11/01/2008

A CASA NA ÁRVORE. A memória do mundo


No ano em que se inicia a primeira fase do compromisso contra o aquecimento global, previsto pelo Tratado de Quioto, e se torna cada vez mais evidente que o desafio da Humanidade, no século XXI, é impedir a sua própria extinção, a antiquíssima Ginkgo Biloba L. (vulgarmente conhecida por Nogueira-do-Japão) surge como árvore emblemática que viu chegar a espécie humana e poderá vê-la desaparecer.
Introduzida na Europa, no princípio do século XVIII, em Portugal, existe notícia da sua comercialização no Porto, pelo menos desde 1865, este “fóssil vivo” (segundo Lineu) não só é a mais antiga árvore que se conhece, apareceu há mais de 200 milhões de anos, como pode ultrapassar os 3 milénios de vida.
Considerada sagrada pelos monges budistas que a plantaram junto dos templos, no Sul da China, Japão e Coreia do Sul, ela representa, desde a Segunda Guerra Mundial – na sequência de ter sobrevivido à Bomba Atómica de Hiroshima – a árvore de todos os combates mas não necessariamente a da nossa salvação.
Introduzir Ginkgo Bilobas nos parques e jardins (em Portugal destacam-se, entre outros, dois exemplares classificados, o da Praça Paiva Couceiro, em Lisboa, e o do Jardim das Virtudes, no Porto, ou ainda o belíssimo grupo de árvores que em Dezembro tornam obrigatório o Jardim das Amoreiras) onde antes viviam outras espécies que não aguentaram o stress da poluição, como já há alguns anos tem sido feito na Inglaterra (http://www.timesonline.co.uk) poderá evitar a curto prazo o colapso de um espaço público mas destruirá o conceito de Arboretum (colecção de árvores), no qual assentam muitos dos jardins europeus, como o do Parque da Pena, em Sintra, onde também foi plantada uma frondosa Ginkgo, mas não impedirá que uma vez abertas as portas não haja quem nelas possa entrar.
Uma das lições da Ginkgo Biloba prende-se justamente com a vida simples, despojada e sábia dos monges budistas que a protegeram. Enquanto, no século XVIII, os coleccionadores ocidentais disputavam jovens rebentos de Ginkgo (também conhecida por “a árvore que põe ovos”) desconhecendo a particularidade de esta árvore não ser hermafrodita mas dióica, os monges, conscientes do necessário equilíbrio de todas as coisas, há milénios juntavam a árvore macho à árvore fêmea, independentemente desta última produzir frutos malcheirosos, que de resto, são uma iguaria. É uma japonesa, Misa Suda quem o confirma: “No Japão compra-se esse fruto chamado “guin`nan” ou então apanha-se nas Avenidas onde as árvores foram plantadas. Parece um damasco amarelo, aliás, a tradução de Ginkgo (“Ichou”) é “damasco prateado”, mas não comemos senão o que está no interior da semente. Uma vez limpa, a semente é frita, partimos a casca e comemos o que está no seu interior, como se fosse uma noz”.
Tal como acontece na maioria dos países ocidentais, em Portugal, apesar de haver alguns casais de Ginkgo Biloba L (por exemplo, no Jardim Botânico em Lisboa e também no Porto, fazem casal o espécime feminino do Palácio de Cristal com o masculino que está perto da Biblioteca Almeida Garrett) tem-se plantado, sobretudo, machos, evitando o odor dos frutos da árvore fêmea. Uma vez mais, tem-se privilegiado a comodidade urbana em detrimento do equilíbrio natural.
Quando entre nós é prática rotineira cortar árvores porque poderão estar a destruir um muro, impedir a construção de uma auto-estrada ou a prejudicar a canalização de um prédio imagina-se o grau de perplexidade que pode gerar a notícia publicada no ano passado, na rubrica “News” do site Ginkgo Biloba Pages: os residentes de Dobong, em Seul, na Coreia do Sul, em conjunto com as autoridades camarárias decidiram gastar 4,3 milhões de dólares para demolirem dois edifícios de apartamentos cujas infra-estruturas estavam a lesar as raízes de uma Ginkgo de 840 anos, a árvore mais antiga da cidade.
Tendo em conta as suas qualidades medicinais, utilizadas na farmacopeia tradicional chinesa e na indústria farmacêutica contemporânea mundial, a Ginkgo Biloba corre o risco de ser o eucalipto do futuro. Uma árvore sagrada reduzida à condição de escravo para que a Humanidade prospere e não oxide, dadas as suas qualidades na preservação da memória e na melhoria da circulação sanguínea.
A árvore que chegou à Europa, com o nome errado, deveria dizer-se “Ginkyô”, única representante da extinta família das Ginkgoaceae, saberá por certo responder ao eterno vício humano da domesticação.
Na Província chinesa de Henan, vive uma Ginkgo com mais de 1500 anos. O tronco tem alguns pequenos buracos. São a marca de todos os dedos dos monges que nele tocaram antes de entrarem no templo de Shaolin.

Susana Neves

Artigo publicado na crónica mensal A Casa na Árvore, revista Tempo Livre, Janeiro 2008, INATEL.

3 comentários:

Anónimo disse...

Independentemente da organização que impomos às árvores o que me parece mesmo grave, é que o exemplar classificado como de interesse público na Praça Paiva Couceiro em Lisboa seja o urinol (literalmente) preferido dos velhinhos que ali vão jogar à bisca e que o desleixo da Junta de Freguesia de Sº João, responsável pela manutenção daquele espaço, seja o impulsionador deste estado de coisas. Quando é que o nosso respeito próprio vai obrigar o poder politico a cumprir com as suas obrigações básicas? Quando é que vamos exigir àquela 'Junta' papeleiras, cuidados de jardinagem e o demais equipamento que permita defender aquele espaço e as suas árvores?

Susana Neves disse...

Tornar os jardins pouco apetecíveis, não os valorizar socialmente é uma forma de induzir ao seu afastamento e degradação.

Susana Neves disse...

P.S. Entenda-se por valorização social dos jardins e suas árvores a defesa da sua cidadania não a exclusão de quem os visita.
Ninguém manda escarretas para cima de um automóvel, nem lixo, então porque o fazem com uma árvore?

As árvores querem-se livres como as pessoas.