16/03/2005

Ainda sobre o debate de ontem,

aqui fica o balanço do "Diário de Notícias", sob o título de "'Dossier' Inglesinhos o tempo passa mas o filme repete-se" e pela pena justa da jornalista Maria João Pinto. Eis a totalidade do texto:

"Bens de valor patrimonial deixados ao abandono, promotores que se permitem apresentar projectos lesivos, legislação que oscila entre a omissão e a permissividade, cidadãos que não conseguem encontrar interlocutor nos organismos do Estado ou da administração local, vozes qualificadas a "clamar no deserto" há largos anos - como um filme que se repete, a anunciada conversão do Colégio dos Inglesinhos em condomínio fechado encontra paralelismos numa longa sucessão de casos idênticos.

No debate que, segunda-feira à noite, se realizou por iniciativa do Forum Cidadania Lisboa e do Centro Nacional de Cultura (CNC), Gonçalo Ribeiro Telles lembraria alguns desses casos - da destruição das quintas do Paço do Lumiar ao vale de Chelas - e aquela que considera ser a raiz deste quadro recorrente da estrutura natural à memória da cidade, "tudo se transformou numa 'área de oportunidade' porque tudo está à venda'". Perdas sucessivas "de que seremos responsabilizados", como referiu, por seu lado, o olisipógrafo José Luís de Matos, e cuja sistemática repetição "nos mostra como Portugal tem do património uma visão terceiro-mundista", na expressão de Matilde Sousa Franco.

Pela voz da directora municipal de Reabilitação Urbana, Mafalda Magalhães Barros, e de técnicos da Unidade de Projecto do Bairro Alto e Bica, a assistência que lotou a sala do CNC ficou a saber que, na sua primeira versão, o projecto da Amorim Imobiliária "esventrava por completo" o interior dos Inglesinhos. "Recusando ver-se no banco dos réus" pela luz verde que o empreendimento obteve da autarquia e do Ippar, os mesmos técnicos consideraram que, não fôra a sua "luta e duras reuniões com o promotor", o projecto não teria conhecido as "três ou quatro versões" que teve até hoje. "Movemos Céu e Terra para que o promotor o alterasse", referiu Helena Pinto Janeiro, historiadora daquele gabinete, "num movimento inédito no seio da Câmara de Lisboa, para que se salvaguardasse o máximo de elementos de valia patrimonial, e conseguimo-lo - o Colégio dos Inglesinhos não será destruído nem descaracterizado e o essencial será preservado".

As afirmações do Gabinete do Bairro Alto não chegam, no entanto, para apaziguar a apreensão dos moradores que têm contestado um projecto cuja finalidade já mudou várias vezes - de "clube residencial para idosos acamados" a "loteamento de luxo", guindado, mais recentemente, a "intervenção-modelo de recuperação de património", na linguagem promocional do mercado imobiliário. Para o cineasta José Fonseca e Costa, há razões para essa apreensão, seja pela "ausência de diálogo", seja pelos "pormenores inquietantes que a consulta do processo forneceu". Na mais nova versão do projecto, "os pontos mais agredidos serão os jardins e a ala virada à estreita Rua Nova do Loureiro", onde surgirá um novo corpo, servido pela abertura de vãos no muro de contenção atribuído a Carlos Mardel.

"O que verificamos", referiu o arquitecto Raul Hestnes Ferreira, "é que a intervenção aprovada nada tem a ver com as três únicas acções que se podia ter nos Inglesinhos - restauro, reabilitação, beneficiação". A interposição de uma providência cautelar, em apreciação em tribunal, não teve, até ao momento, efeitos práticos no terreno "A obra prossegue, sendo já vários os elementos demolidos".

O facto de "tudo isto ter sido aprovado sem consulta pública" constituiu, para a generalidade dos presentes, outro motivo de perplexidade, tanto mais que intervenções em zonas históricas requerem cuidado extremo. A necessidade de equipamentos que sirvam a comunidade seria, de resto, várias vezes sublinhada e apontada como a via mais adequada ao perfil do imóvel. A actriz Silvina Pereira lembraria, a propósito, aquele que poderia ter sido o uso mais condizente com os Inglesinhos o de extensão natural do Conservatório Nacional - há muito a braços com graves problemas de espaço -, caminho que "várias vezes foi tentado" sem sucesso.
"

PF

3 comentários:

Anónimo disse...

"A actriz Silvina Pereira lembraria, a propósito, aquele que poderia ter sido o uso mais condizente com os Inglesinhos o de extensão natural do Conservatório Nacional - há muito a braços com graves problemas de espaço -, caminho que "várias vezes foi tentado" sem sucesso."

Nem mais, nem menos! essa sim era
uma solucao...... "de luxo".

JA

Anónimo disse...

Pois é isso mesmo. Uma solução de luxo seria mesmo essa, ou então a instalação da Orquestra Metropolitana de Lisboa, que anda pelas ruas da amargura. Mas não, a CML preferiu fazer "algumas cedências" (citando uma das intervenientes) em relação a um projecto que nunca devia ter entrado em nenhuma câmara de nenhum país civilizado, tratando-se, como se trata, de um tesouro histórico-patrimonial. O Convento dos Inglesinhos é um de muitos (já não tantos, infelizmente) edifícios de que os lisboetas e Lisboa precisam para si.

Anónimo disse...

Qualquer adaptacao a actividades
culturais desse tipo, tem a vantagem de poder ser executada de um modo reversível, sem perda nem falsificacao dos valores inerentes do imóvel. Pode-se sempre voltar
atrás. O que está a acontecer, é o contrário..........partir para o futuro, apagando o passado. Os interesses económicos continuam a dominar a cenário nacional. Até quando?

JA