15/11/2007

As traseiras de Lisboa (mesmo no centro)










Independentemente dos planos para a zona BelaVista/Olaias/Chelas, seja através do alargamento do parque da Bela Vista, seja pela construção de hospitais ou centros administrativos, seja pela construção de uma nova estação de TGV e o espaço destinado à nova ponte e acessos, a verdade é que a zona já é titular incontestável de vários atentados urbanísticos de Lisboa. Falemos de apenas um.

No imenso vazio urbano que é Chelas, foi autorizada a construção do hipermercado Feira Nova por cima da Av. Santo Condestável, criando uma gigantesca zona escura e perigosa. Na prática transformou-se espaço público num lúbrego parque de estacionamento. Escusado será dizer que a zona tornou-se proibitiva quanto ao seu atravessamento pedonal e a CML acabou por autorizar este verdadeiro muro, que corta uma avenida/bairro ao meio.

Como se não bastasse, foi decidido concretizar o cruzamento da Avenida Estados Unidos da América com a Av. Santo Condestável através da bifurcação das avenidas, que por sua vez se subdividem em outros tantos viadutos, ao invés de um cruzamento simples ou, pelo menos, sobreposto.

Em conclusão, ao invés de se criar cidade, amigável e para ser usufruída pela população, criou-se um nó rodoviário confuso e sem valia, apenas para uso de automóveis, em que as novas torres de habitação para jovens tornaram-se em ilhas isoladas e reféns da rede viária e dos arredores inóspitos.

Aliás, qualquer rua urbana torna-se inabitável se se tornar em mera sucessão de viadutos ou na cave de um imenso centro comercial, sem luz e inseguro.

Ora, fazer construir um centro comercial a servir de tecto de uma avenida, num local já inóspito e com problemas de segurança e que, acrescendo, tem grandes áreas vazias ame volta, sem uso e abandonadas, não tem qualquer explicação ou justificação.

Se em acréscimo esta zona sensível da cidade, ainda for local de implantação de nós rodoviários e ferroviários, da nova ponte e do TGV, ficará, irremediavelmente, para o futuro, como uma zona inabitável e sem remédio.

Assim, nunca deixará de ser as traseiras esquecidas (e perigosas) de Lisboa.

Nota: as fotos

Chelas, o descalabro, sempre a piorar desde a zona J (à direita, cerca de 1970) até ao bairro do Armador (anos 1990). À esquerda, em cima, fica a estação de metro da Bela vista, que, a partir da Zona J e dos outros bairros a leste do vale, só é acessível de carro. Apesar de ficar mesmo ao lado da Quinta do Armador, não foi feito um acesso a este bairro. Chelas tornou-se um paradigma de tudo o que não se deve fazer, desde as dificuldades de circulação, seja a pé, seja de transportes públicos, seja de carro, até às descontinuidades do edificado, à má qualidade de construção, e à arquitectura utópica, disfuncional, simplesmente abaixo de cão ou mesmo a roçar o criminoso, passando pela separação de zonas residenciais e comerciais e pelos realojamentos em massa de populações miseráveis

Pena não ter fotos do feira nova e da área envolvente.

5 comentários:

Miguel Carvalho disse...

De facto pior que essa zona é impossível. E de facto não só em termos estéticos, mas em termos de urbanismo.
Viver nos prédios por cima do hipermercado deve ser o mais próximo que há de viver numa prisão.

Gonçalo Cornelio da Silva disse...

Tem muita razão na sua observação ou melhor, na análise que realizou e descreveu.
Justamente porque se transformou o Vale de Chelas, como muito bem disse "refém do automovel", vou explicar por poucas palavras como se poderá resolver situações deste tipo.
Não podemos transformar toda aquela zona num parque verde pois imediatamente se irá transformar numa zona extremamente perigosa. Ora é necessario que grandes zonas verdes tenham uma função, ou seja em vez do campo de treinos do raguebi ser nas Olaias muda-se para o Parque da Bela Vista. Outro exemplo a encosta norte do Alto de São João não serve para se passear, ninguem irá a essa zona, no entanto facilmente se poderia realizar um parque para os columbófilos. Desta forma existem pessoas no parque, e por este motivo promovem a segurança.
Relativamente ao desenho urbano, como corrigir o desenho? A situação nesta zona encontra-se degradada porque se criou uma zona monoclassista ou seja é sómente gente com poucos recursos, e praticamente só habitação social, transformou-se esta zona num gheto, tal como fizeram na zona do parque das nações. E por isso o comércio não pode vingar, porque será que todos gostam de campo de ourique. Alias nunca foi tradição em Portugal, porque sempre existiu uma grande mistura de gentes de todas as classes sociais em todos os bairros sociais.
E fundamental construir e formar quarteirão, e como conhece bem a zona consegue perceber que será dificil, mas é fundamental. A cidade funciona por uma mistura de usos e de pessoas. Deve sempre existir comercio de rua por este motivo os centros comercias de grande dimensão destroem as relações de vizinhança. Por outro lado os fogos de piso terreo são necessários para algumas pessoas. E esta gestão que o municipio deve resolver para além disso é proprietária dos terrenos, não pode fazer nucleos de habitação social.
Mas sejamos optimistas, o Vale de Chelas tem um potencial incrivel, não esqueça que a zona do parque das nações, o índice de cidadania e vizinhança é igual a ZERO ou seja não existe solidadariedade nem relação entre vizinhos, ora isso não acontece em Marvila. E uma vez que todos assistimos aos graves erros urbanos como a zona da expo ou a zona do corte inglês, naquele vale ainda se pode fazer alguma coisa, e recuperar os disparates que foram realizados. O que é lamentavel é que as pessoas que fizeram esses disparates tem hoje medo que lhes apontem o dedo, fique sabendo que já ouvi da boca de um dos autores falar no “local do crime!” (!?) porque foi criminoso o que fizeram!
E fundamental mais densidade urbana e de forma sustentavel e portanto mais economica, não podemos nos dar ao luxo de construir infraestruturas e só utilisar 40%, não se pode fazer estações de metro se não forem utilizadas. Ruas e avenidas e não eixos estruturantes ou vias rápidas, em vez de triangulos ou rotundas, fazer cruzamentos semaforizados e em angulo recto de forma a não permitir grandes velocidades, não permitir o estacionamento em espinha é perigoso e anti-social.
Enfim existem um cem número de soluções para recuperar toda a zona de Marvila, é gente simples mas têm grande valor e posso lhe garantir que conheço muitos. Pela minha parte não aceito urbanismo científico tal como se tem feito até agora com consequências de promover a segregação social.
Voltarei a falar no assunto.

Tiago R. disse...

Estou completamente de acordo com o que aqui escreveu GCS.
Apenas acrescento:
Não vai ajudar em nada aquela zona da cidade que se permita que continue a destruição do Parque da Bela Vista, nomeadamente através da realização do Rock in Rio, agora com a bênção do Sá Fernandes!
O Parque pode ser estruturante para corrigir (parte) desses erros, se receber equipamentos (e eventos) adequados.

Gonçalo Cornelio da Silva disse...

Não esqueça que o Rock in Rio, foi uma estratégia de forma a trazer para a "boca das pessoas" aquela zona, fez parte de toda uma estratégia, como outras que desconhece que seria exaustivo mencionar. Terminou no dia 19 de Janeiro de 2004 no Bairro da Flamenga onde estiveram 11 ministros! O que é lamentável foi terem abortado toda esta estratégia. De levar a Cidade a todos estes lisboetas.

daniel costa-lourenço disse...

concordo com todos e obrigado pelos vossos contributos.
é preciso falar mais nesta zona.parece é que se avizinham mais projectos da treta para esta zona condenada.