15/01/2007

Lisboa, capital do nada

In Diário de Notícias (15/1/2007)

"Bom dia!

Quando se sai do meu bairro - o Arco do Cego - em viagem pelo País real sente-se bem a diferença do que é viver em Lisboa ou no resto do território. Tudo é diferente, tudo mesmo e estranha-se. É preciso fazer uma quarentena para se entender o modo do seu ser e a forma como nos dão as respostas para não levar a mal certas reacções e só a partir desse momento é que estamos prontos para nos relacionarmos com portugueses como os alfacinhas mas que foram formados noutro cenário geográfico e, por isso, apresentam-se no relacionamento bastante diferentes.

É o caso de quem entra em Trás-os-Montes e se confronta com a verdade do ditado - "Para lá do Marão mandam os que lá estão" - quando faz uma pergunta e acha que a resposta vem muitas vezes de forma brusca. Não quer dizer que os portugueses daqui não sejam simpáticos, é antes a forma como reagem, que muitas vezes tem um tom rude e um sabor amargo, de quem não interrompe a poda das videiras só para dar conversa a alguém que nunca viram e que só está ali de passagem. As pessoas estão por ali, cruzamo-nos de quilómetros em quilómetros solitários, na sua vida e não entendem qual o objectivo da pergunta vinda do além.

Se pensarmos bem, essa forma de ser é, aliás, muito parecida com a das pessoas da cidade. Quem não se queixa de desconhe- cer os vizinhos e de até ter vergonha de lhes dirigir a palavra quando sobem no mesmo elevador. Aqui no meu bairro isso não é problema porque não temos elevadores, não existe um único prédio com altura suficiente para possuir uma dessas máquinas que facilitam as subidas mediante o simples toque num botão.

O que não temos no meu bairro é essa visão de Portugal extensa e coberta de névoas matinais entre as montanhas a perder de vista, nem os passeios pelos trilhos como existem nesta aldeia onde estou, inscrita no mapa com letrinhas bem pequenas. Palavras quase invisíveis na imensa mancha de localidades assinaladas na cartografia que se tornam difíceis de descobrir, tal como a personalidade desses habitantes que estão fora de Lisboa - "capital do nada", como dizia Miguel Torga - e que aqui do miradouro de S. Leonardo da Galafura, aonde o poeta tanto gostava de vir, fica fácil entendermos o significado de existirem tantos portugais.

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