01/06/2007

Brincar na rua, como tudo mudou



“Brincar na rua é em muitas cidades do mundo uma actividade em vias de extinção”. Carlos Neto, docente e investigador da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, apresentou, no ano passado, um estudo - O Jogo e o Tempo Livre nas Rotinas de Vida Quotidiana de Crianças e Jovens - no qual analisa os efeitos dessa mudança, operada ao longo dos últimos 20/30 anos. Também em Portugal ela é bem visível e, embora o mau urbanismo que se vem praticando não seja, obviamente, o único factor a ter em consideração, ele tem aqui um peso fortíssimo.

Citando estudos congéneres, as conclusões do trabalho daquele investigador falam por si: “As crianças que vivem em prédios altos descem sós para jogar/brincar numa idade mais tardia”; “têm um tempo mais curto para jogar/brincar e não saem para a rua com tanta frequência”; apresentam “dificuldade de contacto com os amigos e brincam longe da sua área” de residência; “a densidade populacional em áreas de habitação alta resulta, em muitas circunstâncias, em conflitos e stress durante as actividades de jogo entre as crianças”.

A rua, que era “um espaço de encontro, de descoberta e até de desordem”, como todos nós, que tivemos o privilégio de poder brincar nela, testemunhámos, transformou-se, tão-só, num “espaço onde circulam carros e gente apressada”. Sem lugar para esse encontro, descoberta e desordem, todos eles “importantes para crescer”.

“A promoção do jogo e da actividade física na vida da cidade deverá constituir-se como um indicador decisivo de qualidade de vida”, escreve Carlos Neto neste seu estudo. Olhando em redor, que espécie de cidade estamos a fazer?


Créditos imagem: Esperando o Sucesso, Henrique Pousão, 1882, Museu Nacional de Soares dos Reis

4 comentários:

Paulo Ferrero disse...

Pois é, o berlinde, os triciclos, a apanhada, o mata, a macaca, o eixo, os carrinhos de rolamentos, as caricas, etc., tudo isso se foi. Hoje, até é difícil encontar alguém a jogar à bola, é quase milagre, he, he.

Anónimo disse...

Esta mudança pode-se verificar também em pequenas cidades, e em zonas residenciais onde nem existem prédios, ou grande tráfego. Existem outros factores que influenciaram o dia-a-dia da criança...televisão 24 horas por dia, internet, etc. Outro factor que mantém as crianças em casa, é o receio constante por diversos "perigos". E essa sim é
a parte mais triste da história, pois os mais pequenos vivem numa estufa propícia ao medo e à desconfiança, o que é muito mau sinal para o futuro.

JA

Mario J Alves disse...

Excelente post. Não conhecia este estudo em Portugal. É de facto uma situação muito triste e com consequências ainda por conhecer. No entanto, não me parece directo associar stress à densidade. A densidade é uma das características fundamentais da cidade - por exemplo os bairros históricos são muito densos e são, e já foram mais quando não tinham carros, locais excelentes para crescer como criança. Tenho escrito no Carmo e Trindade sobre o assunto: torcer o pepino. Também há estudos internacionais que confirmam e se aproximam das conclusões do estudo que refere - mas, não negando outros factores, apontam o dedo directamente à presença dos automóveis em excesso de velocidade e indirectamente ao mau desenho do espaço público.

mja

Gonçalo Cornelio da Silva disse...

Excelente texto e o quadro de Pousão a ilustrar é uma maravilha. De facto o urbanismo toma hoje uma proporção nas nossas vidas inacreditavel. Mais atenção se deve ter quando está em jogo extractos sociais mais desfavorecidos.
Infelizmente em Lisboa nos ultimos 30 não encontramos nada de jeito, em desenho urbano, mais assustador o facto de quem realmente esteve implicado nestas experiencias continuar a falar do alto do pedestal, numa pura demagogia não ensaiam em projectar centros comerciais ou condominios privados.