10/12/2008

Uma produção fictícia da CML chamada Grandes Opções do Plano 2009/2012 (*)

Ano sim, ano não, é fatídico: a CML utiliza as Grandes Opções do Plano, supostamente um instrumento de gestão orçamental para fazer propaganda. Regra geral, elas nunca chegam a ser cumpridas nem pela rama. Por razões que a razão desconhece. Pela ‘crise’. Por causa da ‘herança’. E assim é este ano, em que a CML, mais uma vez, acha por bem brincar com os alfacinhas.

Isso mesmo faz questão de frisar logo na introdução ao ‘detalhado’ documento para 2009/2012, como se de um ‘genérico inicial’ de uma grande ‘produção fictícia’ se tratasse, presenteando-nos com ‘pérolas’ como: ‘2008: O ano que nos permitiu preparar o futuro em bases sólidas. Cumprimos com rigor o objectivo’. ‘Reestruturámos o sector empresarial municipal […] o saneamento financeiro da EGEAC e a reestruturação da EPUL’, ou ainda, pasme-se, ‘adoptámos as medidas necessárias para resolver os impasses urbanísticos que paralisam a cidade’ (basta andar por aí para ver como foram ‘resolvidos’). Continua, ‘Em 2009: Preparar o futuro. Com rigor, em parceria e promovendo o diálogo intercultural’.

Diz a CML que precisa de ‘relançar uma dinâmica sustentada de planeamento estratégico’ para o novo PDM. Só que anda algo baralhada, quiçá perdida na tarefa ciclópica do copy paste de cidades estrangeiras. Planeamento estratégico não há. PDM tampouco.

Dislates
Para a CML, ‘Plano Estratégico da Política Cultural’ é igual a protocolo com o ISCTE para a criação de um ‘site’ e fazer sessões brainstorming em torno da Cultura, copiando Barcelona (já chega de tanta decalcomania…). ‘Estratégia Energético-Ambiental’ mais não é do que um desdobrável da ‘eficaz’ E-Nova, sem qualquer quantificação no médio prazo. Por estas bandas as GOP não passam de cortina de fumo para esconder a crónica incapacidade da CML em persistir sem efectivas políticas de desenvolvimento sustentável e de cultura, esta última o eterno parente pobre do orçamento mas nem por isso usada com folclore em anos eleitorais. Nas parcerias, em vez de ‘consolidar projectos com provas dadas – Experimenta, Moda Lisboa, Trienal de Arquitectura […] ’, tradicionais sorvedouros de benesses ad hoc, a CML devia fazer parcerias com universidades e centros de excelência, pugnando pela Autoridade Metropolitana de Transportes, participando nos C.A. do Metro e da Carris.

Desenvolvimento sustentável seria restringir já, e sem medos, o trânsito automóvel desde o Marquês de Pombal ao Tejo, impondo à Carris a utilização de veículos não poluentes e de menor calibragem (a rede de Metro é por demais suficiente nessa zona) e criar alternativas sérias para quem não prescinde do automóvel. Outra GOP igualmente importante, seria a CML apresentar um plano de arborização maciça nas artérias e praças hoje inexplicavelmente desérticas, a começar pelas mais poluídas, como as da Almirante Reis, Av. República e Av. F. Pereira de Melo, ou praças como a da Figueira ou os Restauradores.

Estratégia Cultural seria apostar forte de facto nas indústrias criativas e nas ‘incubadoras de empresas’ (que melhor local para isso do que a Baixa?) através de parcerias comprovadamente de mais-valia, que não sorvedouros, apostando numa promoção da cidade extramuros. Ou incrementar a fidelização de públicos para o cinema, teatro, artes plásticas e para o livro. Como? Acabando com a programação ad hoc nas suas próprias salas de espectáculo, definindo critérios (por ex., fazendo adaptar as produções às salas e não o contrário, promovendo contratos por objectivos, extinguindo mordomias); apostando forte numa rede de salas de excelência – Taborda, São Luiz, Maria Matos, Paris, Belém Clube, São Jorge, Capitólio, Tivoli, Odéon e Animatógrafo do Rossio –, definindo públicos alvo e pugnando pela não adulteração do património. Ou apostar numa rede saudável e em regime de ‘roulement’ de ateliers de artistas, o mais abrangente possível, de artes e ofícios mas também do ponto de vista geográfico. Isso e a abertura de bibliotecas em vez de condomínios ou hotéis ad hoc. O Terreiro do Paço ou o Palácio Pombal seriam os melhores locais para, por ex., uma extensão da Biblioteca Nacional, uma biblioteca sobre o terramoto ou um museu dedicado a Pombal.

Orçamento Participativo
Se é verdade, e é, que pela primeira vez, a CML implementou um Plano de Actividades Participado, chega a ser caricato que o único projecto verdadeiramente importante dos 5 projectos mais votados seja o ‘Parque Urbano de Rio Seco’, que pretende resolver uma daquelas chagas urbanísticas que fazem de Lisboa uma cidade tão europeia quanto terceiro-mundista. Contudo, 600mil€ para a sarar são nada. O resto são banalidades que nem deviam ser votadas, por relevarem assuntos da mais elementar gestão camarária e que só o foram porque, manifestamente, Lisboa continua a ser encarada e gerida como se de uma cidade de província se tratasse.


Equívocos
Refere a CML, com pompa e circunstância, no documento: ‘destaca-se o aproveitamento de 20,4M€ das verbas do Casino de Lisboa […] que possibilitaram […] projectos e acções […] da mobilidade pedonal nas zonas históricas, da qualificação paisagística e ambiental das vias de entrada e da requalificação e dinamização da rede de miradouros e jardins de Lisboa’. Mas as contrapartidas do casino não estão clara e inequivocamente estipuladas por lei, apenas e só para quatro projectos, nenhum deles das áreas atrás apontadas? Então, tudo o mais é abuso ou segredo. Além do mais, fazer-se de conta que é preciso usar as contrapartidas do casino para financiar o que deve ser a normal actividade da CML, é hipocrisia. Usarem-se essas contrapartidas para limpar jardins, pavimentar ruas ou arranjar passeios é escandaloso. Projectos novos em futuras contrapartidas, sim, mas sempre ligados à cultura e ao património, e a título excepcional, por exemplo, uma expropriação justificada.

A ‘Reabilitação Urbana’, considerada uma das três prioridades das GOP, não só não apresenta nenhuma análise comparativa reabilitação/construção nova, como ignora coisas básicas como a possibilidade de obras coercivas, o combate à especulação imobiliária e aos loteamentos, ampliações e alterações imorais de edifícios, etc. – como insulta a inteligência dos cidadãos ao considerar como grande conquista para 2009 a reabilitação de ‘42 edifícios nos Bairros Históricos’ (equivale a uma média de 5-6 prédios por bairro!) e de ‘7 edifícios devolutos municipais dispersos na cidade’! Antes se refugia na crise e na herança.

Outro grande equívoco são os ‘10 projectos estruturantes’, que contemplam coisas como a ligação pedonal entre o Chiado e o Carmo, os barracões no Quartel do Carmo, os elevadores no Chão do Loureiro, a passagem aérea sobre a 24 de Julho, a ‘pedonalização’ da Duque d’Ávila e, pasme-se, a ‘abertura de 24 novos quiosques’. Dez projectos estruturantes seriam, a nosso ver, 10 medidas envolvessem coragem e competência, pulso forte e determinação, élan, que é o que não se vislumbra. Por exemplo:

1.Iniciar obras coercivas nos prédios devolutos de evidente valor arquitectónico, começando na Avenida da Liberdade e nas Avenidas Novas, e respectivas transversais. 2.Fazer cumprir o PDM e proibir liminarmente mais do que 20% de ocupação nos logradouros. 3.Proibir suspensões do PDM a pedido, sejam elas do Governo ou de particulares, a começar na Frente Ribeirinha. 4.Desincentivar o uso do automóvel na cidade, chumbando projectos que impliquem estacionamento subterrâneo. 5.Condicionar desde já o trânsito automóvel do Marquês ao Terreiro do Paço. 6.Proceder à requalificação urbanística e viárias em várias chagas da cidade, começando pelo Largo do Rato. 7.Investir forte na rede de eléctricos, começando por impor à Carris a reabertura do eléctrico 24. 8.Promover um plano de arborização maciça em zonas hoje desérticas, começando pela Almirante Reis e pelos Restauradores. 9.Promover a reabilitação do património cultural municipal a começar pelas estátuas e fontes da cidade. 10.Extinguir toda e qualquer empresa municipal (resultarão lá fora, cá não resultam).

Na CML, portanto, nada de novo. Até quando?

Paulo Ferrero, Júlio Amorim, Virgílio Marques, Jorge Santos Silva, João Chambers, Manuel Bívar Abrantes, Renato Grazina e Vasco Nobre



(*) Artigo de opinião publicado no Público de 10/12/2008 (versão integral)

8 comentários:

Anónimo disse...

Reestruturar a EPUL = pagamento do buraco financeiro, certo?

Anónimo disse...

Caros autores deste artigo de opinião.
Tenho acompanhado este blog com a cadência diária e revejo-me, quase que integralmente no que os autores preconizam e subescrevem. Não existe a mais pálida dúvida mas antes as mais palpáveis provas de que qualquer candidato ao governo da câmara, no passado próximo ou futuro, em potência ou declarado, vindo de qualquer uma das forças políticas conhecidas esteja apto para merecer o meu e o voto de qualquer cidadão de Lisboa que anseie viver numa cidade bonita e digna. Todos, sem exepção, cederam aos interesses dos lobbies e denotaram a mais gritante falta de coragem.
A minha questão é pessoal e dirigida a todos vós: vão tomar uma atitude nas eleições que se avizinham? caso recaisse sobre vós responsabilidades governativas manteriam as vossas visões ou seriam mais uns nomes a confirmar a regra? Na verdade não podemos mais ter o luxo de desperdiçar oportunidades, tomem uma atitude!

Paulo Ferrero disse...

Caro Alexandre Marques da Cruz
Pela parte que me toca só posso garantir que no dia em que isso acontecesse (cruzes, canhoto) haveria várias regras básicas a cumprir: seria proibido virar a casaca (evitando-se folclores como o de JSF), seria obrigatório evitar a todo o custo a impreparação declarada sistematizada (o exemplo dos documentos oficiais da CML é flagrante ... basta consultar as GOP de Almada, por ex., para ver as diferenças), seriam objecto de imediata denúncia pública as interferências directas extra-CML nas respectivas tomadas de decisão (o que implicaria a renovação integral das chefias e das chefias intermédias em quase todos os departamentos, da iluminação pública à reabilitação, por ex.), seria ponto de honra dizer-se a verdade sobre a autoria deste ou daquele projecto que se fosse buscar à gaveta do sr.A (por mais politicamente incorrecto que isso fosse), seria incontornável a extinção pura e simples das empresas municipais (a CML tem técnicos competentes suficientes e se lá fora elas são eficientes, cá dentro, neste país, elas significam tudo menos eficiência) bem como a divulgação pública sistemática de todos os subsidiários da CML (como, quanto, até quando e porquê), seria proibida toda e qualquer conferência de imprensa sobre 'nada' e/ou sobre 'vai ser feito', etc., etc. Resumindo, seria condição sine qua non colocar Lisboa acima de tudo. E como julgo que isso nesta cidade (país) será pura utopia ...

João Branco (JORB) disse...

Como assim "nem deviam ser votadas"? No OP os munícipes escolheram e votaram. Não cabe a si nem à câmara dizer o que é que deve ou não ser proposto e votado pelos munícipes.

Peço desculpas se entendi mal o sentido da afirmação.

CIDADANIA LX disse...

Caro João Branco
Não deviam ter sido votadas, porque devem ser preocupações naturais de uma câmara, e não coisas para serem exigidas pelos munícipes.
Cumps.
PF

Anónimo disse...

Caro Paulo Ferrero

Por essa lógica também a reabilitação de uma zona como o Rio Seco deverá ser uma preocupação natural de uma câmara.

Se as pessoas propuseram e votaram nas outras 4 propostas é porque para elas eram importantes.

Pessoalmente uma pista ciclável que permita a deslocação segura e aprazível entre as minhas zonas de residência e trabalho é muito mais importante que um eventual parque numa zona da cidade à qual raramente vou.
Acredito que para alguém que more na zona do Rio Seco seja o oposto.
As "importâncias" são relativas.

O comentário deste post pode não ter tido esse objectivo mas resulta num desmerecimento dos restantes projectos vencedores por categorizá-los como "banalidades".

Volto a repetir: se venceram foi porque eram importantes para alguém.

Cumprimentos

Anónimo disse...

No diagnóstico estamos todos de acordo.
Mas , por acaso já viram , neste ou noutro blogue uma proposta séria e sustentada de Governança da CML?

Todos os dias nos apresentam as desgraças da cidade...a Emel, os passeios, o lixo, os jardins , a mobilidade etc etc ........mas nem uma proposta , nem uma critica consistente à actuação da CML para se transformar num real instrumento de GESTÃO DA CIDADE.Um instrumento para servir a cidade e não para se servir dela.
Esta É, na minha opinião,a unica batalha que vale a pena travar. Tudo o resto é fazer o jogo dos interesses e dos lobbys instalados

Anónimo disse...

«Para a CML, ‘Plano Estratégico da Política Cultural’ é igual a protocolo com o ISCTE para a criação de um ‘site’ e fazer sessões brainstorming em torno da Cultura, copiando Barcelona.»

«Estratégia Cultural seria apostar forte de facto nas indústrias criativas e nas ‘incubadoras de empresas’ (que melhor local para isso do que a Baixa?) através de parcerias comprovadamente de mais-valia, que não sorvedouros, apostando numa promoção da cidade extramuros. Ou incrementar a fidelização de públicos para o cinema, teatro, artes plásticas e para o livro.»

ahahahah!!!

Estes "Rosetas" estão mesmo no ponto para receberem o apoio dos Bloco