OPINIÃO
Tem a palavra o novo vereador do Urbanismo da CML
Fundador do Fórum Cidadania Lx
Um blogue do Movimento Fórum Cidadania Lisboa, que se destina a aplaudir, apupar, acusar, propor e dissertar sobre tudo quanto se passe de bom e de mau na nossa capital, tendo como única preocupação uma Lisboa pelos lisboetas e para os lisboetas. Prometemos não gastar um cêntimo do erário público em campanhas, nem dizer mal por dizer. Lisboa tem mais uma voz. Junte-se a nós!
Faz espécie, sim, a lenta agonia por que tem passado aquela estrutura majestosa, aquela majestosa estrutura de ferro e tijolo, aquela que é hoje um dos raros exemplares da arquitectura industrial ainda de pé na cidade de Lisboa.
5 de Setembro de 2019, 6:09
Dentro em breve, inclusive, não será de estranhar que a toponímia local (Rua da Tabaqueira, Largo do Tabaco) seja substituída por algo como “silver street” ou “river plate square”, designações mais consentâneas com o espírito da época em que vivemos e prontas a servir a qualquer visto dourado que ali pretenda lavar alguma coisa que não folha de tabaco. Faz espécie, sim, a lenta agonia por que tem passado aquela estrutura majestosa, aquela majestosa estrutura de ferro e tijolo, aquela que é hoje um dos raros exemplares da arquitectura industrial ainda de pé na cidade de Lisboa (recorde-se a destruição massiva de património industrial que ocorreu em Alcântara e na Boavista há coisa de 20 anos, com a demolição completa de vários edifícios e o desaparecimento de máquinas e utensílios os mais variados, alguns autênticas relíquias, realidade que inviabilizará, por certo, a constituição de um hipotético Museu da Indústria; e fique aqui o aviso de que a recente mudança de mãos do complexo hoje conhecido por “Lx Factory” também não augura nada de bom para aquele conjunto de edifícios).
Faz espécie e revolta, mesmo, quando se sabe que os “Jardins de Braço de Prata” foram projectados pelo mundialmente famoso arquitecto genovês Renzo Piano, e que a Tabaqueira estava incluída no seu “projecto global” inicial, digamos assim, embora sendo então entregue especificamente à arquitecta Grazia Repetto, também ela genovesa.
Não se compreende, pois, como é que um arquitecto do prestígio mundial de Piano deixou cair o projecto de reabilitação da sua colega Repetto, de 2002, que é simplesmente magnífico (vide aqui o projecto), para abraçar, recentemente, um novel projecto, aparentemente, do atelier STC, que apenas projecta mais do mesmo: construção e betão.
De facto, pelo projecto magnífico de Repetto, pretendia-se (pretende-se) reabilitar todo o edifício da Tabaqueira como espaço cultural e gastronómico (“La Tabaqueira - Museo del Património Cultural Gastronomico Nazionale Portoghese-Lisbona”), pelo que tudo, mesmo tudo, seria restaurado e reinventado, com gosto e bom senso: espaços comerciais, restauração, jardins, estufas, etc., numa palavra: algo de que vão precisar e muito, os futuros moradores dos “n” condomínios que vão nascer para aquelas bandas (Beato, Poço do Bispo, Braço de Prata, Matinha).
Que se terá passado, então?
Só se sabe que pelo meio houve mudança de proprietário do lote onde se encontra o que resta da Tabaqueira, sendo que durante vários anos, e até há bem pouco tempo, marcou presença na sua ainda lindíssima fachada principal um cartaz com “Vende-se” (na altura era propriedade da EDP…). Sabe-se agora que a CML fez sempre questão em fazer de conta que não via, quiçá contando com a tradicional apatia dos lisboetas para mais tarde declarar como facto consumado o seu desaparecimento total e assim permitir a viabilização do novo projecto já citado.
Pior, em 2010, por exemplo, há registos fotográficos que são inquestionáveis: o edifício estava em muito melhor estado do que está hoje e a sua recuperação teria sido muito menos custosa. Hoje, os vidros das fachadas estão praticamente todos partidos e está corroído ou roubado todo o metal que era possível roubar e corroer, por fora e por dentro.
Pergunta-se: então, não era suposto a CML da 2ª década do século XXI comportar-se de forma mais civilizada do que a das décadas precedentes, em que permitiu que se construísse, sabe-se agora, em terrenos contaminados (por exemplo, a escola da Expo)?
Todos julgávamos enterrado esse período negro camarário de anti-património industrial (vulgo arqueologia industrial), em que edifícios emblemáticos (desde logo a Favorita, em Sapadores) e boqueirões inteiros, becos e travessas onde se localizavam as antigas fábricas de Lisboa, viraram aterros de gravilha, terrenos expectantes de betão e construção, mas nem por isso de melhor qualidade de vida. Enganámo-nos. Redonda e duplamente.
Em primeiro lugar com a CML, porque esta não só perdeu a oportunidade de adquirir para o domínio público o edifício da Tabaqueira enquanto este estava à venda, dando assim bom uso a alguns dos milhares de euros, dos milhões, as receitas da taxa turística cobrada por cada turista que por cá dormita, como ainda não mostrou qualquer simpatia para com o projecto de reabilitação de 2002, projecto esse que, a ser abraçado pela CML, podia fazer a diferença em termos de política urbanística da CML doravante.
Em segundo lugar, e bem mais surpreendente, convenhamos, com Renzo Piano.
Porque ninguém está à espera que um arquitecto do seu gabarito, uma daquelas estrelas da Arquitectura que habitualmente contamos com os dedos de uma só mão, seja indiferente ao Património pré-existente, no caso, seja completamente indiferente ao pequeno mas majestoso e histórico edifício da antiga Tabaqueira, deixando cair no esquecimento o belo projecto de reabilitação que a sua conterrânea fez para ele, e para Lisboa, em Dezembro de 2002. Mais a mais um projecto que complementaria os seus “Jardins de Braço de Prata” de uma forma espectacular.
Signor Arch. Dott. Renzo Piano, a Tabaqueira de Braço de Prata pode ser salva.
Ajude-nos!
Fundador do Fórum Cidadania Lx
Ninguém terá ainda percebido na realidade qual a estratégia de médio e longo prazo, o critério também, que levou a que, de repente, não mais do que repente, o senhor Ministro das Infraestruturas e Habitação, primeiro, em conferência de imprensa e sem muito mais desenvolver, e o senhor Primeiro-Ministro e o mesmo ministro, dias depois e em visita ao complexo do antigo Hospital Miguel Bombarda, anunciassem, a pouco tempo do final do mandato, o compromisso do Governo em colocar um conjunto específico de edifícios abandonados (porquê aqueles e só aqueles?), propriedade do Estado, no mercado de arrendamento, a rendas acessíveis.
Mas, independentemente desses detalhes, há que realçar a prenda, subliminar, que este anúncio representa para todos quantos se importam com o futuro do morro de Rilhafoles, que coroa a chamada Colina de Sant’Ana, e, portanto, com a silhueta de Lisboa, e que é esta:
A urbanização, o estudo prévio-projecto de seis torres e vários arruamentos que o arquitecto Belém Lima concebeu para aqueles 4,4 hectares, depois de o Governo vender o antigo hospital à Estamo, em 2009, por 25 milhões, concedendo-lhe a possibilidade de nele promover uma urbanização, e que a CML apadrinhou oficiosamente, diga-se, terá ido para o … l-i-x-o.
Aleluia!
Que alívio para a vila toscana de San Gimignano, a “Manhattan do medievo”, com a qual o arquitecto teimava em comparar as suas futuras torres, algo só compreensível se se tiver em conta a antiga designação do dito: “hospital de alienados”.
E que boa, excelente, notícia é para todos os que lutaram desde a primeira hora contra essa urbanização, por entenderem que estava em causa a História e o Património da cidade, que seriam assim irremediavelmente amputados.
Desde logo o então o ex-director do Museu de Arte Outsider, a quem a voz nunca doeu nem dói. E o punhado de estóicos e vertebrados sábios de História da Arte, que sempre comungaram das mesmas preocupações, ajudando a espalhar a indignação, que se tornou viral. E a incansável, e até há pouco tempo, responsável pelo núcleo do património cultural do Centro Hospitalar de Lisboa Central.
Mas também os que na Direcção-Geral do Património Cultural souberam e puderam, em boa hora (2010), aceitar classificar como Conjunto de Interesse Público o Pavilhão de Segurança (“panóptico”) e o Balneário D. Maria II, e, em 2014, estender essa mesma classificação ao edifício central do antigo convento, à antiga Casa da Congregação da Missão de São Vicente de Paulo.
E, já agora, a Assembleia Municipal de Lisboa e, certamente, a sua Presidente que, organizando em 2014 uma série de debates sobre o futuro da Colina, trouxe a nu os erros, as omissões e tudo o mais que gravitava em torno do “mega-loteamento” que se cozinhava para os antigos Hospitais Civis de Lisboa a Santana: São José, Capuchos, São Lázaro, Santa Marta e, claro, Miguel Bombarda.
Virou-se a página. Que bom.
Importa agora saber o que se segue e, sobretudo, “como” segue e “quando”, já agora. Ou seja, resta saber:
Quem vai pagar a quem (imagina-se que à Estamo), e quanto, pela encomenda já paga (supõe-se) do estudo prévio da urbanização agora enterrada? E a compensação/indemnização à Estamo pelo facto de já não haver essa urbanização, será feita unicamente por via das rendas que serão pagas por quem vier a arrendar os futuros apartamentos? A sério?
E o arrendamento agora anunciado será implementado em que edifícios do antigo hospital psiquiátrico? No corpo central e nas enfermarias em “poste telefónico” e em “U”? E quais serão os apartamentos para renda acessível? O senhor Ministro disse em entrevista à RTP, em 10 de Julho, que haverá sempre lugar a apartamentos a preços de mercado para compensarem os outros. Resta a saber qual a percentagem de cada qual.
E a CML? Vai deixar de lado o seu propósito geral para toda aquela zona, o denominado Projeto Urbano da Colina de Santana, entregue o atelier Inês Lobo, Arquitetos Lda.? Há um novo mega-plano? Qual? Feito por quem? Pressupõe discussão pública, aquela que não houve antes da AML o ter feito, e bem, por sua própria iniciativa? Vai deixar de ser uma “colina da saúde” para ser uma “colina da habitação”?
E o futuro do Bombarda, implicará demolições? Haverá novas construções, onde? Será escrupulosamente respeitada a classificação da DGPC? Será desta a recuperação e dignificação do Balneário D. Maria II, cujo estado de conservação continua uma vergonha apesar das múltiplas promessas feitas pela Estamo desde há 10 anos a esta parte? E no edifício principal? No salão nobre, no gabinete do dr. Miguel Bombarda?
E o Museu de Arte Outsider? Será autónomo do tal futuro Museu da Saúde (o actual é risível)? Ocupará apenas o “panóptico”?
E a antiga cerca do convento, será esburacada (talvez a experiência na Sé vire moda). E o telheiro, a que ninguém liga? E a belíssima antiga cozinha?
E as oliveiras centenárias, que a CML ignorou classificar, e as outras árvores de grande porte? Vão ser abatidas?
Finalmente, os acessos.
Vai voltar a haver eléctrico? Mais carreiras bus? É que a CML nunca aceitou a proposta que vários lhe fizeram no sentido de fazer no Bombarda o Arquivo Municipal de Lisboa (todo!), acabando-se com a situação a todos os títulos deplorável de Campolide e/ou Alto da Eira.
A CML invocou sempre que, além de não caberem (!) no Bombarda os necessários quilómetros de prateleiras do Arquivo, os acessos seriam sempre péssimos.
Seja como for, o futuro do antigo Hospital Miguel Bombarda escrever-se-á direito por linhas tortas, e isso faz toda a diferença.
27 de Março de 2019, 16:50
Apelidar de “regeneração” e “qualificação” a algo que se resume a, basicamente, construir em todo o lado onde houver espaço vago neste cais que é hoje de memórias e memoriais à era industrial, é teatro do absurdo.
10 de Janeiro de 2019, 8:31
Onde não estamos é que estamos bem. Já não estamos no passado, e então ele parece-nos belíssimo. (O Ginjal, Anton Tchékov)
O excelso dramaturgo russo autor de O Ginjal (também conhecido por Jardim das Cerejeiras) que me perdoe por o invocar em vão (talvez), assim, sem mais, mas há um drama em fase de ensaio final para o Cais do Ginjal, aqui defronte a Lisboa, ainda que o encenem como uma história de amor redentor, perdão, como “elemento regenerador e qualificador do Património Industrial”.
A peça, intitulada Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, é da co-autoria moral e material da Câmara Municipal de Almada, do promotor imobiliário madeirense AFA e do atelier de Samuel Torres de Carvalho, com os primeiros escritos a remontarem há mais de 10 anos, e está quase a estrear em palco, sem ponto, e, que se saiba, com cenários contemporâneos, mas nem por isso minimalistas.
Não que se esperasse que dessem agora em recriar os tempos imemoriais da acostagem dos navios contendores em plena crise de 1383-85, ou as marés cheias, ou vazias, do pós-Terramoto e do milagre que salvou Cacilhas das águas então revoltosas. Mas apelidar de “regeneração” e “qualificação” a algo que se resume a, basicamente, construir em todo o lado onde houver espaço vago neste cais que é hoje de memórias e memoriais à era industrial, é teatro do absurdo, quiçá stand-up comedy.
Sem mais comédias e em pouco palavreado, para quem não esteja a ver muito bem com o que se vai deparar se não houver correcções ao texto e aos números defendidos neste plano, e decidir avançar Rua do Ginjal adentro chegado que esteja ao apeadeiro fluvial, é o seguinte:
A rua estreita e empedrada, a espaços, do cais propriamente dito, onde até há 50-60 anos havia verdadeiras multidões a circular por entre guinchos e postos de amarração, e outras tantas caldeiradas; vai ter o dobro da largura e o paredão será reforçado substancialmente de modo a permitir a circulação automóvel em dois sentidos, e a assegurar a boa circulação dos estimados “1850 veículos/dia”. Pasme-se.
Portanto, no que toca ao primado do peão e das mobilidades suaves sobre o popó, não se vislumbra século XXI neste plano dito de pormenor, antes pelo contrário, até porque ainda se quer construir um silo monumental ao cimo da arriba, com sistema elevatório, de modo a também por aí se escoarem devidamente as estimativas automóveis.
Por outro lado, pensar-se-ia que o essencial do plano fosse a reabilitação dos pavilhões, armazéns e ruínas (muitas, imensas) do longo do cais de cerca de 1km de extensão, quiçá por meio de uma replicação do modelo de sucesso (até ver) da outra margem, um mix entre a Lx Factory e as Docas de Alcântara.
Contudo o que se constata é que a habitação é o mote de toda a operação urbanística para os mais de 80 mil m2 de implantação da área a intervir, e habitação em 2.ª linha, o que implica, obviamente, construção em altura para que todos os novos habitantes possam usufruir de vistas para o rio e para a outra margem. Vai daí, toca a ampliar tudo o que lá existe, esteja de pé ou em ruína.
Por isso, do que se trata de facto é de operação imobiliária em grande escala. E de demolições em barda. Novos arruamentos e muitos prédios novos.
É verdade que também estão previstas áreas para as indústrias criativas, outras para artes e outras ainda para memoriais aos tempos de antanho daquele cais, de fábricas, indústrias, armazéns, barcos, bacalhoeiros ou não, e trabalhadores, muitos trabalhadores. Mas sabe a pouco, muito pouco, e a modas, uma vez que o fulcral do empreendimento é adaptar-se o que existe e construir de raiz para habitação com vista.
Duvida-se, inclusive, que a silhueta e as fachadas dos edifícios de 1.ª linha, em cima do cais, se mantenham como estão, quanto mais as coberturas e acabamentos.
O que não se entende é que a mesma câmara municipal tenha reabilitado sem mácula outra área de Cacilhas, ali bem perto, escassas dezenas de metros por detrás do cais.
O que nunca se entendeu é como o Cais do Ginjal não está classificado de Interesse Público ou Municipal, porque em vez deste que se diz plano de pormenor e não passa de uma urbanização, teríamos, isso sim, um Plano de Pormenor e Salvaguarda, que é disso que se trata: salvaguardar o cais, recuperando-o e re-utilizando-o, mas sem lhe matar a alma ou travestir o corpo. A gula imobiliária não seria a mesma e o cais já não cairia que nem ginjas? Talvez não.
Por falar em sabores e digestões, haverá, por certo, novos e muitos sabores no futuro cais, e por isso mesmo, bastante concorrência aos agora celebérrimos e incontornáveis “Atira-te ao Rio” e “Ponto Final”, pelo que nunca é demais prevenirem-se estes dois na eventualidade de lhes poder vir a acontecer o que sucedeu ao outrora célebre “Floresta do Ginjal” e às suas festas de casamento, que se finaram, ambos.
No horizonte do plano há ainda lugar a mais uma cena, a da “praia do Ginjal”, sobre a qual há-de cair o pano.
Do lado de lá da península, na antiga Lisnave, está também já em ensaios finais a grande urbanização da Margueira, mas não se vê do lado de cá.
Fundador do Fórum Cidadania Lx