21/01/2019

Lisboa antiga está a desaparecer - O fim das colectividades de cultura, recreio e desporto


Vendedores de Jornais Futebol Clube (1921 - 2018)

A Colectividade "Vendedores de Jornais Futebol Clube" (VJFC), fundada a 15 de Fevereiro de 1921, por iniciativa de um grupo de ardinas para dar apoio aos vendedores de jornais, abrigando os ardinas que precisavam de pernoitar na cidade de Lisboa. Quando a profissão deixou de ser tão comum, o n.º 53 da Rua das Trinas, continuou a servir de albergue para os ardinas que ainda existiam, e era também um espaço onde se realizavam diversas actividades relacionadas principalmente com o futebol. Nos últimos anos, apesar da diminuição gradual do número de sócios, era um local onde estes se podiam juntar e conviver, e era conhecido principalmente pelo arraial dos santos populares e pelas festas de aniversário da gente do bairro.

Cessou a sua actividade, que vinha desempenhando em prol da população da Lapa, no início de Agosto de 2018, após 97 anos de existência, por não poder suportar o aumento da renda do espaço exigido pelo senhorio.

Para a história da Colectividade, fica o facto de ter tido como presidente, nos anos 40 do século passado, o Almirante Gago Coutinho, navegador que, em conjunto com Sacadura Cabral, realizou a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, mais precisamente entre Lisboa e o Rio de Janeiro, em 1922,

Para além de geógrafo, cartógrafo, oficial da Marinha Portuguesa e historiador. Dele ainda se preserva alguns objectos pessoais por ele doados à colectividade, como a bengala, o pente, as penas com que escrevia e o diário que manteve enquanto realizava a histórica travessia, bem como o bloco de notas, que se revestem de inestimável valor patrimonial.

Diário que descreve a travessia do Atlântico Sul

É também de realçar as dezenas de taças que o VJFC foi ganhando ao longo dos anos, principalmente em torneios desportivos. Dessa colecção de troféus fazia também parte a Taça Rainha das marchas populares, atribuída ao clube por ter vencido de forma consecutiva as marchas de Santo António entre 1964 e 1966.

Placa comemorativa do primeiro prémio das Marchas Populares de Lisboa em 1935

Foi também a Colectividade VJVC quem organizou a Marcha da Madragoa de 1932 a 1981, que venceu o Concurso das Marchas Populares de Lisboa em 1932, 1935, 1940, 1947, 1950, 1958 e, consecutivamente em 1964, 1965 e 1966 (tendo também obtido o 2.º lugar em 1934, 1967 e 1968).

Na posse da Junta de Freguesia da Estrela estão agora os objectos pessoais do Almirante Gago Coutinho e algumas taças e troféus que segundo a autarquia são “de enorme relevância histórica e cultural para a colectividade, o bairro da Madragoa, as suas gentes e a sua memória, nomeadamente os relacionados com as Marchas de Lisboa”. A autarquia garante que vai assegurar a exposição pública e permanente dos objectos nas instalações da freguesia, e acrescenta que “está já em preparação “a organização da sua exposição permanente aberta ao público, e eventual itinerância sempre que se justifique ou seja solicitada”.

Conclusão

A diminuição do número de associados e a falta de apoio por parte do Governo e das Autarquias têm vindo a criar grandes dificuldades à manutenção das colectividades de cultura e recreio. A recente aprovação da "Nova Lei das Rendas" tem-se mostrado como responsável pelo seu encerramento, por impossibilidade de pagamento dos novos valores das rendas apresentados pelos senhorios.

Será que vamos continuar a assistir ao fim das HISTÓRICAS colectividades de cultura e recreio ?

João Pinto Soares

1 comentário:

Anónimo disse...

Não vale a pena culpar a nova lei das rendas, até porque a nova renda é calculada sobre o valor patrimonial tributário, valor que é tipicamente baixo. O verdadeiro problema está quando um negócio, seja uma mercearia ou colectividade, se acomoda ao pagamento de uma renda simbólica. Nessa situação é natural que se vá desleixando, deixa de atrair clientes e o negócio morre. A anterior lei só manteve estes negócios ligados à máquina, negócios que há muito perderam a sua utilidade social.

Acho triste que estas colectividades desapareçam, mas a vida é assim. Se as lojas e colectividades históricas não têm clientes/utentes, que solução têm? Vamos transformá-las em museus à custa do senhorio? Tudo tem o seu tempo.