24/04/2006

Moradores anunciam acção popular contra condomínio da Infante Santo


(foto retirada do movimento S.O.S. Infante Santo)

"Junta de freguesia recorre de recusa de providência cautelar que entendeu não ter sido provado que obra fica no seu território

Inconformados com uma sentença favorável ao promotor imobiliário, moradores da vizinhança do condomínio em construção no local do antigo gasómetro da Av. Infante Santo vão na próxima semana iniciar uma acção popular contra a Câmara de Lisboa, o Ippar e o dono da obra, alegando que o licenciamento incorre em ilegalidades, como a violação do PDM e as regras de protecção do Aqueduto das Águas Livres. Trata-se do último de uma série de protestos iniciada em Outubro de 2003 e que já passou por queixas à Inspecção-Geral da Administração do Território e ao Presidente da República. Paralelamente, decorre uma investigação do Departamento de Investigação e Acção Penal por suspeita de "corrupção ou tráfico de influências" no licenciamento da obra, ao mesmo tempo que a nova gestão, social-democrata, da Junta de Freguesia dos Prazeres acaba de recorrer da sentença favorável ao promotor proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, no âmbito da providência cautelar pedindo a suspensão da obra interposta pela anterior gestão da CDU. A providência cautelar requerida pela Junta dos Prazeres iniciou-se em Agosto de 2005 e conheceu a sentença agora recorrida em Fevereiro deste ano. A decisão surpreendeu a autarquia já que invoca ter faltado à junta provar que a situação contestada (violação de direitos de fregueses pelo condomínio) ocorre na sua área de jurisdição. Os registos prediais dos terrenos onde está a ser erguido o condomínio colocam-os nas freguesias da Lapa e de Santos. "Perdemos a providência por um formalismo de carácter administrativo. Desde 1959, ano do decreto-lei que criou a Freguesia dos Prazeres, que os seus limites estão estabelecidos e o diploma é muito claro: a nossa "fronteira" atravessa a Infante Santo ao longo da linha do aqueduto [das Águas Livres]", afirmou o presidente da junta, João de Magalhães Pereira, adiantando que foi interposto recurso dessa sentença.
No anterior mandato, a junta chegou a propor uma "compensação" para resolver o diferendo: que o promotor construísse uma piscina pública no interior do condomínio. "Era uma pretensão impossível de satisfazer, que violaria o compromisso com os nossos clientes. De resto não vai haver piscina, mas um jardim interior e um parque infantil", disse Gustavo Quintela, administrador da Portbuilding. Segundo disse, a empresa tentou, infrutiferamente, "explicar o projecto às quatro ou cinco pessoas que estão contra ele".

Os argumentos
dos moradores
De acordo com os termos da acção popular, entre os alegados vícios do licenciamento está o facto de este troço do aqueduto setecentista, Monumento Nacional desde 1910, dispor de uma zona especial de protecção desde 1998 e, apesar disso, o Ippar ter dado parecer favorável à obra - depois de dois negativos em 1997 e 1998 - no ano seguinte.
Fonte do instituto explicou que o facto de o local estar abrangido por aquela zona de protecção, mas não por uma zona non aedificandi, significa que se pode lá construir desde que haja parecer favorável do Ippar, como foi o caso. Em vários documentos consultados pelo PÚBLICO, o instituto faz uma apreciação positiva do projecto, nomeadamente porque os edifícios ficam a cerca de dez metros do aqueduto. E numa informação à ministra da Cultura, de 10 de Agosto passado, declara que ele "cumpre, sob o ponto de vista do diploma que estabelece o regime de protecção e valorização do património cultural, todas as normas legais". O Ippar tem explicado a mudança de posição - dos chumbos à aprovação - dizendo que um estudo prévio que lhe foi apresentado em 1999 permitiu "uma leitura esclarecedora da integração" do conjunto imobiliário no local e que o município garantiu que o condomínio não fere o PDM.
Os serviços do Ippar "tinham perfeita consciência" de que os blocos a erguer "nunca poderiam constituir um benefício para o enquadramento" ou uma valorização do monumento nacional, "sabendo que o seu parecer viola todas as regras legais e de boa prática existentes destinadas à protecção de monumentos", contrapõem os moradores.
Entre outros argumentos, dizem que a área de construção autorizada "ultrapassa em muito" o índice de utilização bruto máximo previsto no PDM, rondando os três metros quadrados por metro quadrado de terreno, quando na zona (área consolidada de edifícios de utilização colectiva habitacional) o índice máximo é de 2m2/m2. "Isso é completamente falso. Cumprimos o PDM na íntegra. Aliás o índice de utilização fica aquém da capacidade máxima permitida para o local pelo PDM", responde o administrador da empresa.

Empresa diz que está
tudo bem
Os moradores afirmam ainda que parte do complexo está em cima de terrenos municipais, um dos quais apenas admite a ocupação do subsolo, quando tem hoje construções à superfície. O gabinete da vereadora do urbanismo desmente esta ideia, garantindo que "a ocupação à superfície não viola o projecto aprovado pela câmara".
Segundo os contestatários, também não foi suficientemente investigada a eventual existência, no local, de vestígios arqueológicos pré-históricos, já que não foram permitidas sondagens por geo-radar de grutas há muito tapadas com betão.
A Portbuilding, empresa formada pelo consórcio promotor do empreendimento - a Salema e Quintela Construções e o grupo FDO Construções -, tem posição diametralmente oposta.
"Estamos a requalificar o que era um gasómetro desactivado e vazio e a criar um novo acesso ao bairro da Lapa. Até agora só havia entre a Infante Santo e a Lapa um acesso por uma escadaria dantesca. Agora, a avenida fica ligada à Travessa do Chafariz das Terras por um acesso espectacular, que ficará muito bonito, uma rua para peões arborizada ao longo do aqueduto construída em terreno nosso, numa cedência ao município. E ainda mais: Finalmente, este troço do aqueduto vai poder ser visto e apreciado. Porque ninguém o via. Estava completamente tapado por entulho", afirmou a mesma fonte da Portbuilding.
Cerca de trinta por cento dos apartamentos já estão vendidos
(...)."

In Público (24/4/2006)

No tempo em que devia ter sido embargada, a obra manteve-se. Agora é meramente uma questão de formalismos, no alegre decorrer do que tem sido a política das últimas décadas em Lisboa: a política do facto consumado.

PF

1 comentário:

John le Doe disse...

Eu não conheço o projecto mas espero dele o que espero de quase todos os que se vão levando por diante em Lisboa. No entanto fico sempre apreensivo quando a argumentação contra novas edificações assume o carácter da referida sentença, ou seja, o do formalismo. Será muito difícil perceber que grande parte do património por que nos batemos, a maior parte das vezes em vão, é um património construído? Um património edificado nas suas épocas contra as argumentações mesquinhas e formais, uma luta de pessoas com preocupações mais nobres e elevadas, dispostas a discutir questões de fundo importantes, como poderia ser a existência ou não de uma zona de protecção cega ao aqueduto em vez da quantidade de metros que ela deve ou não ter, mas que se recusaram a discutir questões pequeninas.
Obviamente que o aqueduto tem de ser protegido, mas protegê-lo não significa obrigatoriamente deixar de construir. Protegê-lo pode significar, por exemplo, integrá-lo numa nova edificação, devolvê-lo à vida da cidade sem que seja dentro de um frasco de formol guardado numa vitrina de uma farmácia-museu para turistas numa rua pedonal de um bairro fechado ao trânsito automóvel para onde se estuda um sistema de portagens dissuasor de peões não-moradores (que parece ser a única solução que se vai defendendo para lidar com o património).
Eu vou estar na acção popular mas não contra o condomínio, vou estar na acção popular a favor da Infante Santo. Mais tarde descobrirei, com certeza, se são ambas a mesma, ou não.
E particularmente vou estar em simultâneo numa acção popular contra a edificação de arquitecturas medíocres, daquelas que precisam verdadeiramente de uma zona de protecção, de um perímetro de segurança que impeça os incautos de se aproximarem delas inadvertidamente. Mas nesta vou estar só porque todos os outros ficarão a discutir a dimensão da zona ou o número de pisos a partir do qual uma arquitectura se torna medíocre. É por estas e por outras como esta que mudei de profissão e será pelas mesmas que um destes anos mudarei de cidade, ou melhor, mudarei para uma cidade.
Se alguém quiser recuperar um perfume para Lisboa pode contar comigo, enquanto a preocupação for apenas a de atenuar o cheiro da bosta eu estarei lá mas tenho a parte que interessa noutro lugar.

António Maria