20/12/2009

Querem fazer uma cidade por nichos

In Publico, 20-12-2009. Por Inês Boaventura

E se a cidade deixar de ter lotes e passar a ter clusters? Essa é a proposta do arquitecto de Joan Busquets para a área envolvente à Gare do Oriente.



A localização da estação de alta velocidade na Gare do Oriente é a grande "oportunidade" que justifica o Plano de Urbanização que Joan Busquets, considerado por muitos o pai da renovação urbana de Barcelona, está a desenvolver para a área entre os Olivais e o Parque das Nações, em Lisboa. Através de um modelo original que propõe a divisão da zona de intervenção em mais de uma dezena de "clusters",e da aposta na fixação de actividades inovadoras como a biotecnologia e as tecnologias de informação, o arquitecto ambiciona prolongar o "big bang" que considera ter sido a Expo-98.

A proposta de Joan Busquets, cuja versão preliminar já foi aprovada pela Câmara de Lisboa, assenta numa "estratégia dupla". Por um lado, a criação de "uma pequena downtown" em redor da estação ferroviária e, por outro, a organização do restante espaço como um "sistema de peças, os clusters, que têm a sua independência". Quem viver ou trabalhar na "downtown" , vai poder estabelecer a pé a relação com a Gare do Oriente. Nesta área, a habitação será claramente minoritária, representando apenas dez por cento da construção. Serão sobretudo lofts ou apartamentos de pequena tipologia. Predominantes serão os serviços e a hotelaria e comércio, numa definição alargada que inclui também restauração, espaços recreativos e salas de espectáculos ou de congressos.

Para peões e bicicletas

São 13 "clusters" (nichos) que o arquitecto propõe. Cada um deles terá habitação e serviços em pé de igualdade. Vinte por cento da área edificada será consagrada ao comércio e à hotelaria. "A cidade vai fazer-se por fragmentos", sintetiza Joan Busquets, explicando que, idealmente, não haverá mais do que três ou quatro proprietários no interior de cada um desses nichos, que serão autónomos mas terão comunicação entre eles.

O arquitecto e professor na de urbanismo quer que essa comunicação possa ser feita a pé ou em bicicleta. Daí que assuma, desde logo, o encargo de alterar profundamente a Avenida Infante D. Henrique, torná-la apetecível para os "edifícios de primeiro valor" que lá pretende instalar. Joan Busquets considera que "na história de Lisboa as avenidas são muito mal tratadas pelos carros". Por isso, quer arborizar e abrir a peões e ciclistas aquele que é o eixo central da área de intervenção deste plano de urbanização.

O arquitecto defende, ainda, que não há necessidade de fazer "grandes parques" entre os Olivais e o Parque das Nações. A sua aposta passa, antes, pela criação de pequenos espaços ajardinados no interior de cada cluster. Se por questões de segurança tal se vier a revelar desejável, Joan Busquets garante que é possível encontrar uma solução que permita fechá-los durante a noite.

A directora de Planeamento Urbano da Câmara de Lisboa, Teresa Almeida, lembra que a prática habitual é intervir na cidade a partir da sua divisão em lotes. Mas a filosofia que Busquets procura é diferente e, por isso, aquela responsável sublinha o carácter "inovador" desta estruturação do território em clusters. Aos 13 nichos já referidos, o arquitecto planeia juntar um último, singular pelo facto de ter como única proprietária a Empresa Portuguesa das Águas Livres. A expectativa da autarquia e também do autor do plano é que a zona junto à estação da alta velocidade tenha "capacidade de fixação de empresas e actividades".

Inspiração: 22@Barcelona

Joan Busquets foi beber inspiração ao projecto 22@Barcelona, que arrancou no início da década, com o objectivo de transformar os quase 200 hectares de solo industrial de Poblenou no distrito da inovação. No caso da zona oriental de Lisboa, a ideia é que as antigas zonas industriais dêem lugar a actividades emergentes.

O balanço oficial desse projecto catalão, publicado em Dezembro de 2008, diz que 1441 empresas estavam em vias ou já se tinham instalado naqueles 200 hectares. Daquele universo empresarial, cerca de 69 por cento pertenciam a um dos cinco sectores eleitos como estratégicos pela capital da Catalunha: media, tecnologias de informação e comunicação, tecnologias médicas, energia e design. O objectivo de Barcelona era criar 150 mil empregos, permitindo em simultâneo uma renovação urbana, económica e social.

É esta realidade que se pretende clonar em Lisboa, com a ajuda de uma estação onde convergem todos os meios de transporte, assinala João Busquets.

Na década de 1980, o arquitecto coordenou o Urbanismo de Barcelona. Baseado nessa experiência, sugere que a Câmara de Lisboa conceda benefícios fiscais às "actividades inovadoras".

Quanto à sempre controversa questão das cérceas, o arquitecto que, numa ocasião anterior já tinha adiantado que os edifícios previstos não teriam cérceas superiores às do vizinho Parque das Nações, garante: "Não vamos ter grandes alturas".

Teresa Almeida, por seu lado, explicou ao Cidades que não foram ainda fixados valores, mas sempre acrescenta que os prédios mais altos vão pontuar de forma regular o trajecto ao longo da Avenida Infante D. Henrique. Como é comum, os prédios mais altos serão as referências desse canal de circulação.

Projecto não é consensual

Apesar de considerar que está tudo ainda numa fase muito preliminar, Ruben de Carvalho, vereador da Câmara de Lisboa já tem "duas grandes objecções" à proposta de urbanização da área envolvente à Estação do Oriente, que foi apresentado na última quinta-feira, em Lisboa. Por um lado, o vereador comunista discorda da construção de edifícios em frente à gare, porque isso pode cortar as vistas para "o apeadeiro mais caro da Europa". Por outro lado, preocupa-o o futuro incerto das instalações camarárias na Avenida Infante D. Henrique, onde trabalham cerca de mil pessoas.

Ainda durante a campanha para as últimas eleições autárquicas, aquele vereador da CDU tornou públicas as suas reservas, explicando que aquelas instalações - onde funcionam as oficinas eléctricas e de reparação e manutenção da frota bem como os serviços de metrologia -, apareciam assinaladas a vermelho num documento distribuído numa reunião camarária de Setembro. O vermelho é uma das cores usadas para assinalar perigo; na legenda desse documento, correspondia a novos edifícios ou parcelas a construir.

Ruben de Carvalho continua hoje a questionar se há algum projecto de alienação destes terrenos, apesar de o presidente António Costa e o vereador Manuel Salgado terem sido "categóricos" ao afirmarem que nada estava previsto nesse sentido.

Praça subterrânea

Questionada pelo Cidades sobre o futuro dessas instalações nos Olivais, a directora municipal de Planeamento Urbano não foi clara. Teresa Almeida começou por dizer que não estava prevista qualquer deslocalização dos serviços camarários, mas depois acabou por admitir que a área que estes ocupam pode vir a diminuir para receber "outro tipo" de serviços.

Quanto ao surgimento de edificações em frente à Gare do Oriente, a responsável adiantou que serão "edifícios com alguma volumetria mas que deixam respirar a estação". E sublinhou que vai ser feita a "valorização" do alçado poente da infra-estrutura projectada por Santiago Calatrava, que hoje "é muito desinteressante".

Sobre a estação, Joan Busquets frisou que quer que ela constitua "um elemento central" e não "um elemento barreira", mas admitiu que o caminho de ferro pode ser "um grande obstáculo". Para o vencer, o arquitecto propõe que se dê "maior continuidade aos espaços inferiores" da Gare do Oriente, fazendo com que o nível subterrâneo deste equipamento como que "se converta numa grande praça que vai de um lado ao outro" da ferrovia.

Segundo informações da Câmara de Lisboa, a concretização deste plano de urbanização, cuja proposta final deverá estar concluída em Março de 2010, devendo depois ser remetida para discussão camarária, a cidade de Lisboa ganhará 4692 novos habitantes e dará emprego a 5309 pessoas.

Além da requalificação da Avenida Infante D. Henrique, outra das mais-valias que a autarquia associa ao projecto é a intervenção no degradado bairro municipal da Quinta das Laranjeiras.

11 comentários:

Ponto Verde disse...

A tendência lusitana para a aberração é evidente.

Caros amigos da outra banda, Saudações ao Cidadania LX por mais um ano de luta ambiental. Votos de um Natal Sustentável e de um Ano Novo mais Verde.

São os votos do blogue a-sul

Anónimo disse...

Vai ser uma grande asneira aprovar construções em frente do eixo de aproximação da Gare do Oriente.

HOMOSAPIENS disse...

Olá pessoal, só de deixar aqui uma correcção ao post:

O projecto do Juan Busquets é para a parte traseira da Estação do Oriente( visto que a frente da Estação está virada para o centro comercial Vasco da Gama).

Cumpts.

Victor disse...

Espero que seja aprovado. Muito bom!

Anónimo disse...

LOUCOS

Xico205 disse...

A reabilitação da Quinta das Laranjeiras já cá tinha sido publicada.

Sandra disse...

Prédios em frente da Gare do oriente? É isso mesmo que mostra a imagem não é? Estão loucos!

Xico205 disse...

Loucos porquê?

Anónimo disse...

Em Lisboa, mas tambem por todo o pais continuamos a fazer os mesmos disparates.
Esta loucura vai custar caro a cidade de Lisboa, resulta numa descentralizaçao dos centros nevralgicos da cidade.
E lamentavel que se continue a projectar cidade desta forma.
Temos ja varios exemplos de erros graves, o projecto de outro espanhol na Alta de Lisboa, e toda a zona de Chelas.
Gente ignorante que coloca a sua agenda pessoal a frente do bem comum com a conivencia de algumas pseudo elites e de responsaveis politicos provincianos.

Xico205 disse...

Colocados democraticamente pelo povo "provinciano", convem não esquecer!

Maxwell disse...

Hmmm gostaria de saber mais pormenores sobre projecto mas, mesmo vago, parece-me uma boa experiência numa cidade morta. O único ponto que me preocupa mesmo é o possível esquecimento da parte antigamente nobre da cidade (onde actualmente são demolidos edifícios históricos)-- Quanto as cérceas esta seria uma boa ocasião para criarmos um verdadeiro distrito urbano, arranha-céus (verdadeiros, não torres de 100 metros que nem habitação ou escritórios têm e que são apenas pontos turísticos) incluídos.