22/07/2012

A dolce vita beirã de Viseu foi mais uma vez reconhecida pela Deco

Boas notícias sobre Viseu ... mas apesar de alguns jovens criativos desenvolverem iniciativas interessantes para habitar/trabalhar no Centro Histórico, ele continua no aspecto residencial desertificado ... isto acentuado pela falta de emprego jovem, que obriga muitos à tentativa de emigração, sobretudo os mais qualificados. Confirma-se assim a "sangria" ,a diáspora, a hipoteca do Futuro e o drama do Portugal Interior ... apesar da qualidade Local, continua o estigma da desertificação do Interior ...
"O centro de Viseu está como todos os centros de cidades pequenas: as lojas foram devoradas pelos centros comerciais e os moradores foram saindo ou morrendo".
António Sérgio Rosa de Carvalho.




Cidades
A dolce vita beirã de Viseu foi mais uma vez reconhecida pela Deco
Por André Jegundo in Público.
Pela segunda vez consecutiva, Viseu foi considerada a melhor cidade para se viver em Portugal e a 10.ª a nível internacional, segundo um estudo que envolveu 124 cidades de cinco países
Algo está a acontecer no centro histórico de Viseu. Na funerária D. Duarte foi colocada uma instalação artística com uma infinidade de caleidociclos que giram sem parar, e que pretendem representar o ciclo da vida e da morte. No talho O Mimo, ali perto, os produtos vão passar a ser vendidos acompanhados por pequenas histórias, sobre a loja e o proprietário, o senhor Afonso. E na Despensa da Praça, uma loja de vinhos, surgiu uma nova montra onde se podem fazer provas, oferecidas pelos próprios produtores.
Para além dos artistas que criaram estas instalações, quem está por trás destas e de outras iniciativas é Sandra Oliveira, designer de 42 anos, e uma das responsáveis pela segunda edição dos Jardins Efémeros, um evento que pretende dinamizar o centro histórico de Viseu e que acontece por estes dias, quando a cidade acaba de ser considerada a melhor para viver em Portugal.
Paulo Ribeiro, director do Teatro Viriato, de Viseu, não tem dúvidas de que o "crescente dinamismo cultural" tem desempenhado um papel no reconhecimento da qualidade de vida da cidade. "Acho que dá felicidade e auto-estima às pessoas, leva-as a usufruírem dos espaços. E há cada vez mais jovens empreendedores e criadores que estão a fazer coisas e a reconciliarem-se com a cidade", afirma.
No inquérito da Deco que elegeu Viseu, pela segunda vez, como a cidade com maior qualidade de vida em Portugal, os inquiridos destacam, sobretudo, o planeamento e a gestão municipal, a qualidade dos hospitais e dos centros de saúde, a mobilidade, as condições das habitações, as infra-estruturas rodoviárias e a qualidade ambiental da cidade. "Costumo dizer que Viseu, enquanto cidade, tem um hardware muito bom, mas o software, o tecido social, o dinamismo das pessoas, precisa de melhorar e está a mudar", garante Sandra Oliveira, sentada numa secretária de trabalho, com vista para a Sé de Viseu.
O hardware que Sandra Oliveira elogia diz respeito às "boas infra-estruturas", "à limpeza", "às casas com qualidade", às "boas escolas" e aos "bons serviços de saúde", "à organização da cidade de uma forma geral" e ao "custo de vida". "Uma pessoa com um ordenado de mil euros e um filho tem uma qualidade de vida muito maior aqui do que em Lisboa, não tem comparação. E isso deve-se em parte a essa estrutura boa que a cidade tem", garante.
Natural de Viseu, Sandra estudou em Braga e em Lisboa. Hoje tem uma loja de design e mora no centro histórico de Viseu, onde praticamente não precisa de pegar no automóvel. Quando todos abandonavam o centro para optarem por apartamentos na periferia, ela fez o movimento inverso e não está arrependida. "Vou a pé para o trabalho. Ao final do dia, se puder, vou a pé até uma esplanada ter com amigos. Ao fim-de-semana vou ao mercado, a pé, fazer compras. Só pego no carro quando preciso de ir aos supermercados. Isto dá-me uma enorme qualidade de vida", admite.

Tempo para desfrutar

Mas mesmo para quem vem de fora de Viseu, a mobilidade dentro da cidade parece não ser um problema. A estrutura viária cresceu muito nos últimos 15 anos e a cidade é atravessada em poucos minutos, seja qual for o ponto de partida. Talvez por isso, a utilização do automóvel e do transporte individual continua a ser muito superior à dos transportes públicos, ao contrário do que acontece noutras cidades do país.
Todos os dias de manhã, Paulo Ribeiro, director do Teatro Viriato, faz de mota os 25 quilómetros que separam Canas de Senhorim, onde vive, do Teatro municipal de Viseu, onde trabalha. "Demoro quase sempre menos de meia hora, não apanho trânsito e a estrada por onde vou tem paisagens magníficas", conta.
Para quem já viveu em Lisboa, Rio de Janeiro, Bruxelas e Lyon, os termos de comparação "são potentes", reconhece. Mas, ainda assim, Paulo Ribeiro, que está há 14 anos em Viseu, diz que a cidade beirã se destaca nalguns aspectos. "Dá-nos muito mais tempo para desfrutar da vida. As coisas práticas e quotidianas roubam-nos muito menos tempo do que noutras cidades e essas horas e minutos que ganhamos é tempo que sobra para nós", afirma.
No Parque Aquilino Ribeiro, no coração de Viseu, Maria do Rosário Conceição, de 66 anos, está numa das barraquinhas de madeira da feira de artesanato e produtos tradicionais, que acontece até domingo. Há cerca de quatro anos reformou-se e deixou de ser médica de família num centro de saúde de Viseu. "Tenho três filhos e quatro netos e agora dedico-me em exclusivo à família. E Viseu é uma óptima cidade para criar filhos e netos", garante. À sua volta tem obras de artesanato, produzidas por uma das filhas, enfermeira veterinária de 29 anos, que se encontra há algum tempo no desemprego.
"Não teve oportunidades aqui para fazer o que queria e começou a fazer estas peças para se ocupar. Está próxima de mim e posso apoiá-la. E isso também é uma coisa muito importante para a qualidade de vida: as famílias, de uma forma geral, vivem próximas em Viseu e o auxílio é mútuo, no apoio que podemos prestar uns aos outros", afirma.
Ao lado está João Pinheiro, 25 anos, estudante de Medicina em Brno, na República Checa, onde estudam cerca de 120 estudantes portugueses, a maioria também em Medicina. Dentro de um ano, quando regressar para iniciar a especialidade médica, gostaria de ir trabalhar para um hospital de Viseu ou de Lisboa. "Em Lisboa tenho os concertos, as exposições e todas as actividades, mas em Viseu tenho o tempo que não tenho noutros sítios", afirma, dividido. "Sempre vivi no centro e nunca tive de utilizar o carro para fazer o que quer que fosse. O ciclo preparatório era a cinco minutos a pé de casa, a secundária a dois minutos. Isso é o que sinto mais falta de Viseu", conta.
Apesar da qualidade de vida que todos reconhecem que Viseu proporciona, a falta de oportunidades profissionais e a escassa oferta de emprego são os aspectos que os viseenses identificam como mais negativos no inquérito da Deco. Gualter Mirandês, presidente da Associação Comercial Distrital de Viseu, não se mostra supreendido. "As ofertas de trabalho começam a ser muito escassas e há muitos jovens que estão a emigrar, sobretudo jovens qualificados. Podemos ter os jardins mais bonitos e cuidados, e temos. Mas uma cidade muito bonita sem economia, sem oportunidades, não é viável", vaticina.
Uma das principais preocupações da associação comercial é o abandono do centro histórico. "Não existe o hábito de as pessoas frequentarem o centro histórico. Os novos espaços comerciais localizaram-se na periferia e hoje um habitante de Viseu não precisa do centro da cidade para fazer a sua vida...", lamenta Gualter Mirandês. No prédio onde mora, localizado na zona histórica, Sandra Oliveira tem apenas três vizinhas, duas delas com mais de 90 anos. "O centro de Viseu está como todos os centros de cidades pequenas: as lojas foram devoradas pelos centros comerciais e os moradores foram saindo ou morrendo", descreve.
Aos poucos, no entanto, há algumas portas que se vão reabrindo. A Casa do Tempo, localizada entre a Praça D. Duarte e a Sé, esteve fechada durante vinte anos. Foi sede do cineclube de Viseu e de outros grupos culturais emblemáticos da cidade e vai abrir as portas esta semana para acolher algumas exposições e eventos da iniciativa Jardins Efémeros. "Lançámos mãos à obra, limpámos, tirámos toneladas de pó e conseguimos abrir mais um espaço no centro de Viseu que estava fechado há décadas", diz Sandra Oliveira, que acredita que a cultura pode desempenhar um papel na dinamização do centro histórico. "Nós estamos à procura de soluções e a procurar pô--las em prática, mas são propostas, não temos certezas se são estas as soluções certas", reconhece.

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