08/02/2007

Alienações e alienados

Aqui há uns anos, um Diário da República publicava discretamente uma disposição oficial, julgo que um Despacho, que lançava em hasta pública uma dúzia de terrenos e edifícios, propriedade do Estado, em concreto das Forças Armadas. Eram quartéis, campos de treino, garagens, etc, coisas já sem interesse para os então proprietários.

O referido despacho era assinado por um alto responsável militar. O que é curioso é que o referido diploma impunha expressamente, nas condições da hasta pública, o uso futuro. Os bens assim adquiridos seriam obrigatoriamente destinados a equipamentos.

No cumprimento de responsabilidades públicas no Município de Lisboa e tendo que ter em atenção aquela disposição legal, ao ler tal condicionante, admirado e satisfeito coloquei mentalmente uma condecoração na lapela de inspirado e consciente oficial.

Afinal não era só vender ao desbarato os bens do Estado. Ainda havia alguém que, por entre os pingos da chuva, quiçá clandestinamente, tentava minimizar o erro: “ao menos que isto sirva para o bem comum e não para engordar mais um”.

Com o passar dos anos pude verificar que aquele despacho não fez escola. As alienações continuaram sem que nenhuma delas (pelo menos as de que tive conhecimento) exigissem qualquer contrapartida idêntica. Surge agora mais um pacote de alienações de edifícios para Lisboa, já com alguma importância, incluindo equipamentos de primeira ordem. A seu propósito, faria alguns comentários.

O primeiro comentário vai para a forma de “valorizar” o terreno. Para justificar a alienação afirma-se que o terreno já não interessa ao Estado, que não tem qualquer valor do ponto de vista de aproveitamento urbano, que a construção ou o seu uso não podem ser alterados, etc. Ou seja, começa-se à partida por desvalorizar um bem que se quer vender pelo melhor preço! Ingenuidade? Incompetência? Então?

Vejamos como vai decorrer a história. Começa pela compra por um particular (benemérito, claro, pois então o terreno não vale nada e mesmo assim ele compra-o!), por um valor baixinho. Depois vão decorrer uns anos para a massa ficar a levedar, isto é, a valorizar ( e também para o assunto se varrer das memórias). Eis senão quando, um belo dia, começa (de mansinho, pois então) a sair do forno um belo (é sempre belo) empreendimento, exactamente no mesmo local que, no passado o Estado (o Estado não, um Sr. Ministro) declarara que não ter qualquer valor. Milagre da multiplicação dos pães? Magia? Como foi possível?

Vejamos como, através de umas simples perguntas e respostas.

Quem define os usos e as grandes alterações de uso de um determinado terreno? É o município através de plano director, plano de urbanização ou plano de pormenor. Sempre com parecer obrigatório do poder central. Mas é também o poder central através de uma proposta de alteração, a publicar em DL e em concertação com o município respectivo. Qualquer destes procedimentos impõe a discussão pública. Portanto o Estado dispõe dos mecanismos necessários para alterar uma situação que diz não lhe servir. Alteração essa que pode ser agora ou quando o terreno estiver na posse do novo proprietário.

Para terminar julgo que mesmo sem grandes aparatos nada impede que através de consultas informais se possam atingir objetivos mais democráticos. Como por exemplo: a consulta aos municipes sobre o que gostariam de ver no local; o levantamento das Juntas de Freguesia sobre as carências em equipamentos e outros usos para a zona; concursos de idéias abertos a técnicos e artistas para novos projectos com interesse relevante para a cidade.

Numa altura em que decorre a revisão do PDM de Lisboa, seria interessante saber quais foram as informações que os serviços do Estado deram à Câmara relativas a esses terrenos. É para as considerar ou não que servem as alterações aos planos.

Concluindo. Se houver boa fé e admitindo que um bem deve mesmo ser alienado, o princípio geral a atender deve ser este: nenhum imóvel ou terreno deve ser vendido sem que previamente se saiba o que se pode fazer nesse local. E mais: que essa condição conste da hasta pública. E mais: não sendo cumprida a condição, o bem reverte para o Estado ou passa para outro concorrente.

Tudo aberto e ás claras. É que, tal como as pessoas, os bens alienados também ficam por aí meio expectantes...

Guilherme Alves Coelho (Arq.)

2 comentários:

Anónimo disse...

Li algures que se pondera colocar os PDM na internet. Penso que seria um passo importante. Vivo em Alfragide e não faço a mínima ideia quando o PDM será revisto nem quando são colocados, só para cumprir formalidades, os editais.

Sei que os presidentes da Juntas de Freguesia são consultados, mas NUNCA nada é comunicado aos cidadãos quanto à sua tomada de posição. Como se os cidadãos não tivessem mais nada que fazer senão andar constantemente a espreitar para saber quando são colocados tais editais. Só se apercebem quando, de reprente, vêem levantar-se do chão mais uns mamarrachos.

Tudo isto porque, realmente, em Portugal o cidadão ainda não conta!

Paulo Ferrero disse...

Alguns aspectos importantes do PDM /Lisboa estão disponíveis em Cidadanialx-PDM. Brevemente tencionamos colocar mais. Abraços