Uma amiga inventou um conceito que ajuda muito a explicar o estranho relacionamento que muita gente têm com o automóvel ("estranho" do ponto de vista de quem deu um passo atrás para ter um ângulo de visão maior). Diz ela que o automóvel é como um exosqueleto, tal como a carapaça de muitos insectos, tartarugas, cágados, etc. A carapaça é o seu refúgio, fora dela sentem-se vulneráveis e frágeis. Compreendem que não podem controlar o mundo à sua volta, que o mundo é feito por todos, mas a sua carapaça é um local único e pessoal. Um ataque à carapaça é tido como uma ameaça à própria vida. Aliás, muitos destes animais nem podem viver fora dela.
Lembrei-me desta analogia ao ler a discussão sobre o autocolante do Quero andar a pé! Posso? Há discussões em vários blogs e em vários jornais sobre o acto de colar o autocolante. Chegou-se ao ponto de um jornalista ter contactado várias polícias para indagar sobre a legalidade da colagem. Muitas pessoas adoram a iniciativa, mas não se associam por discordarem do autocolante. Outras alertam para a possibilidade de processos judicias, mesmo sabendo que um autocolante pode ter sido colado por qualquer um. Pessoalmente não me agrada a ideia de ser autocolante, não por uma questão de dolo (estamos a falar de quem obriga terceiros, por mero egoísmo, a pôr a sua vida em risco caminhando pela rua), mas porque o cágado não é capaz de pensar duas vezes sobre as intenções de uma mão estranha que se aproxima. E eu queria que os cágados pensassem.
Contudo, hoje lembrei-me das portas dos prédios de todo o país. Todas elas têm vários autocolantes, muitos há anos. Quem o cola, fá-lo por mero interesse financeiro, não o faz para pedir respeito por uma norma legal e social. É tão fácil identificar o responsável pela colagem, é mesmo essa a ideia, ao ponto de ele deixar o contacto lá escrito. Alguém se lembra de alguma polémica? De ameaças de processos judiciais ou ameaças de violência física bem explícitas como tem havido no caso do estacionamento? Claro que não, o cágado só se preocupa com a carapaça.
8 comentários:
parabéns pela reflexão
pode-se concordar ou não mas é disto que o blog e a cidade precisa: pessoas a PENSAR, sem com isso insultar terceiros
NC
Pergunto-me porque ainda nos maçamos com os carros nos passeios , em 2ª filas, nas curvas, etc...
Só hoje, por exemplo, ns passeios da minha rua havia trÊs criaturas a passear os cães. Se vissem a trampa que deixaram ... quando lhes chamei a atenção para aquela javardice ainda me insultaram.
Uma questão muito pertinente. E que, de certo modo, põe a nú a hipocrisia dos que ficam indignados com os autocolantes em carros estacionados em cima das passadeiras e/ou passeios (muitas vezes ocupando a totalidade dos canais pedonais!). Se, por exemplo, fossem cidadãos invisuais apontariam o dedo acusatório aos promotores dos autocolantes «passeio livre»? Nunca houve polémica sobre os milhares de autocolantes comerciais nas portas dos prédios de Lisboa! Ver esta revolta dos automobilistas contra pessoas que estão a defender os direitos dos cidadãos com dificuldades de mobilidade é uma mostra de falta de respeito pela dignidade humana.
"Ver esta revolta dos automobilistas contra pessoas que estão a defender os direitos dos cidadãos com dificuldades de mobilidade é uma mostra de falta de respeito pela dignidade humana."
E puro egoísmo e falta de educação.
Mas muitos andam sempre com a cidadania no discurso. Uma hipocrisia
Cara M Isabel G,
Face à sua acusação de "egoísmo e falta de educação", agradecia que muito simplesmente me respondesse à questão que coloquei à Câmara Municipal de Cascais há semanas, e pela qual aguardo resposta:
"Boa Tarde,
Habito em Cascais, e venho pelo presente email manifestar o meu profundo desagrado (nôjo) pela forma como o espaço público pedonal (passeios, passadeiras,..) é indevidamente ocupado por viaturas automóveis neste concelho.
Na medida em que, no meu direito, me desloco frequentemente a pé com a minha filha de 2 anos, agradecia que me informassem com urgência de quais os procedimentos a tomar quando, como é frequente, encontro o passeio ocupado por uma viatura que impossibilite a nossa passagem. Alerto que NÃO é opção desviar-me para o meio da estrada, pois dessa forma colocaria desnecessáriamente em risco a minha integridade física e a da minha filha.
Tenho reparado com agrado na presença de danos nestas viaturas (riscos, limpa pára-brisas tortos, retrovisores partidos,..), imagino que provocados por algum dos muitos peões descontentes, como alerta para o imbecil que a tenha estacionado de tal forma. Não é todavia opção para mim, pois não é forma de educar a minha filha.
Obrigado pela atenção dispensada.
Cumprimentos,
..."
Pergunta: Ainda acha que o inocente do alerta em forma de autocolante é "egoísmo e falta de educação"?
Caro anónimo
Não percebo o seu comentário.
Sou uma das primeira apoiantes do uso do "auto-colante".
E ando "nisto" há anos sem fim :)
Lamento que a CMC ainda não lhe tenha respondido.
Mas insista. Não os largue!!
Como costuma dizer um amigo, Manuel João Ramos: "Em qualquer dos casos, irá ter maçadas, obstáculos, frustrações e uma hipótese relativamente remota de sucesso.
Mas não há outra via para a tranquilidade interior que não a guerra com a iniquidade"
Cara M Isabel G,
Peço imensa desculpa pelo comentário, deveu-se a um lamentável erro de interpretação.
Caso a moderação o possa remover agradeço, pois o mesmo não faz qualquer sentido neste contexto.
Mais uma vez, as minhas desculpas.
Porque é que as pessoas deixam os carros mal estacionados?
Porque se calhar, para uma grande minoria, pagar uma fortuna por um lugar pago pela famosa EMEL (essa que deve ser dona de 80% das bermas de cada avenida) não é válido.
Não é valido porquê? Com certeza que há transportes publicos, mas para quem tem de levar uma criança ao infantário e voltar à pressa do trabalho para retirar a criança do mesmo, senão paga uma multa "além hora" (diária) ir de transporte é completamente impossivel.
Mas claro, ninguem critica a EMEL por cobrar uma FORTUNA por estacionamento, só criticam quem estaciona mal as viaturas.
Queixam-se de não poderem andar no passeio com toda a razão e a iniciativa do autocolante é boa, mas quando a iniciativa se torna vandalismo (ex: furarem pneus além de colarem autocolantes) aí já é diferente.
Se calhar um dia vemos os jeitosos do autocolante com a cara partida, por atitudes destas, mesmo sem terem a culpa, porque algum cobarde se lembrou de um dia ser mais esperto que os outros.
Pois é, a carapaça se calhar é necessária para muitos, para é forçado a trabalhar em Lisboa e não pode ir de transportes, para quem ir de transporte não é viável por razoes acima indicadas ou até outras.
Mas a EMEL, essa trampa de empresa, isso sim, é bom louvar. Fazem 3 riscos à beira da estrada e já está, mais um lugar, mais uma renda para o estado e uma empresa privada vergonhosa.
Pensem bem antes de falarem de carapaças e tartarugas, nem todos têm alternativa.
Defendam os vossos direitos com toda a razao, mas vandalismo não.
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