18/01/2013

Bruxelas reforça cerco à poluição do ar e quer processar 17 países.




Bruxelas reforça cerco à poluição do ar e quer processar 17 países
Por Ricardo Garcia

Portugal está entre os Estados-membros que devem receber em breve uma notificação da Comissão Europeia. E até ao final do ano, vem aí um novo pacote legislativo


A Comissão Europeia vai abrir novos processos contra nada menos do que 17 dos seus 27 Estados-membros, incluindo Portugal, por incumprimento das normas sobre a poluição atmosférica. Cartas formais de notificação serão brevemente enviadas por Bruxelas aos diversos países, no início de um procedimento que pode, no limite, conduzir a pesadas multas, de milhões de euros.
Portugal é um dos quatro membros da UE que já foram condenados pelo Tribunal Europeu de Justiça pela poluição do ar. No caso português, a sentença, de Novembro passado, concluiu que o país não cumpriu os limites máximos de partículas no ar entre 2005 e 2007. Mas nesta decisão inicial não foi fixada qualquer pena. 
Se o país não convencer agora a Comissão de que fez ou está a fazer tudo para cumprir as normas, o novo processo poderá chegar à barra do tribunal até ao final do ano. Só então, perante uma decisão desfavorável, é que haverá lugar à aplicação efectiva de coimas.
Segundo a fórmula de cálculo utilizada por Bruxelas, o valor máximo de uma multa a aplicar a Portugal por infracção aos tratados ou à legislação europeia é de cerca de 140.000 euros por dia, mais um mínimo fixo de dois milhões de euros. A Comissão abriu há um ano um processo no Tribunal Europeu contra a Polónia, no qual reclama uma multa de 71.521 euros por dia pelo facto do país não ter transposto totalmente a legislação comunitária sobre a qualidade do ar.
Obrigar os Estados-membros a cumprir a legislação já existente é um dos passos que a Comissão Europeia quer dar em 2013, declarado como o Ano do Ar pelas autoridades europeias. Até ao fim do ano, Bruxelas espera ter pronta também uma proposta de revisão da legislação.
A luta contra a poluição do ar na UE somou importantes vitórias ao longo dos últimos anos. As emissões de dióxido de enxofre (SO2), um gás que causa problemas respiratórios, dores de cabeça e indisposição, caíram 54% entre 2001 e 2010, segundo dados da Agência Europeia do Ambiente. Houve ainda uma redução de 15% nas emissões de partículas, 26% nos óxidos de azoto (NOx), 10% na amónia (NH3), 27% nos compostos orgânicos voláteis e 33% no monóxido de carbono (CO).
As emissões caíram, mas os problemas não ficaram completamente resolvidos. Alguns poluentes continuam a inspirar preocupação, como as partículas, o ozono (O3) e o dióxido de azoto (NO2), que permanecem presentes no ar em quantidades que não tranquilizam.
"Temos vindo a ver as emissões a cair, mas a concentração de alguns poluentes estagnou", afirma Scott Brockett, chefe da equipa da qualidade do ar na Direcção-Geral do Ambiente, da Comissão Europeia.

Longe da OMS

A legislação europeia começou por tratar das fontes dos poluentes, depois passou para a sua concentração no ar. Agora, o que mais preocupa é a exposição individual de cada um. E, neste aspecto, os limites actuais admitidos na UE estão longe do que a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera seguro.
Em 2010, segundo as normas europeias, 21% dos europeus estiveram expostos a níveis prejudiciais de partículas, 17% por cento a picos a mais de ozono e ninguém a dióxido de enxofre em excesso. Mas, pelos cânones da OMS, estes números deveriam ser de 81%, 97% e 58%, respectivamente. "Mesmo que a legislação seja cumprida [quanto a fontes de emissões], continuamos a criar um fardo para a saúde dos cidadãos", diz a directora executiva da Agência Europeia do Ambiente, Jacqueline MacGlade.
Mais uma vez, os números revelam que não é uma preocupação vã. Cerca de 430 mil pessoas morrem prematuramente por ano na Europa devido à exposição exagerada a partículas muito finas, com um diâmetro 20 vezes menor do que o de um fio de cabelo, segundo um estudo publicado em 2012, no âmbito de um projecto da Organização Mundial de Saúde sobre o impacto das doenças no mundo.
Se a Europa respeitasse os níveis de exposição à poluição do ar que a OMS recomenda, os habitantes de algumas das cidades mais poluídas ganhariam muitos meses de expectativa de vida - 22 meses em Bucareste, 19 em Budapeste, 14 em Barcelona e 13 em Atenas, de acordo com os resultados do projecto Aphekom, sobre o impacto da poluição em várias zonas urbanas europeias.
Nas palavras de Jacqueline Mac-Glade, a poluição do ar é um "assassino invisível". Mas também causa males menores - como problemas respiratórios passageiros - a cinco milhões de pessoas, com grandes prejuízos pessoais e económicos.
Apesar destas cifras, e a não ser em episódios localizados pontuais, o problema em geral parece de certa forma escondido da opinião pública e, em certa medida, dos decisores. "A atenção política foi desviada para as questões climáticas e da energia", afirma Scott Brockett.

Pacote pronto em Setembro

É por isso que a Comissão quer agora recolocar o tema na agenda. Bruxelas tem um plano estruturado para mexer no assunto ao longo deste ano, pondo em primeiro lugar ordem no cumprimento da legislação existente, para depois propor novas medidas. "Não seria realista adoptar novos limites [de poluição] antes de se resolver os problemas de incumprimento", justifica Brockett.
Daí a intenção de abrir novos processos de infracção contra vários países. Até ontem, Portugal não tinha recebido qualquer notificação de Bruxelas, segundo informação do gabinete de imprensa do Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território.
A Comissão quer rever a estratégia actual, definida em 2005, e lançar novos objectivos de redução para a poluição do ar para 2020, 2025 e 2030. Nos planos está também a revisão da directiva sobre os tectos de emissões - quantidades máximas que cada país pode emitir para vários poluentes -, a criação de uma nova norma de qualidade do ar para os automóveis (a Euro-6) e a adopção de legislação para pequenas unidades de combustão, como menos de 50 megawatts de potência.
Se tudo correr como Bruxelas prevê, em Setembro a Comissão deverá ter um pacote pronto para submeter aos governos e ao Parlamento Europeu, para aprovação possivelmente em 2015.As citações deste trabalho foram obtidas em Copenhaga, numa viagem a convite da Agência Europeia do Ambiente




Entrevista

"A poluição do ar é um assassino invisível"
Por Ricardo Garcia in Público


A directora executiva da Agência Europeia do Ambiente, Jacqueline MacGlade, diz que os alertas dos seus relatórios sobre a poluição do ar são ouvidos. Ainda assim, há muito por fazer.
Os níveis de poluição do ar têm caído substancialmente na Europa. Por que estão ainda tão preocupados?
Tem razão, temos feito muito na Europa, através da legislação quanto a veículos, instalações industriais, numa abordagem às fontes. Mas a química do sistema atmosférico é muito complexa. Mesmo que consigamos controlar alguns poluentes, não é claro que o que ainda sai cá para fora não cause problemas. O conhecimento científico está a evoluir e é este conhecimento que nos faz dizer que temos de prestar atenção agora à qualidade do ar. A poluição do ar é um assassino invisível. Não haver provas de que há perigo não é o mesmo que haver provas de que não há perigo. E, à medida que a nossa ciência avança, começamos a encontrar estas provas. Devemos estar preocupados, e estamos.
O que ainda falta para ser regulamentado?
Fizemos um estudo para 11 mil instalações industriais, demonstrando que o seu custo para a saúde humana e os ecossistemas é da ordem de 170 mil milhões de euros. No entanto, um número muito pequeno destas instalações - 191 - contribui com 50% destes custos. Nalguns casos, ou têm de fechar ou têm de melhorar radicalmente. Mas e as outras? Muitas delas estão a cumprir a legislação, mas ainda estamos a receber um fardo de poluentes que é muito alto. E não estamos nem perto de cumprir as recomendações da Organização Mundial de Saúde [OMS].
A UE deveria adoptar estas recomendações?
Uma das mais importantes mensagens é que a Europa deveria tentar atingir os níveis recomendados pela OMS. Estamos um tanto longe nalgumas áreas críticas, como o ozono ou os óxidos de azoto. Mas temos também de reconhecer que a Europa não é homogénea. Temos de trabalhar mais nalgumas partes do que noutras. É uma questão de compreender o problema a partir de todos os ângulos, e não apenas escolher um, dois ou três e achar que vai funcionar.
Há grandes discrepâncias entre as emissões reais dos automóveis e as que são obtidas nos testes para a sua aprovação. Isto não a preocupa?
Sim, há anos que escrevemos sobre isto nos nossos relatórios.
E alguém os ouve?
Sim. Primeiro, tivemos de dizer que havia um problema. Agora, satisfaz-me ver que as pessoas estão a falar do problema. É um passo muito importante. Mas ainda há um desafio pela frente. Estamos a ver como podemos explicar ao consumidor que compra um novo veículo que, se acrescentar um ar condicionado, aparelhos electrónicos, aquecedores de bancos, todos os extras, um veículo que emitiria, por exemplo, cem gramas de carbono por quilómetro, acabaria por ter 140 gramas por quilómetro. Um dos mais poderosos argumentos hoje é que isto é mais caro. Tudo o que se adiciona a um veículo acrescenta não só mais poluição, mas também custos. A maior parte das pessoas não faz ideia de que a sua forma de conduzir e os extras que acrescenta afectarão o que se tinha como um bom investimento num veículo "verde".
Com novos combustíveis fósseis não-convencionais e com o carvão a tornar-se mais barato na Europa, teme que se dê um passo atrás em termos de poluição do ar?
Temos de abordar os combustíveis fósseis em conjunto com a qualidade do ar. Um centro de energia, mesmo que utilizando a tecnologia do carvão limpo, não pode lançar cargas de poluição maiores do que as de hoje. No entanto, estamos a ver hoje uma proliferação - não tanto na parte "controlada" da economia, já que as grandes empresas sabem que têm de demonstrar que as suas instalações são "limpas" - uma proliferação de pessoas que estão a voltar-se para outros recursos naturais, como a lenha, assim aumentando o problema da má combustão. Nas estações de monitorização da Grécia, por exemplo, começam a aparecer mais PAH [hidrocarbonetos policíclicos aromáticos] e fuligem, como não se via antes.
Portugal aparece nos relatórios europeus sobre qualidade do ar relativamente bem posicionado. Isto é razão suficiente para estarmos descansados?
Não. Quando se vive num ambiente urbano, está-se sempre exposto a potenciais contaminantes. Também estão numa parte da Europa em que as alterações climáticas vão ter grandes impactos. Fogos florestais lançam tremendas quantidades de partículas no ar. E se considerarmos que passamos 90-95% do tempo das nossas vidas em espaços fechados, há novos problemas associados a isto. As pessoas devem estar preocupadas com a sua exposição à poluição do ar ao longo da vida e forçar os Governos a adoptarem normas e legislação mais fortes.


3 comentários:

Filipe Melo Sousa disse...

O estado multa o próprio estado. O dinheiro da multa passa do bolso direito do dinheiro público para o bolso esquerdo. Toda a gente infringe a pretensa norma, toda a gente paga, toda a gente recebe. A não-notícia no seu explendor.

Xico205 disse...

E os carros oficiais dos politicos continua a ser de alta cilindrada, precisamente os mais poluentes! Com ferros matas com ferros morres.

Filipe Melo Sousa disse...

A política do Costa está a ser um "sucesso". Com a emigração, as falências de empresas e as pessoas que vão viver para fora de Lisboa, e a cidade morta, ele conseguiu reduzir o tráfego automóvel. Vivemos cada vez no melhor dos mundos.