Por Marisa Soares, Público de 5 Julho 2015
O Palácio da Quinta das Águias é um imóvel de interesse público abrangido por seis zonas especiais de protecção
Quem passa na Rua da Junqueira, entre a Cordoaria e Belém, nem
adivinha o que está no número 138. Por detrás do gradeamento e do matagal que
cresceu descontrolado, o edifício mal se vê. É preciso contornar os muros e
subir a Calçada da Boa Hora para ter a visão desoladora de um palácio
abandonado.
Através
do portão de ferro vê-se a fachada principal do palácio da Quinta das Águias,
cuja entrada foi vandalizada com graffiti. A tinta cor de salmão a
descascar nas paredes e as janelas abertas ou com vidros partidos sugerem anos
de abandono. Dos painéis de azulejos azuis e brancos que revestiam parte das
fachadas do edifício há apenas vestígios. No chão, coberto de erva seca, há
lixo espalhado. No jardim reina um caos verde e às palmeiras já só restam os
enormes troncos. As estátuas das águias que decoravam o portão já “voaram”.
Vão longe os tempos áureos desta quinta setecentista, mandada
construir por Manuel Lopes Bicudo, com projecto de Lodi e de Carlos Mardel, e
adquirida em 1731 por D. Diogo de Mendonça Corte-Real, secretário de Estado do
rei D. José I. No início do século XX, a quinta foi parar à família do médico
Lopo de Carvalho e foi vendida nos anos 90 a Ricardo Oliveira, constituído
arguido no caso BPN. O estado de conservação do palácio, da capela e do jardim
com quase 7000 m2 foi-se deteriorando. O imóvel, classificado como imóvel
de interesse público e abrangido por seis zonas especiais de protecção, está
para venda na Sotheby's há vários anos, por um preço que em 2010 rondava os 20
milhões de euros.
Como o palácio da Quinta das Águias, há cerca de 30 palácios e
quintas de recreio na capital "num estado de incúria e degradação
incompatível com o seu grau de classificação e importância histórica",
denuncia o Fórum Cidadania Lisboa. Este movimento cívico tem alertado para o
mau estado de conservação destes espaços, públicos e privados, tendo feito um
inventário online (Google Maps). No entanto, as diversas cartas de
alerta que enviou para a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) e para a
Câmara de Lisboa, proprietária de 16 palácios (alguns deles em ruína), ficaram
sempre sem resposta.
"Infelizmente há vários palácios neste estado e o mais
gritante é o de Almada-Carvalhais", no Largo do Conde Barão, diz Paulo
Ferrero, membro fundador do Fórum. "É um escândalo", lamenta,
lembrando a beleza do pátio setecentista, dos salões, dos tectos e das
varandas. O palácio, monumento nacional desde 1920, pertence a um fundo
imobiliário detido em parte pela Caixa Geral de Depósitos. Segundo Ferrero, em
Janeiro, numa conferência organizada pelo Fórum e pelo Instituto de História da
Arte da Universidade Nova de Lisboa, o director da DGPC revelou que já teria
pressionado os proprietários daquele palácio para fazerem obras, exigidas
também pelos regulamentos municipais. "Ninguém consegue fazer valer a
lei", lamenta Ferrero.
O problema, para o historiador José de Sarmento Matos, “é que os
palácios só se mantêm se tiverem uma função que os torne dinâmicos dentro da
própria cidade”. A solução mais comum é a transformação em hotéis, com os
promotores "cada vez mais interessados" em aproveitar a história e o
património para "valorizar os seus activos", afirma. O olissipógrafo
tem estado envolvido em alguns projectos na capital - incluindo dois para o
Palácio da Quinta das Águias, o último dos quais com a assinatura do arquitecto
Souto de Moura, mas nenhum seguiu em frente. Segundo a câmara, em 2005 deu entrada
um pedido de licenciamento de obras de alteração e ampliação do palácio,
inicialmente indeferido e mais tarde aprovado com condicionantes, estando ainda
em apreciação na DGPC. Entretanto, “o proprietário foi intimado à realização de
obras de conservação, não tendo ainda dado resposta”, informa a autarquia.
Para Sarmento Matos, o edifício não tem área suficiente para
acolher um hotel. "Era fantástico para uma embaixada", sugere. O
olissipógrafo admite que tem "dor de alma" quando vê um palácio
abandonado mas pede que se evite o "fundamentalismo patrimonialista".
"Não se pode pedir ao Estado que se substitua aos proprietários, temos que
ter uma hierarquia" no que toca aos investimentos, argumenta.
Em 2009, o Governo criou o Fundo de Salvaguarda do Património
Cultural, actualmente com uma dotação de 4,8 milhões de euros, para acudir a
situações de emergência em relação a bens culturais públicos classificados, mas
até agora nenhuma entidade pediu apoio para reabilitar palácios.
Atracção turística
As famílias da classe alta foram construindo os seus palácios e casas de Verão perto da residência do rei, depois de a corte se fixar no centro histórico de Lisboa. Na Junqueira também há vários palácios - a própria Câmara de Lisboa divulga na sua agenda cultural um percurso guiado pela Junqueira Palaciana, que inclui a Quinta das Águias.
As famílias da classe alta foram construindo os seus palácios e casas de Verão perto da residência do rei, depois de a corte se fixar no centro histórico de Lisboa. Na Junqueira também há vários palácios - a própria Câmara de Lisboa divulga na sua agenda cultural um percurso guiado pela Junqueira Palaciana, que inclui a Quinta das Águias.
"Há uma grande procura por parte dos turistas
estrangeiros", afirma Augusto Moutinho Borges, que costuma ser guia em
visitas comentadas aos palácios de Lisboa, através do projecto Lisboa
Autêntica. Segundo este investigador na área do turismo e da cultura, quem se
inscreve nestes passeios quer saber a história dos espaços e das pessoas que o
habitaram, e se possível visitar o interior, como acontece em várias cidades
europeias, nomeadamente em Espanha e Itália. Moutinho Borges lamenta a falta de
"sensibilidade" municipal para as questões do património, inclusive
para o que lhe pertence. Defende a criação de um roteiro municipal dos palácios
da Restauração e de incentivos à recuperação destes espaços aproveitando, por
exemplo, os fundos comunitários.
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