02/02/2007

E agora, Lisboa?

In Diário de Notícias (2/2/2007)
Maria José Nogueira Pinto
Jurista

«Os meus colegas falam muito em "fazer cidade". Eu não. Lisboa está feita, nalguns casos, desfeita ou a desfazer-se, noutras, mal feita.

O que sempre me pareceu é que uma cidade precisa de ser cuidada, conservada, em função de quem nela vive, de quem parte e de quem chega. Precisa, igualmente, de se reperfilar, atenta às causas da desertificação desta ou daquela zona, da deslocalização de usos e funções relevantes (como é agora o caso de quartéis, hospitais, presídios), em torno das quais foi ganhando forma e gerando economias próprias desta ou daquela zona, prevenir o agravamento de fenómenos de segregação espacial, geracional, social.

Cosmopolita, sim. Mas sem aquela permanente tentação de um cosmopolitismo tipo bondex com que damos algum brilho e vida a móveis de pouco valor mas talvez, ainda, de alguma utilidade secundária.

Competitiva, sim. Mas não como o somatório de acções fortuitas, sem fio condutor, alheias ao mais determinante factor de competitividade que são as pessoas, o seu enraizamento, as suas capacidades.

"Fazer cidade" não é bem isto. Mais modesto este constante cuidar, mais atento, menos criativo, mas talvez mais inteligente na necessidade de intellegere a dimensão espacial, temporal e histórica.

O que se coloca hoje a Lisboa já não é, não pode ser, nem uma coisa nem outra. Sempre me pareceu, e muitas vezes o afirmei durante a campanha das autárquicas, que, no estado em que estava a Câmara Municipal de Lisboa, "arrumar a casa" e "pôr as contas em ordem" - trabalho ingrato mas indispensável - tinha de constituir a primeira prioridade a consumir, calculo, um ano de mandato. Os outros três anos dedicados a três prioridades bem definidas e sustentadas. E mais nada. Pouco, disseram muitos. Mas temo que, agora, tenhamos muito menos.

De facto, desde o início do mandato, a câmara foi sistematicamente fustigada por suspeições diversas.

Este clima é adverso a qualquer trabalho de fundo. Dispersa as atenções, gera confusão interna, cria uma má imagem para o exterior, dificulta todo o tipo de negociações e acordos com agentes e parceiros indispensáveis. Prejudica o saneamento financeiro.

Os recentes acontecimentos - e salvaguardando o princípio fundamental da persecução da inocência que a experiência portuguesa, nesta matéria, me leva a valorizar ainda mais - têm uma dupla natureza. A primeira é do foro judicial e mal feito fora que me armasse em "ajudante" do poder judicial. A segunda é eminentemente política e como vereadora eleita sou parte integrante dela. É isso que os lisboetas esperam de cada um que compõe o executivo camarário.

De facto, com pelouro ou sem ele, é este executivo que governa a cidade. Nas actuais circunstâncias três atitudes são possíveis: uma atitude atenta mas passiva; uma atitude activa mas destrutiva; uma atitude lúcida, transversal, consensual e pró-activa.

A primeira justifica-se com um simples "não é nada comigo". A segunda pode justificar-se com um "eu bem avisei". A terceira justifica-se muito bem, do meu ponto de vista, com a simples constatação de que "Lisboa não tem culpa".

O consenso em política nunca foi bem-visto em Portugal, onde a vida partidária assenta na discordância sistemática. Quando se propõe este caminho é-se olhado, em regra, com desconfiança. Mas que "diacho" quer esta agora?

Nada de muito complicado. Se a câmara já não estava nas melhores condições, agora está nas piores. Se já era duvidoso levar por diante uma política coerente e consistente que respondesse, simultaneamente, aos problemas conjunturais e estruturais, hoje isso parece impossível. Em suma, o programa eleitoral do prof. Carmona Rodrigues dificilmente poderá ser cumprido. Será melhor, então, provocar eleições intercalares?

Há que ponderar. Dois anos perdidos e mais dois anos comidos pelo esforço de recuperação, provavelmente dificultados pela coexistência de maiorias políticas diferentes na assembleia municipal e na câmara. Não chegaria a ser, sequer, um começar de novo.

Por outro lado, nunca subscrevi a tese pouco democrática de que só se pode governar com maioria absoluta. O prof. Carmona Rodrigues e a maioria do PSD tiveram sempre o meu voto - antes, durante e depois da coligação - em tudo o que era importante para a cidade, como foi recentemente o caso da viabilização do orçamento com cinco propostas para a sua melhoria. Não é esse, pois, o problema.

A questão política mais relevante - atentos os factos concretos que temos sobre a mesa - é o desaparecimento da agenda da maioria. É não se poder governar sem agenda. É a circunstância de a oposição, como parte integrante do executivo, ter poder de iniciativa. Tudo isto aponta para um caminho, que, não constituindo uma oportunidade partidária ou individual, poderia constituir a oportunidade que resta a Lisboa. Uma agenda cruzada entre todos, realista quanto ao tempo e às condições que temos, jogando nos pontos programáticos comuns aos cinco partidos, sem contudo violar o resultado eleitoral.

A suspeição é um miasma que mina as instituições no seu interior, e na percepção exterior que delas se forma. Talvez por isso, tudo se precipite e seja já impossível justificar uma alternativa a eleições intercalares.

Veremos...
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