03/07/2006

O último vale virgem de Lisboa

In Público (3/7/2006)

"Ao ler a notícia "Reconversão do Vale de Santo António custa 600 milhões", publicada a 29.06.2006, ocorreram-me novamente algumas questões que me têm preocupado em relação a Lisboa e à sua gestão urbanística.

Numa altura em que é consensual que o mercado da habitação está saturado, tendo a oferta ultrapassado em larga medida a procura; numa altura em que não é necessário procurar muito para ver nas janelas dos prédios, em qualquer rua ou bairro de Lisboa, anúncios a dizer "vende-se"; numa altura em que é também consensual que é necessário apostar em força na reabilitação dos muitos prédios degradados e devolutos de Lisboa (nomeadamente do centro da cidade), a construção nova não para de crescer. Mais grave: a Câmara Municipal de Lisboa (CML) faz aprovar com regularidade alterações ao Plano Director Municipal para incentivar essa construção nova.

Não arquivo essas notícias que tenho lido no PÚBLICO, mas de memória posso citar a notícia recente da urbanização de mais 13 hectares em Telheiras, Olivais e Lumiar (associada àquela questão da venda do antigo quartel da Alameda das Linhas de Torres), e a notícia do alinhamento da altura dos edifícios da Av. da República, que correspondia a mais uns bons milhares de metros quadrados de nova construção.

Agora esta notícia, da urbanização por parte da empresa municipal EPUL, do "último vale virgem da cidade": 600 milhões de investimento programado; 327.500 metros quadrados de construção, 85 por cento para habitação; um "centro cívico" - aparentemente, um nome pomposo para mais um shopping - e um arquivo municipal com 17 pisos. Qual é a racionalidade económica de tudo isto? E qual é a mais-valia para a cidade?

O Vale de Santo António tem estado esquecido e mal tratado, mas não podíamos canalizar antes o empenhamento da CML e da EPUL para fazer dali um grande parque? Não é uma coisa de que a cidade tanto precisa? Não estão já Belém e o Jardim Gulbenkian "à pinha" na Primavera e no Verão? É fácil andar de bicicleta em Lisboa, fazer um piquenique familiar ou ir simplesmente respirar um pouco de ar puro?
Não é de mais construção nova que Lisboa necessita. Que se canalize antes os 600 milhões para a reabilitação e ocupação das casas (e lojas) devolutas que esta cidade tem com bastante fartura.

Bernardino Aranda
Lisboa
"

PF

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