03/05/2005

Respostas à confissão da Vereadora Napoleão

A Srª Vereadora da Reabilitação Urbana, Eduarda Napoleão, decidiu escrever um acto de contrição na edição do "Público" de Sábado, transcrito agora no "site" da CML, aqui, mas que, apesar do arrependimento subjacente, contém justificativas do mais lamentável possível. Por isso, acho que devo esclarecer a Srª Vereadora nalguns pontos que acho fundamentais, que passo a enumerar:

Diz a Srª Vereadora que "...as competências que me estão atribuídas exigem que, em cada decisão, das várias vertentes que o interesse público contempla, eleja o interesse urbanístico. Por muito que gostasse que este interesse primordial que devo privilegiar coincidisse com todos os outros interesses igualmente importantes, como o interesse económico, social, ambiental, histórico e até aqueles que me são tão caros, em virtude da minha própria formação académica, como são os interesses culturais e artísticos, tal nem sempre é possível.".

Lembro à Srª Vereadora que, desde que a sua vereação tomou posse, a CML autorizou a demolição do Cinema Alvalade, do Convento de Arroios, do Convento dos Inglesinhos, de uma moradia Arte-Nova na Av.Duque d'Ávila/Av.Marquês de Tomar e, agora, da casa de Garrett. Todas estas demolições e/ou transformações destruidoras do património de Lisboa, serviram/servem/servirão para construções novas, feitas por privados.

Não vejo como o interesse público tenha sido salvaguardado, muitos menos a reabilitação urbana, mas sim a demolição urbana e o interesse privado.

Mais à frente, afirma que "As decisões urbanísticas são estritamente vinculadas, porque interferem de forma directa com direitos subjectivos, de que resulta não ser juridicamente admissível indeferir um projecto de licenciamento se os fundamentos para tal não estiverem claramente identificados na lei."

Bom, então fico sem saber qual o critério que essa digníssima vereação seguiu no caso do Cinema Paris, já que ele nem sequer está referenciado na DGEMN, ao contrário de todos os casos acima citados.

"A Casa onde Morreu Almeida Garrett, foi objecto, no âmbito da apreciação do pedido de licenciamento que deu entrada na CML em 2001, de uma vistoria efectuada pelo Núcleo de Estudos Patrimoniais (NEP) a meu pedido, que veio a constatar, que o imóvel se encontra bastante degradado, com ocupações precárias no logradouro e vegetação selvagem. Constataram também as técnicas que se deslocaram ao local que o edifício tem um insignificante valor arquitectónico, tanto individualmente como em termos de conjunto, está devoluto, encontrando-se apenas ocupado ilicitamente por toxicodependentes no último piso. Estes foram os pressupostos de facto em que assentou a minha decisão."

Este é o parágrafo mais demagógico de todos, já que não é verdade que a casa esteja a cair, nem é verdade que o seu interesse seja insignificante. Caso assim fosse, não haveria um privado, que por acaso é ministro, a interessar-se pela casa de Garrett, nem haveria milhares de interessados em preservar a casa desde há 150 anos a esta parte.

Mais à frente diz que "não consta do Inventário Municipal do Património, nem por si mesma, nem enquanto integrante de um conjunto edificado com interesse histórico, arquitectónico e ou ambiental, nem se encontra sequer em zona de protecção."

Isto é um argumento totalmente capcioso, pois a CML devia ter classificado este imóvel há décadas e décadas, por respeito pela memória e vontade colectivas, por respeito por Garrett e em prol das gerações futuras que pensarão ser Garrett nome de rua, ou de pastelaria do Estoril (por sinal, óptima).

Segundo a Srª Vereaddora "o projecto é considerado pelos técnicos uma vantagem urbanística evidente em termos arquitectónicos e paisagísticos, de onde se destaca a ligação equilibrada com a envolvente."

Pois eu não percebo como um projecto que prevê a demolição total da casa de Garrett, com vista à construção de um prédio de 3 andares, com estacionamento subterrâneo (previsivelmente no logradouro "selvagem") tem mais vantagens urbanísticas do que uma casa romântica do séc.XIX, de 2 pisos, harmoniosa e encantadora, bem construída e plena de história.

Seguem-se os argumentos mais rocambolescos de todos. Diz a Srª Vereadora que "o escritor, embora se tenha chegado a mudar para esta Casa viveu lá apenas alguns meses. Não terá escrito nesta Casa qualquer obra, ao contrário do que ocorreu nas muitas outras casas onde viveu, inclusive no Porto, onde já existe uma Casa Almeida Garrett."

Bom, a casa-museu de John Keats, em Roma, foi habitada pelo poeta romântico apenas durante 3 meses. Por sua vez, a casa-museu de Edith Piaf, em Paris, nunca foi habitada pela célebre cantor. Por outro lado, se o Porto já tem a sua casa de Garrett e Lisboa não precisa de ter uma igual, então não percebo como aqui ao lado, em Espanha, Cervantes, Lope de Vega ou Calderón de la Barca (só para mencionar personalidades da mesma área de Garrett) têm casas-museu em praticamente cada província espanhola.

Finalmente, diz a Srª Vereadora Napoleão que "Como exemplar característico do prédio romântico lisboeta, este edifício é um entre muitos outros, infelizmente não tantos como alguns de nós gostaríamos".

Bom, eu prevejo que se a Vereação da Reabilitação Urbana continuar por muito mais tempo a reabilitar desta forma, então, a muito breve trecho NÃO HAVERÁ mais nenhum edifício romântico em Lisboa.

Paulo Ferrero

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