05/07/2017

Uma nova fachada para salvar um velho largo


Por Pedro Cassiano Neves, in Público (4.7.2017)

«Esta nova fachada constitui um precedente valioso para os inúmeros casos semelhantes que pululam por toda a Lisboa e que urge corrigir.

Numa Lisboa que está na moda e em que o desejável boom turístico e “invasão” de exóticos habitantes anda de mão dada com a descaracterização acelerada da cidade e uma destruição patrimonial que parece não ter fim; em que reabilitação é confundida com fachadismo, condenando o que resta dos interiores oitocentistas, mas também, pasme-se, os pombalinos da Baixa; em que a extraordinária Rua das Janelas Verdes não pára de ser “bombardeada” e a também esplêndida das Portas de Santo Antão viu nascer uma enorme cratera que deixa “preso por arames” o que resta do Palácio da Anunciada; em que um outro palácio, o de São Miguel, na belíssima Praça da Alegria, viu o seu interior integralmente demolido de um dia para o outro e a emblemática Casa Pombalina da Rua da Lapa desapareceu num fim-de-semana, fazendo tábua rasa da classificação camarária e da zona de protecção patrimonial a que estava sujeita; em que a típica e integralmente conservada Praça das Flores pode ser cirurgicamente abatida por um mamarracho e a quinhentista Rua do Bemformoso, que escapou milagrosamente à hecatombe do Martim Moniz nos anos 40, se prepara para ser esventrada, ignorando alternativas, para a construção de uma mesquita e em que até, sacrilégio dos sacrilégios, o coração dessa jóia que é Alfama está teimosamente ameaçado por um “móno” indescritível para albergar o Museu Judaico; o anúncio de que um outro “móno”, já velhinho, se prepara para ser intervencionado com o fim de restaurar a imagem perdida de um largo histórico, constitui uma feliz novidade!

Edificado nos meados da passada década de 1970, o edifício em causa faz a curva do Largo Rafael Bordalo Pinheiro para a Rua da Trindade, e o seu impacto na envolvente constitui como que uma antevisão do “pesadelo” que espera os esplêndidos largos das Flores e de São Miguel de Alfama, acima referidos, caso os sinistros projectos para aí previstos sejam concretizados.

Uma fachada com superfícies envidraçadas que contrasta violentamente com as sete e oitocentistas que a rodeiam; uma cobertura em terraços que deve ser caso único na Zona Histórica em que se insere e um escusado e provocador revestimento de azulejos que, independentemente do seu valor “per si”, constitui uma tremenda agressão à extraordinária fachada azulejar do famoso “Prédio do Ferreira das Tabuletas” que lhe fica defronte, fazem com que este edifício seja desde o inicio apontado no ensino como aquilo “que não deve ser construído” nos centros históricos e esteja há muito presente em inventários patrimoniais como uma chaga urbana que urge corrigir.

A fachada prevista, embora não recupere a do edifício original do século XIX do qual existe registo fotográfico, uma prática recorrente em “países atrasados” como a Alemanha, a França, a Itália ou a Espanha, mas que a inteligência nativa cá do burgo insiste em desvalorizar como “pastiche”, recupera no entanto a imagem do mesmo, acrescentando-lhe um andar e uma mansarda que alinha com a do belíssimo “Prédio das Marquises” contínuo, que faz gaveto com a Rua Nova da Trindade, incluído no mesmo projecto.

Estão, pois, de parabéns a empresa construtora (atenção ao interior do segundo prédio!), a Câmara Municipal de Lisboa, numa excepção à catastrófica política de protecção patrimonial a que nos têm habituado, e a Direcção-Geral do Património Cultural, tantas vezes “distraída” ou até conivente com os atentados que a cidade tem sofrido, que, empenhadas numa solução de consenso que demorou mais de um ano, nos oferecem a recuperação da imagem deste recanto de eleição do nosso Chiado.

E, importantíssimo, esta nova fachada constitui um precedente valioso para os inúmeros casos semelhantes que pululam por toda a Lisboa e que urge corrigir. A começar, logo ali no mesmo largo, um pouco mais a baixo, no gaveto com a Travessa da Trindade, com a inenarrável cobertura que acrescentaram ao histórico edifício onde em tempos foram as “Conferências do Casino”!»

10 comentários:

Anónimo disse...

Estou totalmente em desacordo. O valor da autenticidade tem que ser preservado. É um entendimento consagrado no PDM. Poderá ser muito conveniente classificar este edifício como mamarracho, mas será seguramente errado. Conveniente para quem quer ampliar/especular.A AML interveio, e bem, neste caso o imóvel deve ser preservado atendendo ao seu valor singular e autentico. Sendo um genuíno exemplar dos anos 70, para além de albergar o conjunto azulejar, autêntica coexistência de obras de arte. Quer se queira, quer não se queira, esta é a genuína realidade! E só não vê quem não quer ver.

Anónimo disse...

O modernaço das 8:39

Anónimo disse...

Nem todos podem ter a mesma opinião. Mas o que gere a cidade de Lisboa não são opiniões, é o PDM, preconceitos à parte.
A AML, interveio e bem no caso da necessidade de protecção deste imóvel singular. Sabemos bem, que existem apetites vorazes, capazes de o desvirtuar em proveito próprio, meramente em nome da pura especulação imobiliária. Esperemos que o PDM mantenha a sua plena eficácia neste caso, bem precisa!

Anónimo disse...

O preconceituoso e o especulador das 1:51 da tarde.

Anónimo disse...

Sem dúvida sou pela preservação da imagem singular do edifício. É Inconcebível que se diga: «independentemente do seu valor singular», a decisão do desvirtuamento é obviamente indissociável desse mesmo valor, que é único. Haja bom senso. Viva a cidade Lisboa, viva pela sua diversidade. Em regra sou pela preservação dos valores autênticos, este edifício é uma jóia de uma época e isso é inegável. Tudo o resto são preconceitos.Haja bom senso, que prevaleçam as recomendações da AML e o PDM. Os especuladores que se limitem ao que é regulamentar e que respeitem as obras de autor. Parece-me ser elementar. A CML que cumpra o seu papel e defenda o património edificado da cidade de Lisboa, para variar.

Anónimo disse...

O pastiche é que não, obrigada!

Anónimo disse...

O valor da autentecidade deve ser intocável. Preservar sem perca de idêntidade, reabilitar sem desvirtuar, é o que urge neste caso. O consenso na AML, quando das recomendações não foi alcançado por acaso e deveria não deixar margem para dúvidas. Opiniões à parte!

Anónimo disse...

Mal comparado, esta intervenção nada tem a ver com os atentados em curso, nos vários largos históricos da cidade. Trata-se apenas de mais um atentado silencioso, contra o património edificado da cidade. A penas o edifício em causa é mais recente, nem por isso deixa de ser um genuíno exemplar da sua época, com valor próprio e indissociável da nossa história. Ainda que alguns pretensiosamente queiram «corrigir». Bastava aplicar o PDM, com os seus objetivos estratégicos e não haveria lugar a estas dissertações. Viva a cidade na sua diversidade.

Anónimo disse...

Eis um apologista do fachadismo. Reabilitação não é isso. Reabilitar sem desvirtuar, por favor.

J A disse...

Aos poucos algo vai acontecendo nas mentes e o fachadismo vai enganando cada vez menos pessoal - e isso conta e muito. Vai-se lendo muitos comentários que há 10 anos simplesmente seriam raridade.