26/03/2008

Câmara de Lisboa tenta anular acordo com russos e imobiliária por o considerar lesivo

In Público (26/3/2008)
Ana Henriques

«Autarquia esteve prestes a financiar a recuperação de um prédio particular na zona do Intendente que pertence a uma empresa ligada à antiga fábrica de cerâmica Viúva Lamego

A denúncia de um protocolo com uma associação de imigrantes de expressão russa e uma sociedade imobiliária é hoje discutida pela Câmara de Lisboa, que, dois anos e meio depois de ter assinado o acordo, entende agora que ele lesa os seus interesses.

Subscrito em 2005 pela ex-vereadora da Acção Social e actual deputada social-democrata Helena Lopes da Costa, o protocolo previa a instalação da associação de imigrantes russófonos Respublika no Intendente, num edifício de três pisos e mil metros quadrados de área coberta, propriedade de uma imobiliária chamada Garlea. Objectivo da associação: desenvolver naquele espaço, juntamente com cinco outras instituições congéneres, actividades ligadas às artes plásticas, dança e ensino da língua portuguesa e russa. No local funcionariam ainda uma biblioteca, um gabinete médico, um gabinete de comunicações e uma bolsa de emprego. Estimadas na altura em 400 mil euros, as obras de recuperação do imóvel particular seriam custeadas em grande parte pela Câmara de Lisboa. Ainda assim, a Respublika teria de pagar uma renda mensal à Garlea de três mil euros, durante cinco anos.
Meses depois de o acordo ser assinado, uma técnica camarária do departamento de acção social mostrou-se surpreendida com o seu teor, sustentando não existirem razões para o município e a associação de imigrantes pagarem as obras de um imóvel privado: "Não se compreende o papel desempenhado pela câmara na questão do financiamento." E chama a atenção para o facto de, não obstante a Respublika ser uma associação sem fins lucrativos, o mesmo não acontecer relativamente à Garlea, "já que esta é uma sociedade comercial por quotas, tendo por objecto a obtenção do lucro". O seu apoio por parte do município "não se parece coadunar" com o financiamento das actividades de natureza social, que faz parte das atribuições das autarquias.
Esse é também o entendimento da actual vereadora da Acção Social, a socialista Ana Sara Brito, que diz que o dinheiro da câmara é mais bem empregue a reabilitar os imóveis municipais, muitos deles também a precisar de obras. Se os privados querem recuperar os seus prédios que paguem ou que recorram aos programas de financiamento para o efeito, como o Recria, acrescenta a autarca.
Seja como for, o protocolo acabou por nunca sair do papel - embora até hoje também nunca tenha sido revogado. Um antigo dirigente da Respublika diz que foi a própria câmara - à qual a associação tinha pedido para lhe arranjar instalações - que já depois de assinar o protocolo entravou a sua execução: "Primeiro diziam que pagavam 80 por cento da obra, por fim já eram só 30, e nós não tínhamos forma de custear o resto." Por isso, afirma, a associação decidiu desenvolver as suas actividades noutro local, acabando por se extinguir - não sem que antes outro técnico camarário que acompanhou o assunto tivesse mencionado que ela não apresentava "sinais de credibilidade".»

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