28/06/2005

Casa Garrett, que balanço até agora?

Numa altura em que há novos desenvolvimentos relativamente à Casa de Garrett, e que outros hão-de vir, julgamos conveniente deixar aqui um memento sobre os resultados práticos daquilo que foi dito e feito desde que lançámos a nossa petição, em Outubro passado (por sinal uma petição que já vem no seguimento de múltiplas chamadas de atenção públicas, feitas isoladamente durante os últimos anos). Petição que entregámos à CML, ao Ippar e ao Instituto Camões, em Março passado, por alturas do nascimento de Garrett, com cerca de 2.300 assinaturas de lisboetas, portugueses e estrangeiros. Aqui vai:

Apelámos a:
- Sua Excelência o Senhor Presidente da República, enquanto supremo magistrado, homem culto e ex-Presidente da CML;
- Sua Excelência o Senhor Primeiro-Ministro, enquanto responsável pelo governo, líder partidário e homem culto;
- Senhor Provedor da Justiça, enquanto zelador dos valores de cidadania;

Análise objectiva ao comportamento da CML:

- A CML fez ouvidas moucas aos pedidos que lhe foram feitos nos últimos 150 anos por quem sempre apelou à compra do imóvel e à sua transformação em casa-museu:
- A CML, não contente com o facto de ter permitido uma operação imobiliária de contornos especulativos, foi indiferente ao projecto de demolição do actual proprietário, aprovando-o como se fosse relativo a um outro edifício qualquer;
- A CML não respondeu aos promotores da petição;
- A CML desresponsabilizou-se do assunto ignorando a hipótese de classificar a casa como "imóvel de interesse municipal", remetendo responsabilidades para o IPPAR/MC;
- A CML justificou-se com "desculpas de mau pagador" (ex. falta de verba, suposta ausência de espólio do escritor, suposto pouco valor arquitectónico da casa, existência da casa-museu Pessoa nas vizinhanças - esta mesma num edifício sem qualquer valor arquitectónico e de pouca de memória do poeta), como se comprovam nas afirmações das Senhoras Vereadoras da Cultura e da Reabilitação Urbana;
- A CML mentiu sobre o estado actual do interior do edifício, como se comprova no local;
- Já em relação à Junta de Freguesia de Santa Isabel, cuja sede está na mesma rua da Casa de Garrett, o seu silêncio ao longo dos anos é revelador da tamanha inutilidade da instituição "junta de freguesia".

Análise objectiva ao comportamento do MC/IPPAR:

- A Senhora Ministra da Cultura mostrou-se sensível ao caso, e disse ir estar atenta ao parecer do IPPAR; mas após o parecer deste último desresponsabilizou-se do assunto, passando a responsabilidade novamente para a CML e para os cidadãos (!);
- O IPPAR, ao contrário do que as suas posições iniciais faziam supôr, recusou-se a classificar o edifício como sendo de interesse público, declarando que o melhor seria classificá-lo como "imóvel de interesse concelhio", confessando desconhecer que existe espólio, que o escritor tinha deixado escritos no sentido de vir ter ali a sua casa-museu, e desconhecendo que o projecto de construção nova de 4 andares nada tem a ver com a traça da rua;
- O IPPAR nem sequer respondeu aos promotores da petição.

Análise objectiva ao comportamento do Instituto Camões:

- O Instituto Camões não respondeu aos promotores da petição.
- O Instituto Camões não tomou qq posição pública sobre o assunto, pelo que se conclui que acha que a língua portuguesa é apenas abrir centros de português no mundo, editando livros em português, ignorando que a língua portuguesa é também feita de lugares como espaços de memória dos artistas dessa língua, a começar por Garrett. É caso para dizer o que faz Garrett no site do Instituto Camões?

Agradecemos a ajuda amiga do Centro Nacional de Cultura:

- O CNC, na figura do seu Presidente, sempre esteve do lado da preservação, classificação e conversão da casa de AG em casa-museu, e deu mostras públicas disso ao promover a nossa petição, a ao intervir publicamente de forma continuada e determinada na prossecução daqueles objectivos. Pelos resultados alcançados, e infelizmente, conclui-se que o peso do CNC ainda não é o devido numa sociedade culta e desenvolvida.
- Foi-lhe feito um repto no sentido de se arregimentarem vontades para a abertura de uma conta bancária, em nome do CNC, no sentido de possibilitar a compra da casa ao proprietário, pelo que se aguarda por decisão da Direcção do CNC nesse sentido. Pelas declarações do proprietário estão em causa cerca de largos milhares de contos.

Agradecemos a ajuda amiga da Assembleia da República e da Assembleia Municipal, nomeadamente aos deputados que defenderam publicamente os nossos propósitos (a começar por Manuel Alegre, vice-presidente e deputado da AR, e putativo candidato a PR). Infelizmente, o resultado prático é nulo. Mas é à AR e à AM que compete legislar e fazer cumprir a lei para que no futuro não seja permitido que, a coberto da legalidade, aconteçam mais casos como o da Casa Garrett.

Agradecemos a ajuda amiga da Sociedade Portuguesa de Autores, da Associação Portuguesa de Escritores e do Pen Clube que se têm mostrado indignados pela situação a que se chegou, própria de um país de iletrados e displicentes face ao património que os nossos antepassados nos vêm deixando.

Não agradecemos às fundações Gulbenkian, Oriente, etc., contactadas no sentido de se disponibilizarem como mecenas nesta operação de resgate da casa do autor de "Viagens da Minha Terra", porque nem sequer responderam ao que lhes solicitámos.

Nem agradecemos à Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, porque se recusou a incluir na programação da Feira do Livro, uma sessão sobre o assunto, refugiando-se em falsos argumentos. A CML, estamos certos, agradece.

Em relação ao proprietário, que por acaso é ministro, queremos esclarecer que
- Sempre agiu dentro da lei, o que revela o quão mal está a lei;
- Enquanto homem culto, ainda não demonstrou sê-lo (ser-se coleccionador de fotos de Man Ray não chega!);
- Enquanto cidadão, portou-se mal pois quando comprou a casa sabia-a envolta em polémica, e veio falar de números quando a ocasião aconselhava ao silêncio e à ponderação; agora recusa-se a esperar pelos resultados das eleições de Outubro, tendo iniciado os preparativos para a demolição da casa em plena época estival;
- Enquanto ministro, portou-se mal pois os bons exemplos têm que vir de cima.

Bernardo Ferreira de Carvalho, Paulo Ferrero e Pedro Policarpo

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