14/07/2006

Alfama vai ganhar hotel

In Jornal de Notícias
Gina Pereira

"A Câmara Municipal de Lisboa (CML) já deu luz verde ao avanço do projecto de recuperação e transformação de um edifício devoluto na Rua do Cais de Santarém, em Alfama, num hotel de cinco estrelas com 91 quartos. Ao que o JN apurou junto do pelouro do Urbanismo, o pedido de informação prévia foi aprovado pela vereadora Gabriela Seara no passado dia 23 de Junho, abrindo caminho ao desenvolvimento do projecto de arquitectura, a cargo dos arquitectos Tiago e Francisco Silva Dias. O projecto deverá dar entrada na autarquia até ao fim do ano para licenciamento.

Em causa está a recuperação e transformação de umas antigas instalações industriais e armazéns na zona ribeirinha, construídas na segunda metade do século XIX. Desocupado há vários anos, o edifício - situado muito perto da Casa dos Bicos e com vista para o rio Tejo - está em avançado estado de degradação. O processo remonta ao final dos anos 90, quando o promotor chegou a pensar na construção de um edifício de habitação. Entretanto, as intenções mudaram e, em 2003, deu entrada na autarquia um primeiro pedido de informação prévia para construção de uma unidade hoteleira. Indeferido o pedido, a Câmara, o promotor, os arquitectos e o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) decidiram dar as mãos e começar a trabalhar em conjunto para levar o projecto a bom porto. O facto de o edifício se situar na zona histórica tem algumas exigências, designadamente quanto à necessidade de haver escavações arqueológicas. Os trabalhos exploratórios já realizados - e coordenados pelo IPPAR e pelo Instituto Português de Arqueologia - mostraram que há vestígios da presença romana e islâmica, bem como de algumas construções do século XVI. Ao JN, Tiago Silva Dias, um dos projectistas, garantiu que "os achados arqueológicos serão integrados nas áreas sociais do hotel", que deverá ocupar cerca de 7700 metros quadrados e crescer para um máximo de seis pisos.

Para o arquitecto, o grande desafio deste projecto é "conseguir fazer um hotel viável, que permita fazer o remate da malha urbana do sopé de Alfama e integrar os achados arqueológicos encontrados". Silva Dias promete um desenho contemporâneo, mas garante que irá buscar à envolvente as regras de composição, as cores, texturas e materiais. "Vai ser uma integração serena", diz. O pedido de informação prévia aprovado pela autarquia prevê a existência de 182 camas, distribuídas por 91 quartos, restaurante/bar e estacionamento. A obra deverá demorar dois anos. Ao JN, o promotor imobiliário - que ainda não escolheu o parceiro que irá gerir o hotel - disse não ter pressa. O seu objectivo é fazer um hotel "ímpar", que contribua para a valorização daquela zona da cidade
."

Um hotel naquela zona é muito bem-vindo. Mas 6 andares? E porque razão os arquitectos portugueses têm sempre que deixar a sua marca "contemporânea"? Acaso não viajam e não vêem como lá fora se constrói hotéis de qualidade em edifícios antigos sem o mínimo arranhão na sua integridade?

Por outro lado, o artigo não esclarece se o edíficio em causa é só a antiga unidade industrial, ou se engloba o edifício vizinho, um magnífico palacete brasonado, ainda mais destruído??!!

PF

1 comentário:

John le Doe disse...

A mim espanta-me que ainda haja arquitectos. Com tanta gente a competente a dar palpites sobre Arquitectura, servirão para quê?

Eu, que também me sinto competente para palpitar, proponho um exercício: imaginemos que o arquitecto dos edifícios do século XIX se tinha deparado com duas angústia, a de deixar ou não marca e a de preservar ou não os vestígios existentes e, se sim, quais? Os romanos, os islâmicos ou os do século XVI? E se os pastores viessem dar palpites ingénuos mas arrogantes sobre o seu trabalho? Teria ficado ou aproveitaria a oportunidade para emigrar? Para Espanha, por exemplo, ouvi dizer que de Badajoz para lá se respeita a Arquitectura, e não é por ser melhor, porque mais do que a sua eles respeitam a nossa.

Confesso que não gosto da arquitectura do Francisco (que me desculpe o Tiago mas sobre a sua nada posso dizer). Confesso também que a dita casa brasonada é um dos edifícios de Lisboa que mais me tocam. Mas, por muito que me custe, prefiro ver ali um objecto contemporâneo com elevado valor arquitectónico (e o Francisco não sabe fazer de outro modo (o gosto e a qualidade só se enleiam na mente dos pobres de espírito, que é como quem diz não gosto mas lá que é bom é)) do que um edifício quase banal do século XIX ou, pior ainda, uma intervenção no belo estilo Hotel da Lapa.

O que deixaremos então para os nossos bisnetos? Uns scones requentados?