04/04/2013

Despejo ameaça duas livrarias emblemáticas do Chiado


In Público (4/4/2013)
Por João Pedro Pincha

«As livrarias Olisipo e Artes e Letras, no Chiado, correm o risco de fechar definitivamente em Agosto. Os proprietários culpam a nova Lei das Rendas e prometem lutar até ao fim para salvar os estabelecimentos

Os comerciantes de um prédio do Largo Trindade Coelho, na zona do Chiado, em Lisboa, receberam cartas a anunciar o fim dos seus contratos de arrendamento e, até ao fim de Agosto, os cinco espaços comerciais deverão encerrar portas. Entre eles estão as livrarias Olisipo e Artes e Letras.

“Sou homem para me acorrentar à porta” no dia em que tiver que sair da Olisipo, afirma José Vicente, o proprietário da livraria, que recebeu a carta referente à denúncia contratual em Janeiro. “Fixámos o valor da renda pela lei e quinze dias depois recebi uma carta do senhorio a dizer que ia fazer profundas obras de remodelação”, conta.

A Livraria Olisipo existe desde 1983 e dedica-se à venda de livros antigos e de gravuras. “Esta casa foi pensada e viabilizada para o turismo. Fidelizei os meus clientes. Agora, perco 30 anos de trabalho”, diz José Vicente, para quem a nova Lei das Rendas “é uma lei selvagem”. Tudo porque, no âmbito da actual lei, aprovada em Agosto do ano passado, os inquilinos apenas têm direito a 12 meses de renda como indemnização em caso de obras no edifício. Na anterior lei, de 2006, o valor da indemnização não podia ser inferior a 24 meses.

José Vicente recebeu uma proposta de indemnização de cerca de 4000 euros, o que, diz, não dará para pagar as indemnizações de despedimento às três pessoas que trabalham na Olisipo.

Também a Livraria Artes e Letras (igualmente dedicada à venda de livros antigos), situada no mesmo edifício, terá de fechar portas até Agosto. O proprietário, Luís Gomes, está actualmente em negociações para se mudar para outro espaço, mas não deixa de dizer que a lei “foi feita com os pés”. “Percebo que o senhorio faça aquilo que a lei permite. Vai ser bastante prejudicial para o comércio na cidade”, afirma.

Além de ter de sair do espaço onde está há 25 anos, Luís Gomes está igualmente preocupado com os clientes por correspondência que foi angariando. “Uma livraria demora anos a fazer, a criar clientela, a conquistar confi ança. A nova lei não tem em conta os estragos feitos ao nome e à reputação de uma casa.”

No mesmo prédio, além das duas livrarias, funcionam ainda dois restaurantes, no rés-do-chão, e uma pensão, no último andar. Também estes estabelecimentos receberam a notificação de cessação do contrato em Janeiro. “A lei é cega”, afi rma Augusto Silva, do Restaurante Expresso, que assume: “Comigo vai dar guerra até à última”. Aqui, serão dois os funcionários — além de Augusto — a perderem os seus empregos.

Mais abaixo, dez funcionários irão para o desemprego com o fecho da Adega de S. Roque, cuja entrada fica na Rua da Misericórdia, onde foi proposta aos actuais proprietários — que exploram o espaço desde 1993 — uma indemnização “à volta de 10 mil euros”.

Jorge Carrera, dono da Pensão Estrela d’Ouro juntamente com a mulher, paga 280 euros de renda mensal, pelo que terá uma indemnização na casa dos 3300 euros quando fechar, a 1 de Setembro. O senhorio, garante, “nunca fez aqui um tostão de despesa”.

O proprietário do edifício preferiu não fazer declarações ao PÚBLICO, garantindo apenas que o processo está a decorrer dentro da legalidade e que as obras se destinam à criação de habitação, mantendo-se o piso térreo para espaços comerciais.

José Vicente, que até já falou pessoalmente com a ministra Assunção Cristas sobre o seu caso — “não vi abertura da parte dela” para mudanças à lei, diz —, enviou uma carta aos deputados da Assembleia da República, o que garante ser “o início da luta”.

Todos os comerciantes estão a estudar cenários com advogados.


Uma lei pouco consensual
Senhorios e inquilinos em pólos opostos

A Presidente da União das Associações de Comércio e Serviços (UACS), Carla Salsinha, pensa que “o que devia ter sido feito” na Lei das Rendas era “fazer sentar as partes para tentar chegar a uma solução equilibrada e justa para todos”, o que, afirma, não aconteceu e tem provocado casos de pânico dos inquilinos face à lei. Carla Salsinha diz que têm sido muitos os associados a contactarem a UACS “com este drama, a pedir ajuda” e que “deslocalizar uma empresa significa muitas vezes encerrá-la”, prevendo mais encerramentos no futuro. Na semana passada, o presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, também se mostrou preocupado com a lei, que diz estar a ser “desastrosa” e avisa que “a missa ainda nem saiu do adro”. Já Francisco Silva Carvalho, advogado do senhorio do edifício do Largo Trindade Coelho, diz que “os proprietários andaram décadas a ser mecenas dos comerciantes”, devido às baixas rendas que pagavam. A ministra afirmou, em Fevereiro, ser “prematuro mexer na lei”.»

9 comentários:

Filipe Melo Sousa disse...

Mais um que pagava 300€ por mês num espaço de luxo. Esteve 30 anos a explorar o senhorio e agora chora lágrimas de crocodilo. Mal dele se não soube aproveitar. Também convido o "empresário" a mudar-se para uma das muitas lojas vagas na área. Mas como é óbvio, ele não quer pagar uma renda a preços normais. Só sabe fazer negócio e "fidelizar os clientes" com espaços que ele ocupa à borla.

Miguel Direito disse...

Não compreendo. A culpa é da nova lei das rendas ou do facto das livrarias terem entrado em incumprimento e mora no pagamento das rendas, que é a sua obrigação contratual? Para mais, não me parece que essas livrarias fizessem variar o preço dos livros de acordo com as disponibilidades financeiras dos clientes, pelo que me parece estranho que exigam essa disponibilidade altruísta aos senhorios. Tenho pena, pois sou um consumidor e leitor compulsivo de livros, mas na verdade cada vez mais os compro por formas alternativas à livraria tradicional, até porque esta tem poucos livros de fundo de catáloggo, só tendo o que sai e é a "espuma dos dias"

Anónimo disse...

Demagogia barata dos meus prévios comentadores, porquanto não sabem quanto paguem os ditos proprietários das livrarias, também não sabem as benfeitorias que eles fizeram durante anos nas suas livrarias, portanto essa forma de ver o problema é míope porque só vê uma das partes e nunca no todo. Lisboa fica mais pobre…isso é que é.

Rui Mateus

Luís Lavoura disse...

O senhorio tem toda a razão.
Se há coisa de que os turistas se queixam, é do comércio obsoleto, antiquado, da Lisboa central, incompreensível numa cidade moderna. A razão para esse comércio antiquado é precisamente a lei das rendas, que nunca permitiu modernizar e rantabilizar adequadamente os espaços.
Há muito que se impunha a mudança na lei com o fim de terminar esta vergonhosa proteção a espaços comerciais, industriais e de serviços antiquados.

Julio Amorim disse...

Sim....pagar 280 euros de renda mensalmente por uma pensão, não se deve apregoar em parte nenhuma.

Alugando um quarto durante sete dias....está a renda de todos os quartos paga!? Em parte tem que se compreender os senhorios.

Anónimo disse...

Qual estudante em Lisboa paga 200/300€ por um simples quarto...

Anónimo disse...

Diz Miguel Direito: "Tenho pena, pois sou um consumidor e leitor compulsivo de livros, mas na verdade cada vez mais os compro por formas alternativas à livraria tradicional, até porque esta tem poucos livros de fundo de catáloggo, só tendo o que sai e é a "espuma dos dias".

O meu caro definitivamente está no local errado, porque se se apercebeu do conteúdo da notícia, não se está a falar de livrarias equiparadas a Leya's ou FNAC's mas de livrarias alfarrabistas/antiquários. Não me parece que façam o seu negócio à conta da "espuma dos dias".

Pedro Almeida

Unknown disse...

Imagino que não seja fácil para a livraria esta mudança, Agora um negocio com uma renda de 300 Eur , numa zona nobre duma cidade Europeia, que não  a consegue sequer pagar, alguma coisa de muito errado se estará a passar.

Portugal em geral a economia em particular se continua a viver de esmolas e com este fatalismo nunca mas nunca mudará o seu rumo.

É preciso mudar essa mentalidade, tlvz um pouco mais de pragmatismo ajude, bom senso tb,  já não falando de trabalho, etc, etc...

Lanço a pergunta Negocio que não consegue pagar a renda de 300 Eur devia existir numa zona nobre da cidade , bancado por um Senhorio ?

veronica mello disse...



A nova lei do arrendamento vem resolver o problema dos senhorios, mas como em Portugal o propietário é sempre o mau da fita, parte-se do principio que a lei está erradissima. Errado é alugar espaços com rendas desactualizadissimas e ameaçar acorrentar-se à porta, fazer perder tempo aos ministros em vez de activamente começar a procurar outro espaço para trabalhar. Há espaços disponíveis no Chiado e nesta zona para comércio, não há razão nenhuma para indemnizar os empregados quando o que tem de fazer é mudar de loja. As livrarias como muitos outros negócios fidelizam os seus clientes mas não é só pela localização, é pela qualidade do serviço, tenho a certeza que se estes dois livreiros terão noutro local tanto sucesso como neste, sem prejudicar o senhorio.
Partir do principio que só se tem direitos é o que nos pôs onde estamos neste momento económico em Portugal, antes dos direitos há os deveres e pagar o m2 muito abaixo do que ele vale, no fundo era um abuso há muito praticado pelos inquilinos no nosso país.