In Público (6/7/2006)
José António Cerejo
"Paróquia informou o fundo do Chiado de que não alteraria a fachada, razão pela qual foi dispensada da licença camarária
As obras de restauro da Igreja da Encarnação, no Largo do Chiado, em Lisboa, foram financiadas pelo Fundo Remanescente de Reconstrução do Chiado (FRRC) com base na garantia, dada pelos responsáveis pela paróquia, de que os azulejos que cobriam a fachada do imóvel que dá para a Rua do Alecrim seriam mantidos. Foi esta garantia, constante do processo de candidatura, que levou a que o FRRC não exigisse o licenciamento municipal das obras, uma vez que este só seria obrigatório, e exigível como condição do financiamento, se a fachada fosse alterada. Nos últimos meses, porém, os azulejos azuis e ocres dos dois terços superiores da fachada foram removidos sem licença camarária e substituídos por reboco pintado de amarelo. A remoção dos milhares de azulejos do início do século passado que decoravam a fachada lateral da igreja setecentista foi feita sem licença. O licenciamento camarário deste tipo de intervenção é obrigatório, nos termos do actual Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, uma vez que implica a modificação de uma fachada. E já assim era em Junho de 2000, quando a paróquia tentou pela primeira vez levar esse projecto por diante e a autarquia embargou a obra - precisamente por falta de licença. Nessa altura, como agora, a explicação dada para justificar a remoção do revestimento cerâmico foi a de que o seu estado de conservação fazia perigar a segurança pública, causando a queda frequente de azulejos para a Rua do Alecrim. Sucedia ainda que a única alternativa existente, que consistia na retirada e recolocação tecnicamente correcta da totalidade do revestimento, envolvia custos incomportáveis para a paróquia.
Desta vez, a estes argumentos, o pároco João Seabra juntou a alegada falta de "interesse estético" dos azulejos.
E foi com base neste argumentário que, no final de 2005, solicitou ao presidente do Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar), Elísio Summavielle, que reconsiderasse o chumbo assinado pelo seu antecessor, em Setembro de 2004, da intenção de remover a totalidade dos azulejos dos dois terços superiores da fachada. O pedido para arrancar o revestimento tinha sido apresentado ao Ippar em Agosto daquele ano, quando as obras da igreja já estavam em curso e o FRRC estava a finalizar a apreciação do seu financiamento - que veio a ser aprovado com a atribuição à paróquia de 770 mil euros a fundo perdido. Paralelamente ao pedido feito ao Ippar por a igreja se encontrar na zona de protecção de vários edifícios classificados, ou depois da sua aprovação ocorrida em Fevereiro deste ano, o cónego João Seabra, contudo, não requereu à câmara o licenciamento da obra que ia alterar a fachada da igreja. Limitou-se a mandar executá-la, solicitando apenas ao município a licença de ocupação da via pública para instalar os andaimes.
Apoio está suspenso
Questionado acerca da licença camarária para arrancar os azulejos, o pároco afirmou que a obra tinha sido aprovada pelo FRRC, que é um organismo em que a câmara está representada. O decreto-lei que regula o funcionamento daquele fundo, criado para apoiar a reconstrução da zona do Chiado após o incêndio de 1988, determina todavia que só podem ser financiadas obras "devidamente aprovadas e licenciadas". O gabinete da vereadora do Urbanismo confirmou não ter sido pedida qualquer licença com esse objectivo.
Como é que o FRRC financiou uma obra que carecia de licença? A resposta veio do ministro do Ambiente, Nunes Correia, que tutela o fundo juntamente com o Ministério das Finanças. "A candidatura aprovada [pelo ministro José Luis Arnault] tem por base um projecto [apresentado em Setembro de 2003] que refere explicitamente a reparação [da fachada] com a substituição dos azulejos danificados por "outros iguais aos existentes"", diz uma nota do gabinete de Nunes Correia. No processo, acrescenta-se, "não há qualquer referência à retirada de azulejos da fachada da Rua do Alecrim". A candidatura foi aprovada porque a câmara informou o fundo de que "as obras de reparação de fachadas que não impliquem a alteração das mesmas não carecem de licença camarária". E como a igreja garantia que seriam substituídos os azulejos danificados por outros iguais, o problema não se punha.
O PÚBLICO não conseguiu voltar a falar com o cónego João Seabra após esta resposta, mas tudo indica que os responsáveis da paróquia não informaram o FRRC de que, afinal, os pressupostos da candidatura tinham mudado no que se refere aos azulejos. De acordo com o gabinete do ministro, o apoio financeiro à recuperação da igreja "encontra-se suspenso desde o passado dia 3 de Fevereiro em virtude da não resolução até à presente data das anomalias causadas pelas obras em curso no edifício sito no largo do Chiado n.º 15", contíguo ao templo.
Ippar mandou guardar as peças retiradas
O parecer aprovado pelo presidente do Ippar, que contraria o sentido de um outro aprovado pelo seu antecessor 16 meses antes e aprova a remoção dos azulejos, obriga a paróquia a guardar as peças retiradas da fachada. Segundo o director regional de Lisboa do instituto, Flávio Lopes, a mudança de posição ocorrida ficou a dever-se ao aparecimento de novos dados, nomeadamente à confirmação de um "fenómeno de infiltrações que provocava a expulsão dos azulejos". Segundo este arquitecto, a reparação que foi efectuada na parede obrigaria sempre à retirada do revestimento, sendo que, como os azulejos vão ser guardados, "não se exclui a possibilidade de um dia virem a ser recolocados". No parecer favorável à remoção emitido pelo director do Museu do Azulejo, Paulo Henriques, a pedido da paróquia, e dado a conhecer ao Ippar antes da sua última decisão, afirma-se que os azulejos em causa, além de possuírem um "valor técnico e artístico reduzido", foram mal aplicados. "A sua forma de aplicação é a mais elementar porque, para além de se tratar de um azulejo singelo de repetição, não recebeu qualquer guarnição dos vãos com cercaduras ou frisos", lê-se no documento. J.A.C."
Perguntas:
- Como é possível alterar-se uma fachada de um edifício sem licença camarária?
- Como é possível esconder-se do FRRC que os azulejos iriam ser retirados?
- Se os azulejos não têm valor, porque é que o IPPAR os mandou guardar?
- E agora? Repõe-se a lei e os azulejos, ou não?
Nota: Sr.Pe.Seabra, lembre-se da Rerum Novarum!
PF
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