01/02/2007

De polémica em polémica até ao Parque Mayer

In Público (1/2/2007)

«Um colosso com duas dezenas de empresas, e apenas duas cabeças a pensar como uma: Domingos Gonçalves Névoa e Manuel Rodrigues Sá Serino, dois ex-emigrantes, com grande tendência para não desperdiçar negócios milionários, mesmo que polémicos. O império Rodrigues & Névoa poderia ser desconhecido até há bem pouco tempo, numa altura em que poucos se lembrariam que foram eles, por exemplo, que fundaram os supermercados da marca Feira Nova, naquela que foi a primeira tentativa de diversificação de negócio, até então exclusivamente centrado na actividade de construção civil.
Em 1993 vendeu as lojas à Jerónimo Martins, e no ano seguinte abalançaram-se naquele que viria a ser o mais profícuo ramo de negócio, e aquele que, hoje em dia, também lhes dá mais visibilidade: a actividade de construção e exploração de parques de estacionamento. Hoje em dia conseguiram uma inegável visibilidade: estão no epicentro do terramoto político que abala a principal câmara do país, depois de Domingos Névoa ter sido acusado de tentativa de corrupção pelo vereador do Bloco de Esquerda José Sá Fernandes e depois das investigações da Judiciária terem mesmo conduzido à demissão da vereadora do Urbanismo.
Apesar de ser, para já, a que mais efeitos já provocou, pelo menos a nível político, a polémica permuta de terrenos do Parque Mayer é apenas a mais recente. A ascensão meteórica do grupo Rodrigues & Névoa fez-se à boleia da empresa Bragaparques, a mais importante daquele grupo, que conta actualmente com uma rede de 22 parques, com capacidade para 11.270 automóveis e que significaram um investimento global de 80 milhões de euros. Pelo caminho ficaram outras controvérsias, como a do empreendimento junto ao Hospital de São João, no Porto, as obras do Martim Moniz, em Lisboa, ou o centro comercial em Bragança (ver outros casos na página seguinte). Em comum a todos estes casos estão as acusações de gestão danosa, por parte das administrações públicas que adjudicaram as obras - algumas destas acusações foram feitas pelo próprio Tribunal de Contas.


Liderança nasceu
na "cidade dos empreiteiros"
O primeiro parque de estacionamento construído pelo actual líder deste segmento de mercado foi construído em Braga, muitas vezes apelidada de "cidade dos empreiteiros". E a polémica havia de marcar o próprio nascimento da empresa, já que ela deu os primeiros passos num concurso e num processo cujos contornos, ainda hoje, causam incompreensões e perplexidades. A principal é o facto de a autarquia liderada por Mesquita Machado ter lançado um concurso em que se propunha entregar a posse plena e vitalícia das duas principais praças da cidade, da Avenida da República e do Campo da Vinha, ao construtor que nelas quisesse construir parques de estacionamento e oferecesse à câmara a melhor contrapartida, em "numerário ou espécie".
A autarquia bracarense optou por não lançar o concurso em "direito de superfície" (como um decreto-lei de 1991 veio a prever e a recomendar) ou fazendo uma concessão de duração limitada. Com o argumento de que os concursos lançados anteriormente (em 1987) tinham ficado desertos, e um concurso em direito de superfície não atrairia concorrentes, a Câmara de Braga optou por seguir as regras do Código da Estrada, propondo antes que os terrenos passassem do "domínio público" para o "domínio privado disponível para o município". Ou seja, limitou-se a fazer uma licitação dos terrenos e a anunciar a intenção de o adjudicar à proposta que apresentasse a melhor contrapartida.
Qual foi essa contrapartida que saiu vencedora? Apresentaram-se duas firmas a concurso: a Bragaparques, registada provisoriamente em Caminha por dois empresários galegos; e a Rodrigues & Névoa, conhecida empresa de construção civil de Braga. Por proposta do presidente da câmara, o concurso haveria de ser ganho pela Bragaparques, que, como contrapartida, não avançou com numerário, mas sim "valores em espécie": dar à autarquia 16 por cento dos lugares de estacionamento que se propunha construir nos terrenos.
A escritura da permuta acabou por ser assinada em Junho de 1994, não pelos vencedores do concurso, mas antes pelos perdedores: Domingos Névoa e Manuel Rodrigues. Em declarações ao semanário Sol, Névoa explicou que os galegos lhe telefonaram a dar conta que tinham ficado "desconsolados" com uma notícia que os relacionava com tráfico de droga e lavagem de dinheiro. "Deu-me a posição na proposta vencedora. Como já tinha sido feita a adjudicação à Bragaparques, ficámos nós com a posição da empresa"; explicou ao semanário. Os empresários bracarenses fizeram posteriormente o registo da firma, assumindo-se como os donos da Bragaparques.
Trata-se de 240 lugares de estacionamento que a câmara se apressou a "doar" aos dois mais importantes clubes desportivos da cidade, para que estes os vendessem: 160 lugares para o clube de futebol da cidade - o Sporting de Braga, de que Manuel Rodrigues é vice-presidente, e cuja presidência da Assembleia Geral é garantida por Mesquita Machado; e 80 lugares para o clube de andebol do ABC. Porém, todos estes lugares se mantiveram na gestão da Bragaparques durante mais de 12 anos: as escrituras das doações só foram efectuadas no ano passado.
A Bragaparques continuou, assim, a facturar a totalidade dos lugares de estacionamento, conseguindo em poucos anos recuperar o investimento que teve de fazer para avançar com as obras. Porque nem só das receitas do estacionamento se fez a liquidez da empresa neste negócio - num dos parques de estacionamento, o do Campo da Vinha, a Bragaparques ficou autorizada a fazer o arranjo de superfície e a arrendar espaços comerciais. Só pelas fracções vendidas a um dos comerciantes (uma loja no rés-do chão e seis pequenas salas no primeiro e segundo andares), a Bragaparques cobrou mais de meio milhão de euros (663 mil euros).


De Braga para o país
O sucesso financeiro que constituiu este negócio deu à Bragaparques massa crítica e liquidez para avançar para o resto do país. A sua rede de parques foi alcançada de diferentes formas jurídicas: ou estão em propriedade plena, em direito de superfície, em arrendamento ou em concessão de duração limitada - a empresa bracarense alargou o seu portfólio, também, à custa da aquisição de negócios a empresas que tinham sido suas concorrentes, como é o caso da Investiva, comprada à Somague.
Nos relatórios de contas que o PÚBLICO consultou, lê-se que o ano de 1997 representou para a Bragaparques o afirmar do seu "crescimento e consolidação como grande empresa na área da construção e exploração de parques de estacionamento": a facturação passou de 192 mil contos, em 1996, para os 1712 mil contos. Para isso, diz a empresa, muito contribuiu a empreitada dos arranjos à superfície na praça do Martim Moniz, em Lisboa, facturados à EPUL. Esta obra foi terminada em 1998, ano em que a empresa foi transformada em sociedade anónima.
A ganhar concursos, ou a adquirir posições de outros, a expansão da firma foi meteórica, como pode confirmar-se nos valores declarados em 2005: um volume de negócios de 7,2 milhões de euros. E as receitas de estacionamento são a principal fatia: 6,9 milhões de euros. No final do exercício, a Bragaparques declarou ter lucrado 1,1 milhões de euros. Embora o mais importante, o negócio dos parques é um dos quatro ramos da holding Rodrigues & Névoa

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