28/01/2013

O Trio Maravilha Volta a Salvar a Cidade

Mais uma vez o património da cidade foi salvo para a posteridade pelo triunvirato Manuel Aires Mateus, Frederico Valssassina e a Espírito Santo, Fundos imobiliários S.A. - a tal que fez esta benfeitoria a este palacete. Desta feita apresentaram no programa da SIC Notícias "Espaços & Casas" o que fizeram no edifício da Rua Rosa Araújo 49, agora um exemplo orgulhoso de... recuperação.
Convido-o a ver o programa (aqui) e a dizer de sua justiça.
Em todo o caso permito-me transcrever algumas passagens e deixar aqui as minhas humildes dúvidas na esperança de as ver sanadas.

Informa-nos a locutora:

«Fachada Arte Nova desenhada em 1905 pelo ilustre arquiteto Nicola Bigaglia» - mas ele desenhou todo o edifício ou só a fachada?

«Caso de sucesso no panorama da reabilitação urbana» - penso que aqui houve um lapso da produção. Creio que queriam dizer "caso de sucesso na construção de raíz onde se implantava outro imóvel"

Explica-nos o Arq. Manuel Aires Mateus:
«Achámos que devíamos ter mantido a escala da fachada que era, de alguma maneira intocável» - que pena que o colega italiano que projetou este edifício em 1905 não ter estado inspirado quando pensou os interiores. Paz à sua alma que, pelo menos agora esta "sua" obra jamais será esquecida.

«… distribuição espacial que tinha a ver com outro modo de viver (...) Achámos que devíamos dotar o edifício com esse modo de viver (moderno) mas mantendo a representatividade que reconhecíamos no edifício do princípio do século» - Este imóvel com apartamentos a rondar o milhão de Euro - e mais- é de fato representativo; e é, em tudo o que se deixa ver, completamente personalizado. Assim que se virem estes apartamentos numa fotografia teremos a certeza que as linhas brancas, o minimalismo e design contemporâneo só poderão ser os deste imóvel.
Há que manter a necessidade social da representatividade que a vida moderna nos impõe e este edifício fá-lo de maneira magistral. Antes aqui tal não acontecia. tenho a certeza.
«Mantém-se a qualidade que reconhecíamos no edifício anterior» -reconheciam?

«É mantida a escala de outro tempo» - reflete-se, principalmente pelos tetos baixos a razar as janelas e a ausência de divisões definidas, como acontecia noutros tempos.

«Depois há uns detalhes que se aproveitaram como é o caso desta porta, como podem ver...» - aqui o arquiteto aponta para uma porta de ferro torneado com motivos florais, transformada em painel! Do resto do edifício não resta mais nada.

 Do colega Valssasina ficamos a saber:

«Quando se faz recuperação… as casas devem ser de muito fácil apreensão pelo utente. As pessoas devem perceber onde é a zona social, onde é uma zona mais privada e onde é a cozinha.» - esse era um problema com as casas de época, os convidados entravam e quando se ausentavam para ir aos lavabos perdiam-se. Alguns nunca foram encontrados.

«Nestes espaços faz sentido integrar a cozinha na zona da sala» - claro que sim!

«...criar uma zona de serviços que se pode transformar num quarto de empregada ou numa lavandaria associada à cozinha» - mas isso é o que as casas antes tinham com a diferença de que um quarto de empregada seria sempre um quarto de empregada e nunca teria vocação de lavandaria ou outra coisa. Graças a Deus os sindicatos nunca saberão desta!

«Isenção de IMI e IMT» - como conseguem? Também quero tentar; afinal o meu edifício de 1930 ainda tem os mesmos interirores, ou isso desqualifica-o?


E agora a cereja em cima do bolo:
«Este edifício oferece conforto aos seus moradores ao mesmo tempo que preserva a memória da capital» - a memória que eu e muitos têm da capital não é, de todo, esta.
É curioso como os arquitetos, designers e promotores ao descreverem as suas obras sempre me deixam a sensação de não estarmos a falar sobre as mesmas coisas.

Deixo agora como se podia fazer mas aparentemente não se faz porque o mercado português é demasiado sofisticado para estes atavismos:






Conseguem perceber alguma vantagem destes exemplos parisienses?

Como é possível a vida moderna nestes edifícios?








8 comentários:

Paulo Ferrero disse...

Belo post, Alexandre! Olhe, isso eh conversa para pacovio... o edificio era todo do Bigaglia, claro, os seus interiores eram magnificos e foram totalmente destruidos. Ponto. Devia pagar IMI como todos os outros que nao merecem isençao, ja que este nao merece qq proteccao ou excepçao. Ponto. Tudo o mais eh conversa da treta, so possivel gracas a uma CML e a um Igespar permeaveis a 100%. Ponto.

Anónimo disse...

Aiaia,"suspiro"...Quando olho para estas imagens e para os interiores dos edifícios Parisienses!
Que Classe, que Beleza, que Consolação, enfim... civilização!
Agora façam o favor de assistirem ao video da suposta recuperação do edifício da Rosa Araújo e preparem-se para entrarem no mundo do Bimbo do Zé Povinho.
A única coisa que me surpreende é de não ter visto nenhuma loiça do Bordallo Pinheiro.

PimPamPum disse...

Ora viva!

Ora bem, parece que há por aqui alguns mal-entendidos. Ora então vejamos os pontos de ataque de A.M.C.:

O primeiro é uma questão de somenos. A locutora fala no desenho da fachada porque são essas as primeira imagens da reportagem. Obviamente que não se desenha uma fachada sem se desenhar as plantas e todo o edifício. Mas tudo bem, vamos ao que mais interessa.

Reabilitação urbana? É discutível. Pessoalmente, sou muito pouco a favor desta história de manter a fachada e depois se fazer tudo diferente por dentro. Mas a CML assim o obriga. Embora aqui haja um valor patrimonial na fachada a ser preservado. Em todo o caso, se não fosse uma reabilitação não se manteria a fachada, o elemento do edifício com maior impacto na cidade. Além deste factor condicionar todo o projecto.

No terceiro ponto, o arquitecto não fala em escala da fachada. Nem sei bem o que isso é. Fala em escala, fachada e volumetria. Em relação à questão dos interiores, dois pontos prévios. Não sabemos qual era o seu estado de conservação, tão pouco conhecemos as plantas (pode-se sempre consultar no arquivo municipal de Lisboa). Mas tendo sido desenhado em 1905, anteriormente ao movimento moderno, arrisco-me a subscrever o que diz Manuel Aires Mateus: "entre o princípio do séc XX e o princípio deste século há algumas mudanças na maneira de viver que obrigam a alguma adaptação". Já não há circuitos de serviço…felizmente. Não? Então faria algum sentido manter as plantas do colega italiano, que pressupunham um circuito para a alta burguesia e outro independente para a criadagem? Hm..
Grau de representatividade do edifício original: aqui sim há algum exagero do arquitecto (de forma a vender o projecto e a agradar o cliente). De qualquer forma apenas vemos algumas imagens e portanto a nossa crítica é algo redutora. Imagino que possam haver mais algumas reminiscências, além da porta em ferro.

Em relação às considerações do Arq.Valssassina. É uma pessoa simples que apresenta as coisas de uma forma simples (também os há, entre arquitectos). Não vejo por aí razões para ser criticado. Deve-se perceber bem onde é a zona social, sim. Integrar a cozinha na zona da sala, sim. Qual o motivo de crítica? As pessoas perdiam-se para ir aos lavabos? Nem lavabos havia. Havia uma pia para os mais afortunados. O lavatório surgiu durante o movimento moderno (recomendo um texto sobre o assunto: "plumbers", A.Loos). Voltamos ao mesmo, as casas da época eram outra história.

Agora esta é boa. O projecto deixa um espaço flexível (com luz natural) que pode ser apropriado como lavandaria ou como quarto de empregada. E diz-nos que pelo menos na época um quarto de empregada seria sempre um quarto de empregada (sem luz natural, provavelmente). Sim nessa altura isso nem era discutível. A ideia aqui não é acumular as duas funções, mas sim optar por uma delas.

Não sou fã do "white wash" do atelier de Manuel Aires Mateus, mas há críticas e críticas.

A tudo isto acrescentemos o seguinte: o Pai Natal não existe (oh!) e numa obra desta envergadura não há lugar para ilusões ou romantismos levianos. A arquitectura é muito mais que um tecto trabalhado. Arquitectura é responder à contemporaneidade e tudo o que o arquitecto faz é futuro. O património arquitectónico deve ser acima de tudo usado (é um propósito básico da arquitectura). Se já não está em condições de ser usado deve ser transformado. O projecto de um edifício é algo extremamente complexo, que tem que responder a imensas questões técnicas. No início, Manuel Aires Mateus faz referência a alterações que foram feitas que têm que ver com segurança, circulação, elevadores, etc. Já imaginou o que era responder a estas questões (obrigatórias) e fazer um esforço por manter as plantas originais e os rococós. Não imagina com certeza, porque não é possível. Ah espere, era possível. Chama-se pastiche. E é de vómitos.

A.M.C. disse...

Caro PimPamPum,

pena que o seu comentário tenha vindo quando este artigo está prestes a passar para a segunda página. Mas terei todo o prazer em responder às suas observações com uma simples observação minha: como explica que em Paris, Salzburgo e muitas, muitas outras cidades se mantenham as estruturas dos apartamentos, se conservem os rococós (como arquiteto sabe bem que nem é esse estilo que está em causa mas pressuponho que use a palavra lato senso, como fazem pessoas simplórias), as cidades obriguem à sua manutenção (em Budapeste foi necessário um movimento para acabar com a festa que por aqui ainda vai alta), sejam esses edifícios e as avenidas onde se inserem as mais caras? As fotografias que deixei de edifícios parisienses foi uma amostra mínima do que existe. Vai sustentar a teoria que milhões de pessoas vivem desconfortavelmente nos seus edifícios de época? É que esse tipo de desconforto não me importo nada de ter, principalmente na Avenue Foch.
O seu post reforça aquilo que comentei: quando os senhores falam das vossas obras e as justificam com uma série de construções ou bizarras, ou fora da realidade eu fico com a clara sensação de que estão a confabular.
Mais umas considerações:
Pim - como não percebe ironia eu explico-lhe onde quis chegar; a importância da fachada por ser de Bigaglia não é maior do que a dos seus interiores. Quando um historiador da arquitetura se referir a este edifício não pode referir nada mais do que "perda quase total" tendo uma valor historico reduzido.
Pam - Pastiche fazem os senhores arquitetos o tempo todo mas desta feita pastiche contemporâneo - imitam-se uns aos outros sem escala - com a diferença de que o vosso pastiche é bem mais desagradável.
Pum - vivo numa casa de época, foi adaptada naquilo que é verdadeiramente necessário e jamais me mudaria para uma caixa de betão e vidro daquelas que o gosto português aprecia. Não é uma necessidade dos tempos modernos tetos falsos para pôr focos, intercomunicadores com imagem e as demais "necessidades contemporâneas". O que é necessário, sim, é as casas estarem bem e criteriosamente conservadas, terem aquecimento e conforto como em qualquer país civilizado da europa que não necessitaram de deitar abaixo o património construído para adquirirem esse conforto.
Os seus argumentos seriam completamente rejeitados se estivesse a falar de cidades alemãs, francesas, suiças, austríacas. Mas em Portugal os seus argumentos ainda convencem pessoas. Isso fala muito mais sobre as pessoas do que sobre os seus argumentos.
Tente arranjar trabalho de forma conscenciosa, marque a diferença, proteja o património com convicção, sensibilize a nossa população, que dessas pessoas temos poucas no nosso país.

PS - a teoria de que não havia lavabos em casas de época é de uma infantilidade desconcertante: mesmo quando não houve de raíz fizeram-se casas de banho, por vezes em varandas. Mas sabe que divisões de edifícios sem casas de banho definidas foram usadas para as construir. E realmente acha que este edifício do Bigaglia não tinha casa de banho?

PimPamPum disse...


Caríssimo A.M.C., muito me apraz a sua resposta.

Mas cai novamente na crítica fácil, simplista e errónea.

Vou tentar mais uma vez..

Comecemos pelo seu post scriptum e com um pouco de história (já que tanto gosta do passado): infantilidade desconcertante? Talvez tenha aqui havido mais algum mal-entendido. Para esclarecer do que falamos: Lavabo - depósito de água, com torneira, para lavagens parciais, em refeitórios, latrinas, etc. O que lhe tentei explicar foi que na altura não havia canalização, tal como hoje a conhecemos. Não havia torneiras.
Quando Le Corbusier afirma que "a casa é uma máquina de habitar" em 1923 é reconhecida a admiração geral entre os arquitectos pela engenharia e a integração indispensável dos sistemas na construção moderna. Desde a canalização à electrificação, da iluminação ao aquecimento, lâmpadas, radiadores, tomadas, etc. tornaram-se novos aparatos que se assumiram como protagonistas de uma estética moderna.

Voltando aqui à questão do património. Como explico que em Paris, Salzburgo e em muitas, mas mesmo muitas outras cidades, se mantenham as estruturas de edifícios antigos? Acho que respondeu à sua própria pergunta. Essencialmente porque se obrigou à sua manutenção. Em Lisboa, há um certo desleixe nessa matéria o que faz com que alguns bons exemplos de arquitectura se tornem em ruínas e exijam uma intervenção de fundo como terá sido o caso deste projecto da Rua da Rosa.

Não sustento teoria nenhuma sobre desconforto e não sei que mais. O que sei é que por vezes é possível com pequenas alterações de tipologia, correcções de luz natural, dotar apartamentos antigos com as qualidades do habitar contemporâneo, outras vezes não é possível. Um edifício de habitação serve o seu propósito, providenciar habitação. Não é um museu, a menos que o tornem num.

Pastiche contemporâneo? Olhe que não. E até temos bons arquitectos. Que até são reconhecidos lá fora, imagine só. Às vezes até ganham prémios internacionais. Consta que o Siza mal consegue andar sossegado na Avenue Foch. Ah mas imitamo-nos uns aos outros? Ah sim? Álvaro Siza, Souto Moura, Aires Mateus, ARX, Graça Dias, Gonçalo Byrne, Paulo David, etc. Imitam-se? Ok. Olhe faça um artigo a explicar como, deve ficar bem interessante.

PimPamPum disse...

Vive numa casa da época que adora! Os meus sinceros parabéns, fico feliz por si, acredite. Não gosta de betão, oh meu amigo está no seu direito!

Mas agora como é que é? Os meus argumentos seriam rejeitados se estivesse a falar de cidades alemãs, francesas, suiças ou austríacas? Hm certo. De facto, são realidades diferentes. Mentalidades diferentes com legislações diferentes, mas como vai perceber os exemplos de fora só me suportam a mim e não a si.
Então vamos dar uma voltinha pela Europa e ver a relação do património com a nova arquitectura.

Alemanha:

Dresden, Military History Museum, Daniel Libeskind: oh god, então mas ele lança um edifício por cima do outro e até se sobrepõe à fachada do pré-existente. E será que cruzou as plantas? O velho com o novo? Oh god!

http://europaconcorsi.com/projects/182957-Military-History-Museum

Berlim, Cúpula do Reichtag, Norman Foster: ah e tal chega ali e põe uma cúpula enorme sem mais nem menos, que até se vê cá de baixo! Ai ai que menino mal comportado!

http://www.fosterandpartners.com/projects/0686/default.aspx

França:

Opera de Lyon, Jean Nouvel: Então? Outra vez o moderno com o histórico?

http://architecture.about.com/od/findphotos/ig/Jean-Nouvel/Lyon-Opera-Renovation.htm

Suiça:

Basel, Museu de cultura, Herzog & De Meuron: Olha uns telhados todos malucos! Epa então e a telha tradicional?

http://afasiaarq.blogspot.com/2011/09/herzog-de-meuron_12.html

Austria:

Vienna, Josef Weichenberger Architects: Até num gaveto à vista de toda a gente…

http://www.archdaily.com/217122/renovation-and-heightening-in-margaretenstrase-9-josef-weichenberger-architects/


Portanto, nem saímos do velho continente, imagine se atravessarmos oceanos! O que me entristece é que não há tomates em Portugal para nada disto.

Diz-me para protejer o património. Eu por mim protejo sim, mas dando-lhe vida e uso. Não defendo as cruzes de Santo André desabitadas há anos e anos na baixa pombalina, isso não. Quer goste quer não, as cidades não são imutáveis. E quer goste quer não são os arquitectos que lhe conferem novas identidades, sempre como resposta à contemporaneidade (que é algo mais complexo do que os focos de luz ou o vídeo-porteiro) e numa visão de futuro.

A.C.M. disse...

Caro PimPamPum,

muito obrigado pela sua mensagem. Se me permite vou comentar depois das suas referências:
««Para esclarecer do que falamos: Lavabo - depósito de água, com torneira, para lavagens parciais, em refeitórios, latrinas, etc. O que lhe tentei explicar foi que na altura não havia canalização, tal como hoje a conhecemos. Não havia torneiras.»»
Caro amigo, torneiras existem desde os romanos. Ver aqui:
http://plumbinghelptoday.com/denver-plumbing-repair-blog/2011/05/the-history-of-the-faucet/
Tentou sustentar que este edifício não tinha lavabos ou a generalidade dos edifícios dos finais dos séc. XIX? Pois está errado, pelos argumentos que deixei no meu post.
Não foi essa a intenção quando se referiu à inexistência de lavabos? Queria veicular outra informação que não a que se depreendeu das suas informações inexactas? Pois então explique-se melhor.
«««Quando Le Corbusier afirma que "a casa é uma máquina de habitar" em 1923 (...) Desde a canalização à electrificação, da iluminação ao aquecimento, lâmpadas, radiadores, tomadas, etc. tornaram-se novos aparatos que se assumiram como protagonistas de uma estética moderna.»»»
Le Corbusier merece um destaque grande na história da arquitetura mas convido-o a viver numa das suas obras. Conforto estético não será a palavra-chave dessa sua nova vida.

««Voltando aqui à questão do património. Como explico que em Paris, Salzburgo e em muitas, mas mesmo muitas outras cidades, se mantenham as estruturas de edifícios antigos? Acho que respondeu à sua própria pergunta. Essencialmente porque se obrigou à sua manutenção.»»
Não é isso que estamos a discutir, a proteção legal contra os desvarios arquitetónicos dos senhores em áreas consolidadas (ou que deveriam estar e não estão depois de lhes terem tocado)?

««Em Lisboa, há um certo desleixe nessa matéria o que faz com que alguns bons exemplos de arquitectura se tornem em ruínas e exijam uma intervenção de fundo como terá sido o caso deste projecto da Rua da Rosa.»»
Em Lisboa há, mais do que desleixo, uma concertação entre políticos, construtores e arquitetos/engenheiros para a destruição de património e ereção de outro muito mais pobre visualmente, mas muito mais lucrativo para os intervenientes. A cidade e os cidadãos não diretamente envolvidos ficam a perder.

««Não sustento teoria nenhuma sobre desconforto e não sei que mais. O que sei é que por vezes é possível com pequenas alterações de tipologia, correcções de luz natural, dotar apartamentos antigos com as qualidades do habitar contemporâneo, outras vezes não é possível.»»
Se chama correção de luz natural e de tipologia ao que foi feito aqui e por toda a cidade estamos com problemas ao nível básico de conceitos. Suponho, então, que quando usa somente os sapatos que calçou ontem possa dizer que está vestido com a mesma roupa de ontem? Como diferem as percepções!

«« Um edifício de habitação serve o seu propósito, providenciar habitação. Não é um museu, a menos que o tornem num.»»
Os edifícios antes proporcionaram habitação por mais tempo que os novos os vão fazer, concerteza, pois a febre demolidora vai atacá-los quando chegar as suas vezes, não tenho dúvida.

««Pastiche contemporâneo? Olhe que não. E até temos bons arquitectos. Que até são reconhecidos lá fora, imagine só. Às vezes até ganham prémios internacionais. Consta que o Siza mal consegue andar sossegado na Avenue Foch.»»
Está a referir-se a problemas de consciência. Não acredito!
Mostre-me um prémio internacional desses senhores de intervenção exemplar em zona histórica em arquitetura de recuperação. Siza pôs o seu lápis no Chiado e anos depois ainda não se digeriu as suas inovações.
««Ah mas imitamo-nos uns aos outros? Ah sim? Álvaro Siza, Souto Moura, Aires Mateus, ARX, Graça Dias, Gonçalo Byrne, Paulo David, etc. Imitam-se? Ok. Olhe faça um artigo a explicar como, deve ficar bem interessante.»»
Eu podia dar-lhe mil exemplos de obras que poderia jurar a pé juntos que é de determinado arquiteto e ser, de outro, porventura não tão conhecido. Se quiser...

A.M.C. disse...


««Dresden, Military History Museum, Daniel Libeskind: oh god, então mas ele lança um edifício por cima do outro e até se sobrepõe à fachada do pré-existente. E será que cruzou as plantas? O velho com o novo? Oh god!»»
Como sabe a classificação de Dresden como património da humanidade pela Unesco foi retirada por conta de um certo cruzamento de plantas com uma ponte e outras brincadeiras.
Mas apesar de tudo a Igreja de Maria, de que não sobrou mais do que umas pedras, foi totalmente reconstruída está como era antes da destruição. Veja aqui:
http://www.frauenkirche-dresden.de/zum-namen+M5d637b1e38d.html


««Berlim, Cúpula do Reichtag, (...)http://www.fosterandpartners.com/projects/0686/default.aspx»»
Conheço Berlim como a palma da minha mão. Depois de dinamitada pelos aliados e depois de uma RDA demolidora, toda a cidade tem mais consolidação arquitetónica que Lisboa que nunca viu uma bomba.
Sabe que o Palácio Real de Potsdam vai ser reconstruído como era? E o Palácio Real de Berlim também, se bem que os interiores não o serão agora mas as futuras gerações?
««França:
Opera de Lyon, Jean Nouvel: Então? Outra vez o moderno com o histórico?
http://architecture.about.com/od/findphotos/ig/Jean-Nouvel/Lyon-Opera-Renovation.htm»»
Veja as condições impostas aos arquitetos na transformação do Hospital Hotel-Dieu em Lyon (edifício belíssimo de suma importância). Nem uma pedra será tocada!

««Austria:
Vienna, Josef Weichenberger Architects: Até num gaveto à vista de toda a gente…»»
Tenho uma amigo que tem um apartamento em Salzburgo. Ele nem pode sonhar alterar alguma coisa, quando mais fazê-lo!

««Portanto, nem saímos do velho continente, imagine se atravessarmos oceanos! »»
Sim, veja-se o que o Rio de Janeiro fez com edifícios magníficos dos sécs. XVIII, XIX e princípios do XX? Posso enviar-lhe pastas sobre o assunto.

«« O que me entristece é que não há tomates em Portugal para nada disto.»»
Chore antes pelo património.

«« Diz-me para protejer o património. Eu por mim protejo sim, mas dando-lhe vida e uso. Não defendo as cruzes de Santo André desabitadas há anos e anos na baixa pombalina, isso não. Quer goste quer não, as cidades não são imutáveis. E quer goste quer não são os arquitectos que lhe conferem novas identidades, sempre como resposta à contemporaneidade (que é algo mais complexo do que os focos de luz ou o vídeo-porteiro) e numa visão de futuro.»»
Vá a Amesterdão e veja quão desabitados e contemporâneos estão os edifícios da zona histórica e agora orgulhosamente património da humanidade.