04/10/2010

Pôr a ciência no hospital para derrotar o cancro


In Público (4/10/2010)
Por Ana Gerschenfeld

«Investigação científica e prática médica irão beneficiar neste centro de uma interligação considerada única no mundo

Três perguntas a Leonor Beleza
À procura das bases neurais do comportamento humano
Chuva de estrelas
Instituição vai gerir activos de 500 milhões de euros
"Portugal não tem praticamente lugar na investigação clínica"

"Esta é a Janela da Esperança", diz-nos Raghu Kalluri, apontando para um grande janelão que rasga a parede à nossa frente, por cima das nossas cabeças, ao nível dos andares superiores. Acabamos de entrar no átrio, com três andares de pé direito, do edifício principal das novas instalações da Fundação Champalimaud.

Ainda é um estaleiro - o PÚBLICO visitou a obra há uma semana de capacete de plástico, colete e botas especiais -, mas na companhia de Kalluri, especialista do cancro da Universidade de Harvard e director do futuro Centro do Cancro que aqui deverá começar a funcionar em meados do próximo ano, percebe-se como vai estar estruturada a principal componente do Centro Champalimaud de Investigação, situado na doca de Pedrouços, em Lisboa, e que vai ser inaugurado amanhã.

O poético nome da janela, salienta Kalluri, é do arquitecto do edifício, Charles Correa, e simboliza uma das visões de base que presidiu à sua concepção. "Este é um dos primeiros edifícios no mundo onde o hospital, a prática que consiste em ver doentes, e a investigação destinada a identificar novos medicamentos estão integradas", tinha-nos dito Kalluri, uns dias antes desta visita, numa entrevista que será publicada amanhã no P2. "É dos poucos lugares onde os doentes que entram no hospital podem ver cientistas a fazerem experiências. E os cientistas, enquanto trabalham, podem ver os doentes a entrar no hospital. Os doentes vêem que algo está a ser feito para eles, o que lhes dá esperança no futuro, e os investigadores percebem que vão ter de trabalhar ainda mais para salvar os doentes."

A "janela" não é o único ponto de ligação visual do mundo da ciência com o mundo da medicina. Um pouco mais à frente, entramos na área onde, do lado direito, ficará o hospital de dia. E, do lado esquerdo, abre-se um terraço com vista para um jardim interior (ao nível da cave) com altíssimas palmeiras e outras árvores tropicais. Um quadrilátero cujas paredes meias com o edifício também são de vidro, deixando ver o que se passa nos dois andares superiores, onde ficarão alojados todos os laboratórios científicos do centro. "As pessoas que estiverem à espera de uma consulta poderão ver daqui os cientistas a trabalhar", frisa Kalluri.

[...]

Investigação translacional

Tudo aqui está carregado de simbologia. Aliás, o próprio centro chama-se, em inglês, Center for the Unknown, com a ideia de desconhecido a ligar os feitos dos navegadores portugueses do século XV à exploração das terras incógnitas da ciência no século XXI e no futuro. A Torre de Belém e o Padrão dos Descobrimentos estão mesmo ali ao lado, conferindo ainda mais força onírica às palavras.

Mas a ideia-chave por detrás de tudo isto é muito concreta: "investigação translacional". A investigação translacional é uma tendência emergente na prática científica que tem por objectivo tornar os resultados científicos de base mais rapidamente utilizáveis na prática - na clínica, neste caso.

"Investigação translacional", diz-nos Fátima Cardoso, que vai dirigir a unidade de cancro da mama do centro (ver entrevista na página seguinte), "é fazer a ponte entre os que só fazem trabalho de laboratório e os que só fazem trabalho na parte clínica."

[...]

Já cá fora, e até ao Tejo, há toda uma área totalmente pública - e também desprovida de barreiras físicas -, que inclui um anfiteatro ao ar livre ao pé da água e, no segundo edifício do complexo, um restaurante, um auditório e um espaço de exposições. "Por enquanto, ainda é um estaleiro", diz Kalluri. "Mas dá para imaginar como irá ser."

2 comentários:

Anónimo disse...

Um homem que tinha quadros do Canaletto e Fra Angelico no seu quarto, que deixa uma enorme fortuna para constituir uma fundação ao serviço de compatriotas seus, demonstra uma enorme bondade, uma grande simplicidade ao ponto de colocar os nomes de seus pais na nomeação da fundação evitando desta forma o seu proprio nome.
Só é pena que o edificio não seja o espelho da força e caracter deste homem, ao contrario deste o edificio impõe-se pela sua grande dimensão a toda a zona.
Podia e devia ter sido evitado, Antonio Champalimaud não é um homem espalhafatoso, era discreto, muito discreto.
A ironia do destino, a sua acutilância e impertinência, irá obrigar muitos a prestarem lhe uma justa homenagem. Deve-se estar a rir lá do alto ao ver essa gente engolir sapos vivos!

Maxwell disse...

Uma coisa que ainda nunca vi em fotos é o edificio na envolvente. Será assim uma visão tão má?