberem porquê que o electrico não anda.
Palavras para quê: digo e repito,
O ANTÓNIO BOSTA É O MÁIÓR!!! Viva o PS. E viva a mobilidade que eles promovem e a preferência pelo transporte publico.