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19/10/2019

"Tem a palavra o novo vereador do Urbanismo da CML" (Público)

OPINIÃO



Tem a palavra o novo vereador do Urbanismo da CML


Com a demissão do arquitecto Manuel Salgado do cargo de vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, fechou-se definitivamente (tudo leva a crer) um ciclo de 12 anos à frente dos destinos do planeamento urbano da cidade e daquilo que ele entende ser reabilitação do edificado (à guarda da CML ou não) e, consequentemente, no que isso se traduziu em termos reais e visíveis para a cidade, por via dos incentivos urbanísticos que promoveu e da aprovação dos respectivos projectos de arquitectura e do seu licenciamento que despachou.

Muito resumidamente, até porque o que importará agora é virar-se a página, o seu legado a nível urbanístico abrange coisas boas, sem dúvida do ponto de vista teórico (por ex., urgia avançar com a revisão do Plano Director Municipal e o ex-vereador fê-la; havia que “cerzir” com planeamento urbano algumas áreas da cidade ainda por regulamentar e isso aconteceu com a aprovação de uma série de termos de referência de planos de pormenor e a entrada em vigor de outros já aprovados anteriormente mas nunca postos a vigorar, e com a alteração de vários planos de urbanização em vigor), mas abrange coisas más, factuais, algumas delas muito más, como seja a autorização (da sua estrita responsabilidade, porque não herdados de outras vereações por via de “direitos adquiridos” em resultado de pedidos de informação prévia aprovados por terceiros) de mais de 300 demolições de edifícios de valor para a cidade, edifícios os mais variados, grande parte deles com mais de 100 anos de existência (e aqui foram especialmente massacradas as edificações da chamada “arquitectura de transição”, século XIX-XX), alguns deles bem emblemáticos na cidade (ex. a celebérrima moradia da Rua da Lapa), outros até, imagine-se, construídos em épocas que se julgavam imunes ao camartelo: a arquitectura modernista (veja-se a “reabilitação” em curso na também celebérrima moradia desenhada por Cristino da Silva para o eng. Bélard da Fonseca, junto ao Instituto Superior Técnico).

Por sua vez, “ganhámos” na cidade antiga um sem-número de empreendimentos de grande escala, alguns numa escala nunca dantes vista, uns em construção avançada ou já concluída, violando e obstruindo vistas de e para miradouros (ex. o novel Hospital da CUF vs. miradouro das Necessidades), outros que inclusivamente que serão obstáculo sério à candidatura “Lisboa Histórica, Cidade Global” à Unesco (ex. a construção na frente-rio da Lisboa histórica, mais projectos em miradouros, etc.), outros ainda por construir e que irão mudar radicalmente a imagem que temos da cidade actual, gostemos ou não dela (ex. o plano de pormenor da Matinha, que virou loteamento, os “n” empreendimentos no Poço do Bispo/Praça David Leandro, Beato, a ampliação do CCB, o loteamento da extinta SIDUL, a “muralha de cimento” em volta do anunciado oásis da Praça de Espanha, o empreendimento na antiga Feira Popular, a tal torre que dizem ser arranha-céus na Portugália, etc., etc.).

E, infelizmente, ter-se-á plasmado na Câmara Municipal de Lisboa durante a última década a ideia luminosa de que o importante para povoar a cidade seria apostar no Turismo e na facilitação de projectos de índole turística, em detrimento de reabilitar para habitar, tomar posse administrativa e fazer obras coercivas, isto porque assim os investidores de cariz turístico podem queimar etapas em termos de procedimentos burocráticos, e são, diz-se, potencialmente geradores de emprego local e de riqueza, imagina-se que célere e sem controlo.

Foi assim que a CML entendeu por bem promover a réplica, a “contaminação positiva” como o ex-vereador referia, do modelo desenvolvido no Chiado em finais de 90, início do século XXI, logo no início da sua vereação para a Baixa, depois nos bairros históricos, e logo a seguir, Avenida da Liberdade e Avenidas Novas, hoje um pouco por toda a cidade. Estará arrependido, acredito.

Tudo isso se traduziu numa reabilitação urbana feita essencialmente de construção nova com manutenção de fachadas.

Uma reabilitação urbana aprovada em 90% dos casos por despacho do vereador, graças a uma delegação de competências que nunca ninguém discutiu, porque o que importava, seguramente, era tornar mais rápidas as reuniões de executivo camarário, muito menos importunarem-se com algo de somenos como é o escrutínio do público.

Uma reabilitação urbana que não existia, afiançaram-nos, porque o Plano Director Municipal em vigor desde 1994 era muito protector e conservacionista (risos) e havia um terrível polvo de procedimentos burocráticos na CML, ambos fomentavam uma Lisboa cada vez mais abandonada, de há 30 anos a esta parte, e que por isso era preciso abrir uma “via verde” para o licenciamento.

Para isso se descontou ou ignorou quase tudo quanto os serviços ligados ao núcleo do património opinavam quando estavam em causa projectos que, de certa maneira, interferiam com os bens da Carta do Património e não só, em que um “à consideração superior” era lido como “faça V.Exa. conforme entender” e assim despachado em conformidade.

Para isso se contou e abusou do imobilismo e, muitas vezes, do beneplácito da Direcção-Geral do Património Cultural (antes Igespar e IPPAR), uma entidade ciclicamente (propositadamente?) sem meios nem competências nem autoridade para fazer frente não só aos desvarios sobre o património à sua guarda directa, como, por maioria de razão, aos que se fazem ao património existente nas zonas de protecção de imóveis por si classificados. Para obviar a isso, assinou-se um protocolo de entendimento entre as partes, e assim todos os projectos potencialmente polémicos em termos patrimoniais passaram a ser analisados e aprovados não em sede dos serviços da Ajuda, mas em gabinete da CML em Entrecampos, entre três pessoas, duas nomeadas (?) pela DGPC e uma da CML.

Uma reabilitação urbana feita a poucas mãos e talvez por isso uma reabilitação que nunca tenha tido tantos casos sob denúncia ao Ministério Público, e mesmo em tribunal como os que tem hoje (ex. museu judaico, Praça das Flores, Entrecampos, Radio Palace, Rua do Bemformoso, a torre das Picoas… o mono do Rato) e muito possivelmente virá a ter nos tempos mais próximos…

Importa, por isso, saber, quanto antes, o que pensa e, sobretudo, o que quer e irá fazer o novo vereador, o eng.º Ricardo Veludo, em relação ao modus operandi da CML em matéria de reabilitação urbana e de licenciamento urbanístico.

Dito por outras palavras:

Vai o senhor vereador Ricardo Veludo rever cirurgicamente o Plano Director Municipal e os Planos de Pormenor e os Planos de Urbanização em vigor, alterando as “entrelinhas” dos mesmos, por forma a que não mais se permitam as aberrações que todos os dias vemos a crescer em Lisboa, em Alfama, na Mouraria, Sé, Madragoa, Baixa, Bairro Alto, Chiado, Avenida da Liberdade e zona adjacente, Bica, Madragoa, Boavista, Alcântara, fruto de outras tantas demolições, permutas de terrenos no mínimo discutíveis, etc., etc.?

E as ampliações desmedidas, o esventramento dos logradouros e a descaracterização sistemática a que temos assistido nos edifícios antigos e não tão antigos em Campo de Ourique, Estrela, Lapa, Príncipe Real, Salitre, Avenidas Novas, Arroios, Graça e por aí fora?

Vai o senhor vereador abdicar da delegação de competências, que certamente lhe atribuirão, e voltar a levar a reunião de CML os pedidos de informação prévia, os projectos de arquitectura, os licenciamentos e os projectos de especialidades que impliquem obras de alterações significativas, demolições ou ampliações desmedidas, sobretudo os que digam respeito a edifícios constantes da Carta do Património anexa ao PDM?

Qual o entendimento que o novo vereador tem sobre Reabilitação Urbana? Reabilitação do edificado que seja compatível de recuperação, mudando ou não a sua utilização, mas mantendo sempre o mais possível os interiores, sem roubar a alma do quarteirão e do bairro? Ou construção nova travestida de reabilitação, i.e., em que apenas ficam a fachada principal e o “hall” de entrada?

O que pensa e o que vai fazer o novo vereador acerca da Colina de Sant’Ana? Vai manter o projecto estapafúrdio previsto para o antigo Hospital Miguel Bombarda? São José vai ter toda aquela construção nova? Idem nos os Capuchos? E o protocolo de entendimento celebrado em 2010 entre a CML e o IGESPAR/DRC-LVT com vista à “agilização” de licenciamentos, é para manter ou para rasgar?

Vai dar mais força aos pareceres dos técnicos em detrimento dos das chefias intermédias? A Carta Municipal do Património é para levar a sério ou é para continuar a fazer de conta, ou que se vai actualizar quando o que se quer é amputá-la? E a aposta no Turismo é para continuar? Até quando e quanto? Vai utilizar alguma da verba adquirida pela CML com as taxas turísticas para expropriar edifícios que o mereçam ser, tomar posse administrativa de outros tantos e proceder a obras coercivas?

E a candidatura de “Lisboa Histórica, Cidade Global” à UNESCO, vai o senhor vereador reerguer a estrutura camarária criada pelo seu antecessor e já desmembrada pelo próprio, e assim dar bom seguimento à dita?

E a já célebre Sociedade de Reabilitação Urbana, herdeira da Lx Ocidental e a única que sobreviveu no universo da CML e que passou incólume pela “troika”, qual o papel que vai ter na cidade?

A cidade agradece."

Fundador do Fórum Cidadania Lx

05/09/2019

"Tabaqueira: porque descartou Piano a sua reabilitação?" [Público]

Foto: Daniel Rocha

Faz espécie, sim, a lenta agonia por que tem passado aquela estrutura majestosa, aquela majestosa estrutura de ferro e tijolo, aquela que é hoje um dos raros exemplares da arquitectura industrial ainda de pé na cidade de Lisboa.

5 de Setembro de 2019, 6:09


Verdade seja dita que, para muitos, é indiferente o legado arquitectónico, muito menos o histórico, daquela magnífica estrutura, marca indelével da nossa arquitectura do ferro, erguida na década de 20 para a então fábrica de tabaco do magnate industrial Alfredo da Silva (um verdadeiro empreendedor à luz do conceito de Karl Schumpeter), e uma das primeiras unidades industriais do pós-monopólio estatal, que ali laborou até 1963 (nesse ano havia de rumar a Albarraque, nos arredores de Sintra, onde acabou por encerrar passados alguns anos) e que foi responsável pelos “Tabacos da Tabaqueira, Os Melhores do Mundo”, entre eles os célebres “Definitivos”, hoje política e cientificamente incorrectos, e com razão.

Dentro em breve, inclusive, não será de estranhar que a toponímia local (Rua da Tabaqueira, Largo do Tabaco) seja substituída por algo como “silver street” ou “river plate square”, designações mais consentâneas com o espírito da época em que vivemos e prontas a servir a qualquer visto dourado que ali pretenda lavar alguma coisa que não folha de tabaco. Faz espécie, sim, a lenta agonia por que tem passado aquela estrutura majestosa, aquela majestosa estrutura de ferro e tijolo, aquela que é hoje um dos raros exemplares da arquitectura industrial ainda de pé na cidade de Lisboa (recorde-se a destruição massiva de património industrial que ocorreu em Alcântara e na Boavista há coisa de 20 anos, com a demolição completa de vários edifícios e o desaparecimento de máquinas e utensílios os mais variados, alguns autênticas relíquias, realidade que inviabilizará, por certo, a constituição de um hipotético Museu da Indústria; e fique aqui o aviso de que a recente mudança de mãos do complexo hoje conhecido por “Lx Factory” também não augura nada de bom para aquele conjunto de edifícios).

Faz espécie e revolta, mesmo, quando se sabe que os “Jardins de Braço de Prata” foram projectados pelo mundialmente famoso arquitecto genovês Renzo Piano, e que a Tabaqueira estava incluída no seu “projecto global” inicial, digamos assim, embora sendo então entregue especificamente à arquitecta Grazia Repetto, também ela genovesa.

Não se compreende, pois, como é que um arquitecto do prestígio mundial de Piano deixou cair o projecto de reabilitação da sua colega Repetto, de 2002, que é simplesmente magnífico (vide aqui o projecto), para abraçar, recentemente, um novel projecto, aparentemente, do atelier STC, que apenas projecta mais do mesmo: construção e betão.

De facto, pelo projecto magnífico de Repetto, pretendia-se (pretende-se) reabilitar todo o edifício da Tabaqueira como espaço cultural e gastronómico (“La Tabaqueira - Museo del Património Cultural Gastronomico Nazionale Portoghese-Lisbona”), pelo que tudo, mesmo tudo, seria restaurado e reinventado, com gosto e bom senso: espaços comerciais, restauração, jardins, estufas, etc., numa palavra: algo de que vão precisar e muito, os futuros moradores dos “n” condomínios que vão nascer para aquelas bandas (Beato, Poço do Bispo, Braço de Prata, Matinha).

Que se terá passado, então?

Só se sabe que pelo meio houve mudança de proprietário do lote onde se encontra o que resta da Tabaqueira, sendo que durante vários anos, e até há bem pouco tempo, marcou presença na sua ainda lindíssima fachada principal um cartaz com “Vende-se” (na altura era propriedade da EDP…). Sabe-se agora que a CML fez sempre questão em fazer de conta que não via, quiçá contando com a tradicional apatia dos lisboetas para mais tarde declarar como facto consumado o seu desaparecimento total e assim permitir a viabilização do novo projecto já citado.

Pior, em 2010, por exemplo, há registos fotográficos que são inquestionáveis: o edifício estava em muito melhor estado do que está hoje e a sua recuperação teria sido muito menos custosa. Hoje, os vidros das fachadas estão praticamente todos partidos e está corroído ou roubado todo o metal que era possível roubar e corroer, por fora e por dentro.

Pergunta-se: então, não era suposto a CML da 2ª década do século XXI comportar-se de forma mais civilizada do que a das décadas precedentes, em que permitiu que se construísse, sabe-se agora, em terrenos contaminados (por exemplo, a escola da Expo)?

Todos julgávamos enterrado esse período negro camarário de anti-património industrial (vulgo arqueologia industrial), em que edifícios emblemáticos (desde logo a Favorita, em Sapadores) e boqueirões inteiros, becos e travessas onde se localizavam as antigas fábricas de Lisboa, viraram aterros de gravilha, terrenos expectantes de betão e construção, mas nem por isso de melhor qualidade de vida. Enganámo-nos. Redonda e duplamente.

Em primeiro lugar com a CML, porque esta não só perdeu a oportunidade de adquirir para o domínio público o edifício da Tabaqueira enquanto este estava à venda, dando assim bom uso a alguns dos milhares de euros, dos milhões, as receitas da taxa turística cobrada por cada turista que por cá dormita, como ainda não mostrou qualquer simpatia para com o projecto de reabilitação de 2002, projecto esse que, a ser abraçado pela CML, podia fazer a diferença em termos de política urbanística da CML doravante.

Em segundo lugar, e bem mais surpreendente, convenhamos, com Renzo Piano.

Porque ninguém está à espera que um arquitecto do seu gabarito, uma daquelas estrelas da Arquitectura que habitualmente contamos com os dedos de uma só mão, seja indiferente ao Património pré-existente, no caso, seja completamente indiferente ao pequeno mas majestoso e histórico edifício da antiga Tabaqueira, deixando cair no esquecimento o belo projecto de reabilitação que a sua conterrânea fez para ele, e para Lisboa, em Dezembro de 2002. Mais a mais um projecto que complementaria os seus “Jardins de Braço de Prata” de uma forma espectacular.

Signor Arch. Dott. Renzo Piano, a Tabaqueira de Braço de Prata pode ser salva.

Ajude-nos!

Fundador do Fórum Cidadania Lx

12/07/2019

"O futuro do Hospital Miguel Bombarda escreve-se direito por linhas tortas"

A urbanização, o estudo prévio-projecto de seis torres e vários arruamentos que o arquitecto Belém Lima concebeu para aqueles 4,4 hectares, e que a CML apadrinhou oficiosamente, diga-se, terá ido para o … l-i-x-o


Ninguém terá ainda percebido na realidade qual a estratégia de médio e longo prazo, o critério também, que levou a que, de repente, não mais do que repente, o senhor Ministro das Infraestruturas e Habitação, primeiro, em conferência de imprensa e sem muito mais desenvolver, e o senhor Primeiro-Ministro e o mesmo ministro, dias depois e em visita ao complexo do antigo Hospital Miguel Bombarda, anunciassem, a pouco tempo do final do mandato, o compromisso do Governo em colocar um conjunto específico de edifícios abandonados (porquê aqueles e só aqueles?), propriedade do Estado, no mercado de arrendamento, a rendas acessíveis.

Mas, independentemente desses detalhes, há que realçar a prenda, subliminar, que este anúncio representa para todos quantos se importam com o futuro do morro de Rilhafoles, que coroa a chamada Colina de Sant’Ana, e, portanto, com a silhueta de Lisboa, e que é esta:

A urbanização, o estudo prévio-projecto de seis torres e vários arruamentos que o arquitecto Belém Lima concebeu para aqueles 4,4 hectares, depois de o Governo vender o antigo hospital à Estamo, em 2009, por 25 milhões, concedendo-lhe a possibilidade de nele promover uma urbanização, e que a CML apadrinhou oficiosamente, diga-se, terá ido para o … l-i-x-o.

Aleluia!

Que alívio para a vila toscana de San Gimignano, a “Manhattan do medievo”, com a qual o arquitecto teimava em comparar as suas futuras torres, algo só compreensível se se tiver em conta a antiga designação do dito: “hospital de alienados”.

E que boa, excelente, notícia é para todos os que lutaram desde a primeira hora contra essa urbanização, por entenderem que estava em causa a História e o Património da cidade, que seriam assim irremediavelmente amputados.

Desde logo o então o ex-director do Museu de Arte Outsider, a quem a voz nunca doeu nem dói. E o punhado de estóicos e vertebrados sábios de História da Arte, que sempre comungaram das mesmas preocupações, ajudando a espalhar a indignação, que se tornou viral. E a incansável, e até há pouco tempo, responsável pelo núcleo do património cultural do Centro Hospitalar de Lisboa Central.

Mas também os que na Direcção-Geral do Património Cultural souberam e puderam, em boa hora (2010), aceitar classificar como Conjunto de Interesse Público o Pavilhão de Segurança (“panóptico”) e o Balneário D. Maria II, e, em 2014, estender essa mesma classificação ao edifício central do antigo convento, à antiga Casa da Congregação da Missão de São Vicente de Paulo.

E, já agora, a Assembleia Municipal de Lisboa e, certamente, a sua Presidente que, organizando em 2014 uma série de debates sobre o futuro da Colina, trouxe a nu os erros, as omissões e tudo o mais que gravitava em torno do “mega-loteamento” que se cozinhava para os antigos Hospitais Civis de Lisboa a Santana: São José, Capuchos, São Lázaro, Santa Marta e, claro, Miguel Bombarda.

Virou-se a página. Que bom.

Importa agora saber o que se segue e, sobretudo, “como” segue e “quando”, já agora. Ou seja, resta saber:

Quem vai pagar a quem (imagina-se que à Estamo), e quanto, pela encomenda já paga (supõe-se) do estudo prévio da urbanização agora enterrada? E a compensação/indemnização à Estamo pelo facto de já não haver essa urbanização, será feita unicamente por via das rendas que serão pagas por quem vier a arrendar os futuros apartamentos? A sério?

E o arrendamento agora anunciado será implementado em que edifícios do antigo hospital psiquiátrico? No corpo central e nas enfermarias em “poste telefónico” e em “U”? E quais serão os apartamentos para renda acessível? O senhor Ministro disse em entrevista à RTP, em 10 de Julho, que haverá sempre lugar a apartamentos a preços de mercado para compensarem os outros. Resta a saber qual a percentagem de cada qual.

E a CML? Vai deixar de lado o seu propósito geral para toda aquela zona, o denominado Projeto Urbano da Colina de Santana, entregue o atelier Inês Lobo, Arquitetos Lda.? Há um novo mega-plano? Qual? Feito por quem? Pressupõe discussão pública, aquela que não houve antes da AML o ter feito, e bem, por sua própria iniciativa? Vai deixar de ser uma “colina da saúde” para ser uma “colina da habitação”?

E o futuro do Bombarda, implicará demolições? Haverá novas construções, onde? Será escrupulosamente respeitada a classificação da DGPC? Será desta a recuperação e dignificação do Balneário D. Maria II, cujo estado de conservação continua uma vergonha apesar das múltiplas promessas feitas pela Estamo desde há 10 anos a esta parte? E no edifício principal? No salão nobre, no gabinete do dr. Miguel Bombarda?

E o Museu de Arte Outsider? Será autónomo do tal futuro Museu da Saúde (o actual é risível)? Ocupará apenas o “panóptico”?

E a antiga cerca do convento, será esburacada (talvez a experiência na Sé vire moda). E o telheiro, a que ninguém liga? E a belíssima antiga cozinha?

E as oliveiras centenárias, que a CML ignorou classificar, e as outras árvores de grande porte? Vão ser abatidas?

Finalmente, os acessos.

Vai voltar a haver eléctrico? Mais carreiras bus? É que a CML nunca aceitou a proposta que vários lhe fizeram no sentido de fazer no Bombarda o Arquivo Municipal de Lisboa (todo!), acabando-se com a situação a todos os títulos deplorável de Campolide e/ou Alto da Eira.

A CML invocou sempre que, além de não caberem (!) no Bombarda os necessários quilómetros de prateleiras do Arquivo, os acessos seriam sempre péssimos.

Seja como for, o futuro do antigo Hospital Miguel Bombarda escrever-se-á direito por linhas tortas, e isso faz toda a diferença.

Fundador do Fórum Cidadania Lx

01/04/2019

"O estranho caso do cavalo da Ciccone" (Jornal Público)

A prevenção de eventuais danos no Palacete de Belas, que motivou a recusa a Madonna e o efeito de esta ter que ir cantar para outra freguesia, devia ser prática continuada nos serviços e responsáveis, todos eles, com redobrada atenção no que toca a uma Sintra Histórica, Património da Humanidade.

27 de Março de 2019, 16:50

Não haja dúvidas que a notícia caseira da semana (mais “Navegante” mais barato, menos “Andante”) encerra em si mesma um enigma, pois num país habituado nas últimas décadas a que os seus responsáveis se rebolem de costas sempre que alguma estrela internacional do firmamento do show business (leia-se artístico, mas também político e empresarial), lhes pede para dar cócegas na barriguinha, quase sempre acenando-lhes com uma “nota preta”, eis que o edil de Sintra resolve dar uma valente nega à rainha da Pop.

O episódio conta-se em duas penadas:

Uma produtora solicitou autorização à Câmara Municipal de Sintra para a gravação de um videoclip no interior do palacete oitocentista da Quinta Nova da Assunção, em Belas, que é propriedade da autarquia, e viu a mesma ser recusada. Motivo: a presença de um cavalo no set poderia estragar irremediavelmente o chão e a estrutura do palacete.

Aplausos para o presidente da Câmara Municipal de Sintra, pela coragem do acto e pela irrevogabilidade da decisão, e porque ainda teve ocasião de reforçar a mesma com um claro “há coisas que o dinheiro não paga”, para que não restassem dúvidas.

Apupos para a “rainha”, que amuou (segundo o Correio da Manhã, terá escrito “já dei tanto a este país e quando peço um favor simples, de facto para mostrar Portugal ao mundo, a resposta que obtenho é negativa”), tendo ainda tentado mexer cordelinhos, em vão, ou, pelo menos, sem os efeitos desejados porque o assunto se tornara, entretanto, do conhecimento público.

À margem, mas não menos importante, nada se sabe sobre o que pensará nesta altura o cavalo em causa, que ficou sem conhecer o interior do palacete. Quiçá o mesmo que terá pensado um seu homólogo de certo vídeo picante de Illona Staller, rodado há já uns quantos anos. Muito menos se sabe de que cavalo se tratará, se de um dos já célebres onde a diva trotou pelas areias da Comporta, se de algum descendente directo do celebérrimo equídeo de Lady Godiva. Fosse isto um episódio do show de Ed Sullivan e já o saberíamos, por certo.

Seja como for, e brincadeiras à parte, a recusa de Basílio Horta é um marco histórico para a nação, um acto de pundonor que destoa no nosso quotidiano, em que tudo é aceite e ainda se agradece de boné estendido. Por isso, esta recusa merece ainda maior elogio público. E deseja-se que sirva de exemplo doravante, aos demais responsáveis, perante as mais variadas “estrelas” - lembremo-nos, por exemplo, do que se passou no Convento de Cristo, com as filmagens dirigidas por Terry Gilliam, ou, noutra dimensão, o que se deixa fazer a alguns empreendedores francófonos em matéria de reabilitação urbana na capital.

Voltando ao início do presente artigo, a estranheza a que alude o título tem que ver não com o facto concreto desta recusa em particular, mas, porque um sem-número de outros atentados ao património sintrense, e universal, classificado pela Unesco, não são objecto de igual, pronta e firme recusa.

É certo que Madonna não é uma construtora civil, nem uma promotora hoteleira, nem é dona de esplanadas no centro histórico, nem tem uma firma de “tuk-tuks”, muito menos possui uma empresa de podas e abates de árvores.

Mas a prevenção de eventuais danos no Palacete de Belas, que motivou a recusa a Madonna e o efeito de esta ter que ir cantar para outra freguesia, devia ser prática continuada nos serviços e responsáveis, todos eles, com redobrada atenção no que toca a uma Sintra Histórica, Património da Humanidade.

Tem que haver também pundonor em matérias que aparentemente são de somenos, como, por exemplo, no licenciamento de janelas e portas em alumínio e PVC, em detrimento da madeira. Nas tintas plásticas em relação aos revestimentos a pigmento natural. Na telha em canudo, sobre a mediocridade da “lusa”. Nos autocarros e “tuk-tuks” poluentes versus veículos eléctricos.

Assim como não pode a CMS estar a classificar árvores como de Interesse Municipal e depois permitir-se destruir essas árvores, autorizando podas brutais e ignorantes, ou a colocação de esplanadas que as agridem e sufocam (o que se passa em frente ao Café Paris e ao edifício do antigo Hockey de Sintra é escandaloso!), ou porque é sempre preciso mais um lugarzinho para o popó.

É um desconsolo absoluto o que acontece todos os anos em Sintra, com práticas de rolagem e agressões várias às suas árvores de grande porte, desde São Pedro até ao Lawrence’s.

É algo que a todos devia envergonhar, porque, além do mais, o património arbóreo da Vila (mais Colares e Banzão, e a Serra, obviamente) é tão ou mais valioso que o seu edificado, quem pense o contrário está profundamente enganado.

Igual pundonor devia presidir a todo e qualquer licenciamento urbanístico que ponha em causa a harmonia da Vila consolidada, a sua silhueta, as moradias e as quintas que a foram fazendo crescer a partir do centro histórico, o ritmo das suas janelas e das mansardas, a suavidade das cores, a patine, o musgo, as coberturas a duas e a quatro águas, os seus logradouros e os seus jardins verdejantes, os trilhos, os muros de pedra, as trepadeiras, etc., etc.

Mas o pundonor da CMS tem que ir mais longe.

Coisas como a monstruosa edificação na Gandarinha deviam ser banidas para todo o sempre. Mais, a CMS neste caso devia fazer o promotor abater todos os pisos do empreendimento que ultrapassam já o muro da envolvente. É um gravíssimo atentado a Sintra o efeito nefasto que este empreendimento já provoca nas vistas de quem vive e passa perto do local, mas também a quem está cá na vila e mira a encosta. E é um escândalo que o Comité Unesco, mais a mais com uma representação (?) permanente na Vila, faça de conta que não é nada com ela. Aliás, se fosse para levar a sério, o dito já teria ameaçado retirar o estatuto Unesco a um sítio em que se permite semelhante atentado.

Há que o ter também quanto ao estado deplorável e revoltante da histórica Quinta do Relógio – se há sítio em Sintra para se invocar a expropriação este é um deles. E ao faz-que-anda do Hotel Netto. Aos serviços da GNR que permanecem por trás do Palácio da Vila (já tiveram protocolo para dali saírem para as instalações dos bombeiros, mas está tudo na mesma…). Ao complexo da Misericórdia por “inaugurar” defronte ao mesmo palácio. Às “mil” edificações abandonadas Alameda Barão de Santos acima, mas também para os lados abandonados da Vigia, onde dizem que vai nascer hotel de cadeia internacional. E em São Pedro, coitado, quem o viu e quem o vê, a começar pela gigantesca Quinta de Santa Teresa (aquele desbravar de mato há uns tempos, para estacionamento - abriu uma vez?! -, trazia água no bico?) e o edifício em ruínas da União 1.º de Dezembro. E ao vário e valioso edificado ainda existente de Raul Lino e de Adães Bermudes, por exemplo, um pouco por todo o lado, eles que tanto contribuíram para a imagem de Sintra. Mas também ao edificado Art Déco e modernista, de Faria da Costa a Keil do Amaral, que ainda há algum. Proceda a CMS a intimações para obras coercivas e verá resultados práticos…

Porque essa Sintra não voltará a ser edificada. E quando desaparecer a Sintra que ainda temos, por abates licenciados ou, simplesmente, por estar toda plastificada, já nem valerá ao turista Disneyland, porque parques temáticos para “selfie” é coisa que não falta.

Que esta coisa do cavalo da rainha seja o ponto de viragem.

Quanto mais pundonor, maior a ovação.


Fundador do Fórum Cidadania Lx

11/01/2019

"O Cais que caiu que nem ginjas" [Paulo Ferrero no Público]

OPINIÃO

O Cais que caiu que nem ginjas

Apelidar de “regeneração” e “qualificação” a algo que se resume a, basicamente, construir em todo o lado onde houver espaço vago neste cais que é hoje de memórias e memoriais à era industrial, é teatro do absurdo.

10 de Janeiro de 2019, 8:31


Onde não estamos é que estamos bem. Já não estamos no passado, e então ele parece-nos belíssimo. (O Ginjal, Anton Tchékov)


O excelso dramaturgo russo autor de O Ginjal (também conhecido por Jardim das Cerejeiras) que me perdoe por o invocar em vão (talvez), assim, sem mais, mas há um drama em fase de ensaio final para o Cais do Ginjal, aqui defronte a Lisboa, ainda que o encenem como uma história de amor redentor, perdão, como “elemento regenerador e qualificador do Património Industrial”.

A peça, intitulada Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, é da co-autoria moral e material da Câmara Municipal de Almada, do promotor imobiliário madeirense AFA e do atelier de Samuel Torres de Carvalho, com os primeiros escritos a remontarem há mais de 10 anos, e está quase a estrear em palco, sem ponto, e, que se saiba, com cenários contemporâneos, mas nem por isso minimalistas.

Não que se esperasse que dessem agora em recriar os tempos imemoriais da acostagem dos navios contendores em plena crise de 1383-85, ou as marés cheias, ou vazias, do pós-Terramoto e do milagre que salvou Cacilhas das águas então revoltosas. Mas apelidar de “regeneração” e “qualificação” a algo que se resume a, basicamente, construir em todo o lado onde houver espaço vago neste cais que é hoje de memórias e memoriais à era industrial, é teatro do absurdo, quiçá stand-up comedy.

Sem mais comédias e em pouco palavreado, para quem não esteja a ver muito bem com o que se vai deparar se não houver correcções ao texto e aos números defendidos neste plano, e decidir avançar Rua do Ginjal adentro chegado que esteja ao apeadeiro fluvial, é o seguinte:

A rua estreita e empedrada, a espaços, do cais propriamente dito, onde até há 50-60 anos havia verdadeiras multidões a circular por entre guinchos e postos de amarração, e outras tantas caldeiradas; vai ter o dobro da largura e o paredão será reforçado substancialmente de modo a permitir a circulação automóvel em dois sentidos, e a assegurar a boa circulação dos estimados “1850 veículos/dia”. Pasme-se.

Portanto, no que toca ao primado do peão e das mobilidades suaves sobre o popó, não se vislumbra século XXI neste plano dito de pormenor, antes pelo contrário, até porque ainda se quer construir um silo monumental ao cimo da arriba, com sistema elevatório, de modo a também por aí se escoarem devidamente as estimativas automóveis.

Por outro lado, pensar-se-ia que o essencial do plano fosse a reabilitação dos pavilhões, armazéns e ruínas (muitas, imensas) do longo do cais de cerca de 1km de extensão, quiçá por meio de uma replicação do modelo de sucesso (até ver) da outra margem, um mix entre a Lx Factory e as Docas de Alcântara.

Contudo o que se constata é que a habitação é o mote de toda a operação urbanística para os mais de 80 mil m2 de implantação da área a intervir, e habitação em 2.ª linha, o que implica, obviamente, construção em altura para que todos os novos habitantes possam usufruir de vistas para o rio e para a outra margem. Vai daí, toca a ampliar tudo o que lá existe, esteja de pé ou em ruína.

Por isso, do que se trata de facto é de operação imobiliária em grande escala. E de demolições em barda. Novos arruamentos e muitos prédios novos.

É verdade que também estão previstas áreas para as indústrias criativas, outras para artes e outras ainda para memoriais aos tempos de antanho daquele cais, de fábricas, indústrias, armazéns, barcos, bacalhoeiros ou não, e trabalhadores, muitos trabalhadores. Mas sabe a pouco, muito pouco, e a modas, uma vez que o fulcral do empreendimento é adaptar-se o que existe e construir de raiz para habitação com vista.

Duvida-se, inclusive, que a silhueta e as fachadas dos edifícios de 1.ª linha, em cima do cais, se mantenham como estão, quanto mais as coberturas e acabamentos.

O que não se entende é que a mesma câmara municipal tenha reabilitado sem mácula outra área de Cacilhas, ali bem perto, escassas dezenas de metros por detrás do cais.

O que nunca se entendeu é como o Cais do Ginjal não está classificado de Interesse Público ou Municipal, porque em vez deste que se diz plano de pormenor e não passa de uma urbanização, teríamos, isso sim, um Plano de Pormenor e Salvaguarda, que é disso que se trata: salvaguardar o cais, recuperando-o e re-utilizando-o, mas sem lhe matar a alma ou travestir o corpo. A gula imobiliária não seria a mesma e o cais já não cairia que nem ginjas? Talvez não.

Por falar em sabores e digestões, haverá, por certo, novos e muitos sabores no futuro cais, e por isso mesmo, bastante concorrência aos agora celebérrimos e incontornáveis “Atira-te ao Rio” e “Ponto Final”, pelo que nunca é demais prevenirem-se estes dois na eventualidade de lhes poder vir a acontecer o que sucedeu ao outrora célebre “Floresta do Ginjal” e às suas festas de casamento, que se finaram, ambos.

No horizonte do plano há ainda lugar a mais uma cena, a da “praia do Ginjal”, sobre a qual há-de cair o pano.

Do lado de lá da península, na antiga Lisnave, está também já em ensaios finais a grande urbanização da Margueira, mas não se vê do lado de cá.


Fundador do Fórum Cidadania Lx

06/08/2018

Público: "Enquanto isto, continuamos sem pinga nos chafarizes e com cada vez menos sombra"

OPINIÃO

Enquanto isto, continuamos sem pinga nos chafarizes e com cada vez menos sombra



É lamentável e vergonhoso que, excepção feita às fontes monumentais da Alameda, Praça do Império e Rossio, tudo o mais esteja porco, vandalizado e escavacado desde há 20, 30 e 40 anos, e seco.

É nestas alturas de canícula, que os peritos vaticinam como potencialmente mais frequentes com o passar dos anos, que não se percebe, nem admite, que sendo Lisboa uma cidade abastecida por um aqueduto, rematado por mil e um chafarizes e bicas, destes e destas não verta nem pinga que nos permita meter a cabeça debaixo da torneira para refrescar nem que seja a moleirinha.

É assim verdadeiramente lamentável e vergonhoso que, excepção feita às fontes monumentais da Alameda, Praça do Império e Rossio (era o que mais faltava que estivessem secas...), tudo o mais esteja porco, vandalizado e escavacado desde há 20, 30 e 40 anos, e seco. E ninguém faz nada para inverter a situação.Chega a ser caricato ouvir-se os responsáveis públicos recomendarem-nos isto e aquilo a propósito da presente vaga de calor e depois o que nos resta para refrescar em termos líquidos? A torneira de casa ou um copinho de (ou será com?) água a pedido no café mais próximo, quiçá pagando-o como já acontece nalguns estabelecimentos, que para oportunismos desses estamos sempre prontos.

É certo que Lisboa não é Roma, nem Belas é Tivoli, nem temos por cá a arquitectura romana de Acqua Vergine, nem Bernini, mas temos Mardel e as Águas-Livres e as suas mil e uma ramificações, ainda por cima recentemente (e pomposamente) colocadas na “lista indicativa” das nossas candidaturas à Unesco, mas que continuam sem obra à vista nem se vislumbra sequer qualquer preocupação em intervir no monumento, que o dignifique para orgulho de todos, antes apenas o habitual blá-blá-blá em que somos pródigos.

E é por isso inaceitável que os anos vão passando e as entidades com responsabilidades nestas coisas (EPAL e CML acima das demais) vão continuando a assobiar para o lado, sem serem chamadas a justificar-se e, mais importante, a agir. Em vez disso, vão deixando que a quase totalidade das bicas, chafarizes e fontes existentes em Lisboa continue sem deitar pinga, quanto mais a jorrarem água para melhor suportarmos a canícula. Antes se vão mantendo cobertos de tags, roubados do chumbo e do bronze dos seus manípulos e ornamentos, com a pedra tantas vezes partida, quando não cheias de entulho e lixo, e até fezes humanas, enfim, numa desgraça completa que nos devia envergonhar a todos, mas que, pelos vistos, não envergonha.

Mais inconformado se fica ao ler relatos como o recentemente republicado acerca da canícula vivida pelos lisboetas em Julho de 1939, em que “até o burro bebeu do mesmo chafariz que os lisboetas”. É que a desculpa habitual para a água não jorrar – a insalubridade da água – já não devia pegar. Passaram-se 80 anos! Não nos digam que não há tecnologia e saber suficientes para resolver esse problema de vez e deixar correr as águas! Porque dinheiro já todos sabemos que há, basta ver a quantidade dele que é deitada diariamente ao lixo e, já agora, na água desperdiçada por aí, quando se rega e a chuva cai em simultâneo, por exemplo.

Há excepções a aplaudir? Há. Recentemente, a CML recuperou o esplendor da água e da pedra no Chafariz de Dentro, colocando inclusivamente réplicas das míticas cabeças de cavalo em bronze que terão existido há muito tempo e davam nome ao chafariz-bebedouro. E anuncia como iminente o início de empreitada semelhante para o Chafariz da Esperança (MN), para depois se fazer igual ao Chafariz d’El-Rei, este aqui envolvido numa empreitada de maior fôlego e desejada há muito: as alcaçarias de Alfama, que sendo águas são-no de facto mas muito mais quentinhas...

Só que o que tem sido feito não chega. A CML e a EPAL têm meios suficientes para abraçarem a sério a causa da arquitectura da água na cidade (parece que já nem os célebres “vulcões” da Expo jorram magma em forma de H2O...), justificando assim as menções honrosas que sempre invocam, os summits que organizam (por ex., o Congresso Mundial da Água que a autarquia organizou há pouco tempo). E têm que se entender (e, também neste particular, Lisboa não difere muito do resto do país, basta lembrarmo-nos dos casos, também envolvendo águas, da Casa da Pesca e do Farol do Bugio, por exemplo, em que as várias entidades competentes não se entendem e os monumentos definham).

Haja, portanto, vontade de quem de direito, directrizes claras, entusiasmo e empenho!

E por falar em esbanjamentos, porque também tem que ver com a resistência à canícula, que dizer do desperdício de receitas das taxas de dormida e afins que tem resultado das intervenções da CML no âmbito do programa Uma Praça em Cada Bairro? Designadamente nas muitas e variadas (curiosamente, todas iguais) soluções paisagísticas, de “trazer por casa”, diga-se, que nos impingem em cada “inauguração” e que se traduzem, regra geral, por autênticos desertos em que não só não existe o elemento água como nem sequer há sombra!

Veja-se o caso da intervenção em Sete Rios (e que tamanha contradição!), o mais recente exemplo acabado desse paisagismo da treta, de “chapa 5”, em que as árvores (e os candeeiros, já agora) são entendidas como bibelots, muitas vezes descartáveis, palitos de um imenso paliteiro inóspito, “à torrina do Sol”, qual canícula qual carapuça, porque o que interessa são os 3-D do autor da coisa.

Nessas praças em cada bairro, nada de árvores de grande porte, que são perigosas, tombam facilmente, dão sombra a mais nas casas e nos toutiços dos incautos, atraem toda a sorte de passarada, que depois faz muito barulho e conspurca tudo e que, aliada aos terríveis sucos resultantes da natural floração (que é isso?) das árvores, que se prezam de ter porte, arruínam a chapa e os pára-brisas das caranguejolas dos moradores, acabadinhas de adquirir a crédito mas com ar condicionado, que refresca tudo de forma muito melhor em tempos de canícula, qual sombra qual quê.

pobres meninos e meninas, já não bastava terem-lhes tirado os “perigosíssimos” baloiços de vertigens memoráveis, ou os foguetões em ferro (comemorativos do Sputnik – que é isso, algum jogo de computador?), que arranhavam (Hirudoid, que é isso?) ainda mais do que a gravilha do chão (só pisos confortáveis, s.f.f, que a empresa agradece), para agora lhes recusarem a sombra das grandes árvores, isto porque lhes pode cair um ramo (são umas velhacas as árvores) em cima ou, quem sabe, a passarada pode sujar-lhes o quico e depois alguém tem que sujar as mãos para o limpar.

Resumindo, é triste que, estando Lisboa rodeada de água doce e salgada, na cidade do Aqueduto das Águas Livres se tenha interiorizado como inevitável o sermos todos não sardinhas suculentas (essas reservam-se para as Festas da Cerveja, perdão, da Cidade) mas carapau seco.Lá fora são uns atrasados, a terem árvores de grande porte em parques, praças e ruas. Que perigo, senhores. Cá dentro é que somos avançados, porque já prevenimos os cataclismos e nos preparamos para a canícula...

https://www.publico.pt/2018/08/05/local/opiniao/enquanto-isto-continuamos-sem-pinga-nos-chafarizes-e-com-cada-vez-menos-sombra-1840143